sexta-feira, abril 29, 2005 |
QUATRO
Uma dor lancinante atravessava-lhe o cérebro.
Olhou em volta e reparou que tinha caído da cama, batendo com a cabeça no pequeno banco que lhe servia de apoio. Estava protegido por uma rede mosquiteira alva, ponteada de pequenas manchas negras. Ao fundo, observou uma porta em arco.
De repente apareceu uma silhueta feminina. Algo se passava ali fora do normal. Ainda não via muito bem, uma vez que o quarto - seria um quarto? - se encontrava mergulhado na penumbra.
Caiu em si quando se apercebeu que os beduínos a atacá-lo eram produto do seu sono profundo.
A silhueta feminina falou: «JB?».
Como era preciso postar alguma coisa - parece que já havia reclamações - e porque, ultimamente, só se falava do 25 de Abril e o pessoal já andava farto de discutir política, para aligeirar, portanto, resolvi contar-vos um sonho que tive. Com um bocado de sorte o pessoal nem lê até ao fim e por isso não me vou acanhar com a escrita mal alinhavada que se segue.
Sonhei no outro dia que estava de comando apontado à televisão e que tinha parado de lhe premir os botões, estarrecida, ao ver um programa onde uma criatura do sexo feminino ia gritando impropérios à frente de uma plateia cacarejante incitada, em português com sotaque, por um apresentador bombástico e todos observando, num écran, o noivo da dita criatura que, ao que parece, estava a ser seduzido por uma actriz a quem a noiva encornada apelidava de vários nomes cujo mais inócuo era vaca.E não era um concurso nem nada, o objectivo era saber se o noivo lhe era fiel (!!!!).
Nem no sonho acreditei na veracidade daquilo tudo, era o que faltava alguém ir para a televisão expor-se daquela maneira, mas nem me ralei muito, em sonhos a gente nunca se rala muito, mas envergonhada, mudei de canal. Agora era uma conhecida apresentadora, que até já foi jornalista, a falar para um burro, a sério mesmo, daqueles de orelhas grandes e quatro cascos, e não era que o outro lhe respondia – o meu espanto é só figura de estilo, porque espantada mesmo fiquei quando ela se virou para uma peúga e a tratou pelo nome e a dita cuja conhecia-a porque lhe respondeu. Desta vez tive a certeza que sonhava e já não me envergonhei, mesmo assim mudei de canal para ver um anúncio de qualquer coisa que tinha a ver com SMS’s de música RAP feita com ruídos provocados por gases expelidos pela parte traseira do corpo humano.
Há quem nasça décadas depois de nós só para serem mais jovens e mais bonitas mas há também aquelas que o conseguem com um simples creme ou será por aspirarem a casa com um aspirador maravilha que até serve para lavar cortinados e fazer vácuo em sacos de guardar cobertores?
Acho que ando a fazer mal as digestões...
segunda-feira, abril 25, 2005 |
25 de ABRIL SEMPRE!
Agente da PIDE a ser preso na madrugada do dia 25 de Abril de 1974.
1º Comunicado do MFA - 04:26
"Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas.
As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas, no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os Portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua ocorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração, que se deseja, sinceramente, desnecessária."
2º Comunicado do MFA - 04:45
"A todo os elementos das forças militarizadas e policiais o comando do Movimento das Forças Armadas aconselha a máxima prudência, a fim de serem evitados quaisquer recontros perigosos. Não há intenção deliberada de fazer correr sangue desnecessário, mas tal acontecerá caso alguma provocação se venha a verificar.
Apelamos, portanto, para que regressem imediatamente aos seus quartéis, aguardando as ordens que lhes serão dadas pelo M. F. A.
Serão severamente responsabilizados todos os comandos que tentarem por qualquer forma conduzir os seus subordinados à luta com as Forças Armadas."
3º Comunicado do MFA - 05:15
"Para que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, apelamos para o bom senso dos comandos das Forças Militarizadas no sentido de serem evitados confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua ocorrência aos hospitais a fim de prestar a sua eventual colaboração, que se deseja sinceramente desnecessária.
A todos os elementos das Forças Militarizadas e policiais, o Comando do Movimento das Forças Armadas aconselha a máxima prudência, a fim de serem evitados quaisquer recontros perigosos. Não há intenção deliberada de fazer correr sangue desnecessariamente, mas tal acontecerá caso alguma provocação se venha a verificar.
Apelamos, portanto, para que regressem imediatamente aos seus quartéis, aguardando as ordem que lhes serão dadas pelo Movimento das Forças Armadas. Serão severamente responsabilizados todos os comandos que tentarem por qualquer forma conduzir os seus subordinados à luta com as Forças Armadas.
Informa-se a população de que, no sentido de evitar todo e qualquer incidente ainda que involuntário, deverá recolher a suas casas, mantendo absoluta calma. A todos os elementos das forças militarizadas, nomeadamente às forças da G.N.R. e P.S.P. e ainda às Forças da Direcção-Geral de Segurança e Legião Portuguesa, que abusivamente foram recrutadas, lembra-se o seu dever cívico de contribuírem para a manutenção da ordem pública, o que, na presente situação, só poderá ser alcançado se não for oposta qualquer reacção às Forças Armadas. Tal reacção nada teria de vantajoso, pois conduziria a um indesejável derramamento de sangue, que em nada contribuiria para a união de todos os portugueses. Embora estando crentes no bom senso e no civismo de todos os portugueses, no sentido de evitarem todo e qualquer recontro armado, apelamos para que os médicos e o pessoal de enfermagem se apresentem em todos os hospitais para uma colaboração que fazemos votos seja desnecessária."
4º Comunicado do MFA - 06:45
"Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas.
Atenção elementos das forças militarizadas e policiais. Uma vez que as Forças Armadas decidiram tomar a seu cargo a presente situação, será considerado delito grave qualquer oposição das forças militarizadas e policiais às unidades militares que cercam a cidade de Lisboa. A não obediência a este aviso poderá provocar um inútil derramamento de sangue, cuja responsabilidade lhes será inteiramente atribuída. Deverão, por conseguinte, conservar-se dentro dos seus quartéis até receberem ordens do Movimento das Forças Armadas. Os comandos das forças militarizadas e policiais serão severamente responsabilizados, caso incitem os seus subordinados à luta armada."
5º Comunicado do MFA - 07:30
"Aqui posto de comando das Forças Armadas.
Conforme tem sido transmitido, as Forças Armadas desencadearam, na madrugada de hoje, uma série de acções com vista à libertação do País do regime que há longo tempo o domina.
Nos seus comunicados as F. A. têm apelado para a não intervenção das forças policiais, com o objectivo de se evitar derramamento de sangue. Embora este desejo se mantenha firme, não se hesitará em responder, decidida e implacavelmente, a qualquer oposição que se venha a manifestar.
Consciente de que interpreta verdadeiros sentimentos da Nação, o M. F. A. prosseguirá na sua acção libertadora, e pede à população que se mantenha calma e que recolha às suas residências.
Viva Portugal."
6º Comunicado do MFA - 08:45
"As Forças Armadas iniciaram uma série de acções com vista à libertação do País do regime que há longo tempo o domina. Nos seus comunicados, as Forças Armadas têm apelado para a não intervenção das forças policiais, com o objectivo de se evitar derramamento de sangue. Embora este desejo se mantenha firme, não se hesitará em responder, decidida e implacavelmente, a qualquer oposição que venha a manifestar-se. Consciente de que interpreta os verdadeiros sentimentos da nação, o movimento das Forças Armadas prosseguirá na sua acção libertadora e pede à população que se mantenha calma e que recolha às suas residências.
Viva Portugal!"
Agente da PIDE a ser preso na madrugada do dia 25 de Abril de 1974.
1º Comunicado do MFA - 04:26
"Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas.
As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas, no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os Portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua ocorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração, que se deseja, sinceramente, desnecessária."
2º Comunicado do MFA - 04:45
"A todo os elementos das forças militarizadas e policiais o comando do Movimento das Forças Armadas aconselha a máxima prudência, a fim de serem evitados quaisquer recontros perigosos. Não há intenção deliberada de fazer correr sangue desnecessário, mas tal acontecerá caso alguma provocação se venha a verificar.
Apelamos, portanto, para que regressem imediatamente aos seus quartéis, aguardando as ordens que lhes serão dadas pelo M. F. A.
Serão severamente responsabilizados todos os comandos que tentarem por qualquer forma conduzir os seus subordinados à luta com as Forças Armadas."
3º Comunicado do MFA - 05:15
"Para que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, apelamos para o bom senso dos comandos das Forças Militarizadas no sentido de serem evitados confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua ocorrência aos hospitais a fim de prestar a sua eventual colaboração, que se deseja sinceramente desnecessária.
A todos os elementos das Forças Militarizadas e policiais, o Comando do Movimento das Forças Armadas aconselha a máxima prudência, a fim de serem evitados quaisquer recontros perigosos. Não há intenção deliberada de fazer correr sangue desnecessariamente, mas tal acontecerá caso alguma provocação se venha a verificar.
Apelamos, portanto, para que regressem imediatamente aos seus quartéis, aguardando as ordem que lhes serão dadas pelo Movimento das Forças Armadas. Serão severamente responsabilizados todos os comandos que tentarem por qualquer forma conduzir os seus subordinados à luta com as Forças Armadas.
Informa-se a população de que, no sentido de evitar todo e qualquer incidente ainda que involuntário, deverá recolher a suas casas, mantendo absoluta calma. A todos os elementos das forças militarizadas, nomeadamente às forças da G.N.R. e P.S.P. e ainda às Forças da Direcção-Geral de Segurança e Legião Portuguesa, que abusivamente foram recrutadas, lembra-se o seu dever cívico de contribuírem para a manutenção da ordem pública, o que, na presente situação, só poderá ser alcançado se não for oposta qualquer reacção às Forças Armadas. Tal reacção nada teria de vantajoso, pois conduziria a um indesejável derramamento de sangue, que em nada contribuiria para a união de todos os portugueses. Embora estando crentes no bom senso e no civismo de todos os portugueses, no sentido de evitarem todo e qualquer recontro armado, apelamos para que os médicos e o pessoal de enfermagem se apresentem em todos os hospitais para uma colaboração que fazemos votos seja desnecessária."
4º Comunicado do MFA - 06:45
"Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas.
Atenção elementos das forças militarizadas e policiais. Uma vez que as Forças Armadas decidiram tomar a seu cargo a presente situação, será considerado delito grave qualquer oposição das forças militarizadas e policiais às unidades militares que cercam a cidade de Lisboa. A não obediência a este aviso poderá provocar um inútil derramamento de sangue, cuja responsabilidade lhes será inteiramente atribuída. Deverão, por conseguinte, conservar-se dentro dos seus quartéis até receberem ordens do Movimento das Forças Armadas. Os comandos das forças militarizadas e policiais serão severamente responsabilizados, caso incitem os seus subordinados à luta armada."
5º Comunicado do MFA - 07:30
"Aqui posto de comando das Forças Armadas.
Conforme tem sido transmitido, as Forças Armadas desencadearam, na madrugada de hoje, uma série de acções com vista à libertação do País do regime que há longo tempo o domina.
Nos seus comunicados as F. A. têm apelado para a não intervenção das forças policiais, com o objectivo de se evitar derramamento de sangue. Embora este desejo se mantenha firme, não se hesitará em responder, decidida e implacavelmente, a qualquer oposição que se venha a manifestar.
Consciente de que interpreta verdadeiros sentimentos da Nação, o M. F. A. prosseguirá na sua acção libertadora, e pede à população que se mantenha calma e que recolha às suas residências.
Viva Portugal."
6º Comunicado do MFA - 08:45
"As Forças Armadas iniciaram uma série de acções com vista à libertação do País do regime que há longo tempo o domina. Nos seus comunicados, as Forças Armadas têm apelado para a não intervenção das forças policiais, com o objectivo de se evitar derramamento de sangue. Embora este desejo se mantenha firme, não se hesitará em responder, decidida e implacavelmente, a qualquer oposição que venha a manifestar-se. Consciente de que interpreta os verdadeiros sentimentos da nação, o movimento das Forças Armadas prosseguirá na sua acção libertadora e pede à população que se mantenha calma e que recolha às suas residências.
Viva Portugal!"
Foi por ele que tive medo pela primeira vez. Porque ia a reuniões clandestinas e trazia papeis proibidos para casa. Habituei-me desde muito cedo a ter medo quando o via sair sozinho à noite. Quis saber porque tínhamos medo e ele explicou-me. Que sim, que era preciso ter medo, mas que o medo se deve enfrentar com a força da razão e da justiça dos ideais que temos obrigação de defender. Tinha pouco mais de dez anos mas ele ensinou-me o que era o Regime em que vivíamos, o que nos era proibido, que as pessoas iam presas e eram torturadas, o que era o Fascismo e o Comunismo e principalmente o que era a Liberdade e que nós vivíamos sem ela.
Naquela manhã, quando o telefone tocou a avisar que a Revolução estava na rua e que, por favor, ficássemos em casa, foi dele que obtive a permissão para ir vivê-la em primeira mão. Vamos ter Liberdade? Vamos. E fomos os dois para rua, porque nem uma Revolução o fazia faltar ao trabalho e era preciso ter a certeza que não era mentira, que desta vez é que era. E eu que fosse para a Escola, não se faltam às obrigações, mas que fosse de olhos bem abertos porque o que visse pelo caminho era História.
Foi também com ele que gritei as primeiras palavras de ordem naquele primeiro 1º de Maio. Ele feliz porque agora todos tinham feriado e eu porque não haveria mais nenhum 1º de Maio passado em angústia até que ele voltasse para casa, naquele dia que só ele não ia trabalhar e corria perigo por comemorar um dia que mais ninguém parecia comemorar.
Militámos juntos no mesmo Partido defendendo o que com ele aprendi a considerar justo lutando por princípios que ele me ensinou serem sagrados.
Apesar de ele não se lembrar eu não me vou poder esquecer nunca.
Naquela manhã, quando o telefone tocou a avisar que a Revolução estava na rua e que, por favor, ficássemos em casa, foi dele que obtive a permissão para ir vivê-la em primeira mão. Vamos ter Liberdade? Vamos. E fomos os dois para rua, porque nem uma Revolução o fazia faltar ao trabalho e era preciso ter a certeza que não era mentira, que desta vez é que era. E eu que fosse para a Escola, não se faltam às obrigações, mas que fosse de olhos bem abertos porque o que visse pelo caminho era História.
Foi também com ele que gritei as primeiras palavras de ordem naquele primeiro 1º de Maio. Ele feliz porque agora todos tinham feriado e eu porque não haveria mais nenhum 1º de Maio passado em angústia até que ele voltasse para casa, naquele dia que só ele não ia trabalhar e corria perigo por comemorar um dia que mais ninguém parecia comemorar.
Militámos juntos no mesmo Partido defendendo o que com ele aprendi a considerar justo lutando por princípios que ele me ensinou serem sagrados.
Apesar de ele não se lembrar eu não me vou poder esquecer nunca.
domingo, abril 24, 2005 |
a PVDE (depois, PIDE)
“requintava nos abusos das suas funções e em torturas e sevícias inimagináveis sobre os presos: os espancamentos brutais e “científicos”, a tortura do sono, a estátua, o isolamento, a “frigideira” do Tarrafal, etc.
Pela tortura do sono obrigava-se o preso a permanecer longos dias sem dormir, com a estátua, prolongava-se a tortura do sono com a imobilidade. O requinte da PIDE chegou ao ponto de envolver os supliciados em estátua com arame farpado; calcule-se os efeitos de cada vacilamento. O comunista Francisco Miguel, por exemplo, que esteve preso 21 anos (embora não consecutivos, mas oito e meio dos quais no Tarrafal) na terceira vez que foi preso, em 1947, foi sujeito à tortura da “estátua” e do sono no célebre 3º andar da rua António Maria Cardoso, em Lisboa, onde a lei era suposto não entrar. Esteve 30 dias e 30 noites de pé e sem dormir, em três etapas: a primeira, de 11 dias e 8 horas, a segunda de 10 dias e a terceira de 9 dias; entre a primeira e a segunda houve um intervalo de 40 horas que passou numa pequenina cela do Aljube”
Norberto Ferreira da Cunha, “A Declaração Universal do Direitos do Homem – luzes e sombras da sua recepção em Portugal, em 1948”, in “Justiça e Direitos Humanos”, ed. da Universidade do Minho, pág. 258.
"A frigideira era uma construção em cimento, fechada, completamente fechada, com as paredes, o chão e o tecto em cimento. Uma caixa rectangular com uns cinco a seis metros de comprimento por três de largura. Um bloco interiormente dividido ao meio por uma parede a separar duas celas, cada uma com a sua porta de ferro, que se abriam em sentidos opostos. As portas de ferro tinham meia dúzia de orificiozinhos de diâmetro inferior a um centímetro por onde se fazia um simulacro de arejamento. Por cima das portas, junto ao tecto, uma pequena fresta gradeada. Mais nada. O arejamento só podia ser feito quando a porta se abrisse para logo ser fechada, o que acontecia apenas de manhã e à tarde no momento da entrega das 'refeições', refeições cujo significado, neste caso, exprime um sentido grotesco.
Asfixiava-se ali dentro. A altura, no interior de cada uma das celas, seria de uns dois metros e meio no máximo, era, de facto, uma caixa completamente fechada e durante todo o dia estava sob a acção permanente do sol, por ter sido construída num local completamente isolado e sem hipóteses de sombra. Apanhava sol durante o dia inteiro. À noite, claro, sofria as consequências da temperatura que, em certas épocas do ano, naquela parte do arquipélago, é muito acentuada nas mudanças do dia para a noite.
Quando se estava na frigideira - e aconteceu estarem doze homens numa só cela - a humidade da respiração condensava-se nas paredes, por onde escorria.
Não é necessário ter muita imaginação para se fazer uma ideia do que podia acontecer quando doze homens tentavam respirar dentro de uma caixa daquelas, com o sol tropical a aquecer pelo exterior, e onde a evaporação do ar respirado escorria pelas paredes. Os corpos encharcados, o ar sem oxigénio, sufocante, a fazer o sangue latejar nas fontes, os peitos oprimidos numa semiasfixia de endoidecer, com toda aquela humidade viscosa, acicatada pelos ácidos pútridos do latão dos dejectos de que todos eram obrigados a servir-se; um buraco, enfim, onde os homens eram tratados pior que animais.
Vários homens juntos, uma semana, duas semanas, sem qualquer interrupção, alimentados um dia a pão e água, outro dia a pão e caldo de sopa, alternadamente, como determinava a ordem do dia, que estabelecia o regime dos castigados. Além disso, pior também do que animais, tendo por cama o chão nu e áspero do cimento e por cobertor apenas o peso da atmosfera saturada e pestilenta.
Essa foi uma das invenções do 'cristianíssimo' fascismo deste país de brandos costumes."
Gilberto Oliveira, "Memória Viva do Tarrafal", Edições Avante!, 1987
“requintava nos abusos das suas funções e em torturas e sevícias inimagináveis sobre os presos: os espancamentos brutais e “científicos”, a tortura do sono, a estátua, o isolamento, a “frigideira” do Tarrafal, etc.
Pela tortura do sono obrigava-se o preso a permanecer longos dias sem dormir, com a estátua, prolongava-se a tortura do sono com a imobilidade. O requinte da PIDE chegou ao ponto de envolver os supliciados em estátua com arame farpado; calcule-se os efeitos de cada vacilamento. O comunista Francisco Miguel, por exemplo, que esteve preso 21 anos (embora não consecutivos, mas oito e meio dos quais no Tarrafal) na terceira vez que foi preso, em 1947, foi sujeito à tortura da “estátua” e do sono no célebre 3º andar da rua António Maria Cardoso, em Lisboa, onde a lei era suposto não entrar. Esteve 30 dias e 30 noites de pé e sem dormir, em três etapas: a primeira, de 11 dias e 8 horas, a segunda de 10 dias e a terceira de 9 dias; entre a primeira e a segunda houve um intervalo de 40 horas que passou numa pequenina cela do Aljube”
Norberto Ferreira da Cunha, “A Declaração Universal do Direitos do Homem – luzes e sombras da sua recepção em Portugal, em 1948”, in “Justiça e Direitos Humanos”, ed. da Universidade do Minho, pág. 258.
"A frigideira era uma construção em cimento, fechada, completamente fechada, com as paredes, o chão e o tecto em cimento. Uma caixa rectangular com uns cinco a seis metros de comprimento por três de largura. Um bloco interiormente dividido ao meio por uma parede a separar duas celas, cada uma com a sua porta de ferro, que se abriam em sentidos opostos. As portas de ferro tinham meia dúzia de orificiozinhos de diâmetro inferior a um centímetro por onde se fazia um simulacro de arejamento. Por cima das portas, junto ao tecto, uma pequena fresta gradeada. Mais nada. O arejamento só podia ser feito quando a porta se abrisse para logo ser fechada, o que acontecia apenas de manhã e à tarde no momento da entrega das 'refeições', refeições cujo significado, neste caso, exprime um sentido grotesco.
Asfixiava-se ali dentro. A altura, no interior de cada uma das celas, seria de uns dois metros e meio no máximo, era, de facto, uma caixa completamente fechada e durante todo o dia estava sob a acção permanente do sol, por ter sido construída num local completamente isolado e sem hipóteses de sombra. Apanhava sol durante o dia inteiro. À noite, claro, sofria as consequências da temperatura que, em certas épocas do ano, naquela parte do arquipélago, é muito acentuada nas mudanças do dia para a noite.
Quando se estava na frigideira - e aconteceu estarem doze homens numa só cela - a humidade da respiração condensava-se nas paredes, por onde escorria.
Não é necessário ter muita imaginação para se fazer uma ideia do que podia acontecer quando doze homens tentavam respirar dentro de uma caixa daquelas, com o sol tropical a aquecer pelo exterior, e onde a evaporação do ar respirado escorria pelas paredes. Os corpos encharcados, o ar sem oxigénio, sufocante, a fazer o sangue latejar nas fontes, os peitos oprimidos numa semiasfixia de endoidecer, com toda aquela humidade viscosa, acicatada pelos ácidos pútridos do latão dos dejectos de que todos eram obrigados a servir-se; um buraco, enfim, onde os homens eram tratados pior que animais.
Vários homens juntos, uma semana, duas semanas, sem qualquer interrupção, alimentados um dia a pão e água, outro dia a pão e caldo de sopa, alternadamente, como determinava a ordem do dia, que estabelecia o regime dos castigados. Além disso, pior também do que animais, tendo por cama o chão nu e áspero do cimento e por cobertor apenas o peso da atmosfera saturada e pestilenta.
Essa foi uma das invenções do 'cristianíssimo' fascismo deste país de brandos costumes."
Gilberto Oliveira, "Memória Viva do Tarrafal", Edições Avante!, 1987
sábado, abril 23, 2005 |
O Lápis Azul
A Comissão da Censura é instituída a 22 de Junho de 1926 com carácter provisório. Os jornais passam a ser obrigados a enviar a esta comissão quatro provas de página e a não deixar em branco o espaço das notícias censuradas .
A implicação desta medida causa a indignação nas redacções. Em 1933 a Censura viria a ser legalmente instituída através da Constituição e dura até 1968, durante o governo de Salazar, e muda de nome para Comissão de Exame Prévio com o governo de Marcelo Caetano.
Todas as notícias de todas as áreas eram vistas previamente pelos censores que podiam apenas “cortar” algumas frases ou proibir a notícia toda.
A censura fazia-se também noutras áreas como a publicidade, as artes,o cinema, o teatro, letras de fados, imagens publicitárias, livros, etc.
A Comissão da Censura é instituída a 22 de Junho de 1926 com carácter provisório. Os jornais passam a ser obrigados a enviar a esta comissão quatro provas de página e a não deixar em branco o espaço das notícias censuradas .
A implicação desta medida causa a indignação nas redacções. Em 1933 a Censura viria a ser legalmente instituída através da Constituição e dura até 1968, durante o governo de Salazar, e muda de nome para Comissão de Exame Prévio com o governo de Marcelo Caetano.
Todas as notícias de todas as áreas eram vistas previamente pelos censores que podiam apenas “cortar” algumas frases ou proibir a notícia toda.
A censura fazia-se também noutras áreas como a publicidade, as artes,o cinema, o teatro, letras de fados, imagens publicitárias, livros, etc.
Alguns exemplos:
. Num panfleto de divulgação do filme “A Casa Encantada” de Alfred Hitchcock, a navalha que um homem segura enquanto abraça uma mulher é apagada.
. O cartaz anunciando a peça “A Casa de Bernarda Alba” de Frederico Garcia Lorca, foi proibido por determinação do Governador Civil do Porto porque exibia uma mulher nua da cintura para cima.
. O “Fado Socialista”, escrito em 1927 por Ramada Curto foi proibido: «Gente rica e bem vestida/ P’ra quem a vida é fagueira/ Olhem qu’existe outra vida/ N’Alfama e na Cascalheira! (…) Mas um dia hão-de descer/ Os lobos ao povoado…/ Temos o caldo entornado/ Vai ser bonito de ver/ Não verá quem não viver/ O fogo d’essa fogueira/ Soa a hora derradeira/ De quem é feliz agora…/ Às mãos da gente que chora.».
. Os Livros :
A Classe Operária irá desaparecer?, N. Gaouzner
A Esperança Agredida, José Manuel Mendes
A Revisão do Contrato Colectivo de Trabalho dos Metalúrgicos
Minha Senhora de Mim, Maria Teresa Horta
Moçambique pelo seu Povo, José Capela
O que é a Reforma Agrária, Blasco Hugo Fernandes
Oração Fúnebre por Ernesto Guevara, Fidel Castro
Os Clandestinos, Fernando Namora
Um Homem Não Chora, Luiz de Sttau Monteiro, entre muitos outros.
sexta-feira, abril 22, 2005 |
ABORTO
Confesso que a ideia do “aborto” – viz. interrupção voluntária da gravidez – me causa muito desconforto quando imagino ver-me envolvido nessa situação. Trata-se de “matar” alguém ou alguma coisa – uma entidade vivente – que para além de quaisquer pressupostos morais ou emocionais há-de ter direitos. No entanto, outros direitos se levantam, nomeadamente os da mãe e por extensão os do pai de decidirem se querem ou podem ter aquele filho. Quem prevalece? No entanto acho que a ultima palavra deve – por direito absoluto e evidente – ser da mulher, sem restrições de ordem moral ou jurídica. (Acho também aviltante a criminalização do aborto, mas não é este assunto que me leva a escrever).
A questão é: qual é o prazo máximo até ao qual é moralmente defensável interromper a gravidez? Posto de outro modo: a partir de que tempo de gestação é um embrião ou feto considerado um ser humano? E como tal com direito à sua própria pessoa? Isto é à vida.
Muita da discussão tem pressupostos apriorísticos de ordem religiosa ou moral, que sendo lícitos, não são na minha opinião os mais relevantes. As respostas à pergunta vão desde o instante da fecundação até ao proposto numa das formulações da pergunta do Referendo e eventuais propostas de lei subsequentes, que aponta para as 10 semanas (dois meses e meio).
Um homem admirável e que é sobejamente conhecido, o cientista e divulgador científico, já falecido de cancro, - Carl Sagan – pronunciou-se sobre este assunto. Um dos seus muitos interesses [profissionalmente era planetólogo – o equivalente da geologia mas aplicada a outros planetas que não a Terra] mas tinha uma cultura imensa sobre outras áreas do Conhecimento. Por exemplo, um dos seus últimos livros – “Sombras de antepassados esquecidos” é uma brilhante apresentação das nossas raízes comportamentais nas sociedades de primatas não-hominídeos (chipanzés, gorilas, orangotangos). Basicamente trata-se da busca de alguma coisa- mesmo a Cultura – que nos torne distintos dos outros primatas em termos de comportamento. A conclusão do livro é a mesma de Lineu: não existem razões objectivas para essa distinção nem para qualquer estatuto biológico especial (Lineu no seu compreensivo catálogo taxonómico dos seres vivos, o Systema Naturae (sec. XVIII), criou um género distinto para os seres humanos, mas fê-lo a contragosto por razões religiosas e ideológicas, pois escreveu nessa “que não via razões biológicas objectivas para distinguir os seres humanos dos outros primatas superiores”, mas como temia ser muito atacado por essa posição e como tal criou o género artificial Homo).
Carl Sagan fez um raciocínio baseado no desenvolvimento ontogénico dum ser humano durante a gestação. Desde Cuvier que é mais ou menos claro que o desenvolvimento ontogénico num feto pode ser comparado às fases da evolução filogenética que os principais grupos de animais passaram ao longo de milhares de milhões de anos. A frase é “A ontogenia recapitula a filogenia”. Assim, um embrião pode ser comparado e equiparado em complexidade biológica, sucessivamente, a organismos unicelulares, pluricelulares simples, a um peixe, a um amfíbio, a um réptil, a um mamífero primitivo, a um mamífero superior (um primata) e finalmente a um ser humano por direito. Esta comparação e na lógica da recapitulação deu origem a expressões como “cérebro reptiliano” para significar as camadas mais profundas do cérebro e que surgem primeiro no desenvolvimento fetal, associadas a funções cognitivas mais simples. O cérebro desenvolver-se-ia então por sobreposição de camadas sucessivas correspondentes a cada um dos estádios evolutivos correspondentes, como uma espécie de cebola neurológica que recapitula a Evolução dos grupos taxonómicos ancestrais do ser humano. A passagem ás fases equivalentes à consciência de Si-Mesmo (self), à emoção e ao relacionamento social, são apanágio apenas dos mamíferos superiores. Só nestes animais surge a camada do cérebro mais externa – o Neocortéx – que cumpre estas funções. Ou seja só se é pelo menos um primata se se tiver neocortéx cerebral.
Ora o neocórtex cerebral só se começa a formar no feto humano pelo menos por volta dos 5 meses de gestação. Antes disso é biologicamente desprovido de sentido falar num ser humano, com um grau de certeza muito grande. É o neocórtex dos primatas que nos distingue dos outros mamíferos, répteis, anfíbios, peixes. Carl Sagan propôs, baseado neste raciocínio que até aos QUATRO MESES de gestação, - sem contar com todas as outras ordens de questões envolvidas no assunto, evidentemente -, que era eticamente aceitável o aborto até este prazo.
Assim sendo, mais aceitável será o prazo máximo aceite sejam dez semanas ora em discussão. Eu sei que não é a mesma coisa, mas não estaremos a escamotear a questão ética, dando-nos um estatuto especial na Cadeia do Ser, quase extra-biológico, como criatura originada por criação especial (i.e. origem divina)? Note-se que não temos problemas em alimentarmo-nos de animais inferiores ou dispor deles e dos seus habitates, para usufruto humano.
Acho que todos os argumentos que possam ser exartados neste debate não podem ser bio-éticos. A discussão deve ser no plano metafísico apenas. Questões como “a alma é colocada por Deus no embrião no momento da fecundação ou depois? Quando?” são as mais pertinentes. Responda quem souber.
Confesso que a ideia do “aborto” – viz. interrupção voluntária da gravidez – me causa muito desconforto quando imagino ver-me envolvido nessa situação. Trata-se de “matar” alguém ou alguma coisa – uma entidade vivente – que para além de quaisquer pressupostos morais ou emocionais há-de ter direitos. No entanto, outros direitos se levantam, nomeadamente os da mãe e por extensão os do pai de decidirem se querem ou podem ter aquele filho. Quem prevalece? No entanto acho que a ultima palavra deve – por direito absoluto e evidente – ser da mulher, sem restrições de ordem moral ou jurídica. (Acho também aviltante a criminalização do aborto, mas não é este assunto que me leva a escrever).
A questão é: qual é o prazo máximo até ao qual é moralmente defensável interromper a gravidez? Posto de outro modo: a partir de que tempo de gestação é um embrião ou feto considerado um ser humano? E como tal com direito à sua própria pessoa? Isto é à vida.
Muita da discussão tem pressupostos apriorísticos de ordem religiosa ou moral, que sendo lícitos, não são na minha opinião os mais relevantes. As respostas à pergunta vão desde o instante da fecundação até ao proposto numa das formulações da pergunta do Referendo e eventuais propostas de lei subsequentes, que aponta para as 10 semanas (dois meses e meio).
Um homem admirável e que é sobejamente conhecido, o cientista e divulgador científico, já falecido de cancro, - Carl Sagan – pronunciou-se sobre este assunto. Um dos seus muitos interesses [profissionalmente era planetólogo – o equivalente da geologia mas aplicada a outros planetas que não a Terra] mas tinha uma cultura imensa sobre outras áreas do Conhecimento. Por exemplo, um dos seus últimos livros – “Sombras de antepassados esquecidos” é uma brilhante apresentação das nossas raízes comportamentais nas sociedades de primatas não-hominídeos (chipanzés, gorilas, orangotangos). Basicamente trata-se da busca de alguma coisa- mesmo a Cultura – que nos torne distintos dos outros primatas em termos de comportamento. A conclusão do livro é a mesma de Lineu: não existem razões objectivas para essa distinção nem para qualquer estatuto biológico especial (Lineu no seu compreensivo catálogo taxonómico dos seres vivos, o Systema Naturae (sec. XVIII), criou um género distinto para os seres humanos, mas fê-lo a contragosto por razões religiosas e ideológicas, pois escreveu nessa “que não via razões biológicas objectivas para distinguir os seres humanos dos outros primatas superiores”, mas como temia ser muito atacado por essa posição e como tal criou o género artificial Homo).
Carl Sagan fez um raciocínio baseado no desenvolvimento ontogénico dum ser humano durante a gestação. Desde Cuvier que é mais ou menos claro que o desenvolvimento ontogénico num feto pode ser comparado às fases da evolução filogenética que os principais grupos de animais passaram ao longo de milhares de milhões de anos. A frase é “A ontogenia recapitula a filogenia”. Assim, um embrião pode ser comparado e equiparado em complexidade biológica, sucessivamente, a organismos unicelulares, pluricelulares simples, a um peixe, a um amfíbio, a um réptil, a um mamífero primitivo, a um mamífero superior (um primata) e finalmente a um ser humano por direito. Esta comparação e na lógica da recapitulação deu origem a expressões como “cérebro reptiliano” para significar as camadas mais profundas do cérebro e que surgem primeiro no desenvolvimento fetal, associadas a funções cognitivas mais simples. O cérebro desenvolver-se-ia então por sobreposição de camadas sucessivas correspondentes a cada um dos estádios evolutivos correspondentes, como uma espécie de cebola neurológica que recapitula a Evolução dos grupos taxonómicos ancestrais do ser humano. A passagem ás fases equivalentes à consciência de Si-Mesmo (self), à emoção e ao relacionamento social, são apanágio apenas dos mamíferos superiores. Só nestes animais surge a camada do cérebro mais externa – o Neocortéx – que cumpre estas funções. Ou seja só se é pelo menos um primata se se tiver neocortéx cerebral.
Ora o neocórtex cerebral só se começa a formar no feto humano pelo menos por volta dos 5 meses de gestação. Antes disso é biologicamente desprovido de sentido falar num ser humano, com um grau de certeza muito grande. É o neocórtex dos primatas que nos distingue dos outros mamíferos, répteis, anfíbios, peixes. Carl Sagan propôs, baseado neste raciocínio que até aos QUATRO MESES de gestação, - sem contar com todas as outras ordens de questões envolvidas no assunto, evidentemente -, que era eticamente aceitável o aborto até este prazo.
Assim sendo, mais aceitável será o prazo máximo aceite sejam dez semanas ora em discussão. Eu sei que não é a mesma coisa, mas não estaremos a escamotear a questão ética, dando-nos um estatuto especial na Cadeia do Ser, quase extra-biológico, como criatura originada por criação especial (i.e. origem divina)? Note-se que não temos problemas em alimentarmo-nos de animais inferiores ou dispor deles e dos seus habitates, para usufruto humano.
Acho que todos os argumentos que possam ser exartados neste debate não podem ser bio-éticos. A discussão deve ser no plano metafísico apenas. Questões como “a alma é colocada por Deus no embrião no momento da fecundação ou depois? Quando?” são as mais pertinentes. Responda quem souber.
quinta-feira, abril 21, 2005 |
TRÊS
Beduínos montados em camelos cavalgavam na sua direcção em grande velocidade. As roupas de cores berrantes envolviam-nos dos pés à cabeça. As faces, tisnadas pelo Sol, apareciam por detrás das vestes, ainda mais negras do que seria de esperar. Os olhos brilhantes e os dentes branqueados pela areia ameaçavam-no de longe.
Aproximavam-se rapidamente. Largas cimitarras pendiam-lhes das cinturas, enquanto brandiam revólveres e disparavam para o ar.
JB - como era conhecido entre os amigos - estremeceu perante tal quadro. Num movimento instintivo, levou a mão ao bolso, recordando-se da sua própria arma. Não conseguiu encontrá-la. Nem conseguia mover-se. Havia uma força poderosa que lhe tolhia os movimentos. Tentou libertar-se sem êxito.
Correndo perigo de vida, rebolou-se no chão. Aqueles cães sarracenos iriam alcançá-lo a todo o momento e matá-lo.
Sentiu uma forte dor localizada no parietal direito.
Acordou.
Beduínos montados em camelos cavalgavam na sua direcção em grande velocidade. As roupas de cores berrantes envolviam-nos dos pés à cabeça. As faces, tisnadas pelo Sol, apareciam por detrás das vestes, ainda mais negras do que seria de esperar. Os olhos brilhantes e os dentes branqueados pela areia ameaçavam-no de longe.
Aproximavam-se rapidamente. Largas cimitarras pendiam-lhes das cinturas, enquanto brandiam revólveres e disparavam para o ar.
JB - como era conhecido entre os amigos - estremeceu perante tal quadro. Num movimento instintivo, levou a mão ao bolso, recordando-se da sua própria arma. Não conseguiu encontrá-la. Nem conseguia mover-se. Havia uma força poderosa que lhe tolhia os movimentos. Tentou libertar-se sem êxito.
Correndo perigo de vida, rebolou-se no chão. Aqueles cães sarracenos iriam alcançá-lo a todo o momento e matá-lo.
Sentiu uma forte dor localizada no parietal direito.
Acordou.
quarta-feira, abril 20, 2005 |
O PAPA
A eleição do facínora mais mafioso, insidioso e fascista de que Igreja dispunha - o Cardeal Ratzinger – como chefe da seita católica, representa o culminar de um processo gradual de tomada silenciosa do poder, não só dentro da Igreja, que aliás tem vindo a ocorrer inelutavelmente também nas mais diversas esferas da sociedade, por parte de uma organização criminosa – a Opus Dei. Trata-se de uma organização anti-democrática, obscurantista, fundamentalista, totalitária e fascista, que por via do proselitismo fanático e da promessa de benesses – o Poder e o dinheiro – junto das elites, tem vindo a cumprir o seu objectivo único: - o seu próprio engrandecimento e controle de todos os sectores académicos, económicos e políticos. Defendendo valores ultra-conservadores de forma fanática e sobrepondo-se, em termos de poder decisório, às instituições democráticas legítimas, esta máfia é actualmente transversal a todos os sectores da sociedade. Como se trata de uma organização hierárquica onde as decisões não estão sujeitas a qualquer transparência, sentido de interesse comum ou discussão, dá que pensar a quem, senão apenas à própria Opus Dei, interessa aquilo que os políticos, gestores e académicos fazem por obediência à organização. A sua actuação é tanto mais insidiosa quanto a fachada, à qual o epíteto de hipócrita é um infinitesimal eufemismo, de piedade, bondade e religiosidade é usada perante os fiéis e o povo para os vampirizar, explorar e manipular. O truque foi fácil, usar os métodos próprios de uma sociedade secreta fanatizada e usara os sentimentos religiosos mais profundos (e acredito que muita vezes sinceros) de quem já pertencia potencialmente à classe dirigente :os filhos da classe dirigente. A Opus Dei é um mecanismo profundamente anti-democrático e conspirativo para que as massas considerem as elites que se lhe associam por Direito Divino de forma cada vez mais explícita - terem como natural a sua posição de líderes indiscutíveis. O modus faciendi dos membros da Opus Dei, nas instâncias mais triviais, aquelas com que lido habitualmente por exemplo, é de desprezo absoluto por todos os que não pertencem á seita. É sabido, só para citar um exemplo, que privilegiam em concursos públicos unicamente os membros da organização, a desrespeito da competência dos outros candidatos ou da justiça e transparência do processo. E Portugal não é excepção, antes pelo contrário. Com um homem como Ratzinger, que diz publicamente que não existe verdade fora da Igreja; que tratou –com métodos de purga política próprios dos regimes nazis, estalinista e fascistas – de eliminar toda a oposição interna e controlar, cercando o Papa anterior e também todas as vozes discordantes dentro da Igreja, ao nível mundial, o tamanho deste autêntico tumor maligno da sociedade ocidental, só pode aumentar desmesuradamente. O exemplo mais conhecido de purga foi o de Leonardo Boff, alvo de um processo de excomunhão por “heresia”. A Igreja Católica, numa lógica de sobrevivência e predominância na sociedade sempre se associou ao Poder, fosse ele qual fosse. Agora é o Poder. No entanto, não se trata da Igreja que conhecíamos. Tal como aconteceu recentemente com a subida das forças mais obscuras e fascistas ao Poder da maior nação do Mundo – os EUA – e o truque foi fazer parecer que continuava tudo na mesma (democracia, direitos civis, etc.). Também no que respeita à Igreja é esse o truque. A Igreja tal como a conhecemos desapareceu. Está dominada por a seita mais perigosa e anti-democrática que alguma vez existiu, porque extravasa o plano religioso para as esfera da economia, do conhecimento, do pensamento a nível global. Mas não, agora Opus Dei é a Igreja e eles são poderosos e perigosos. A Liberdade de pensamento e de ser, é cada vez mais uma miragem na sociedade actual.
P.S. Fácil será dizer que exagero, deliro, sou faccioso ou um paranóico apanhado pela teoria da conspiração fácil. Pensem o que quiserem.
A eleição do facínora mais mafioso, insidioso e fascista de que Igreja dispunha - o Cardeal Ratzinger – como chefe da seita católica, representa o culminar de um processo gradual de tomada silenciosa do poder, não só dentro da Igreja, que aliás tem vindo a ocorrer inelutavelmente também nas mais diversas esferas da sociedade, por parte de uma organização criminosa – a Opus Dei. Trata-se de uma organização anti-democrática, obscurantista, fundamentalista, totalitária e fascista, que por via do proselitismo fanático e da promessa de benesses – o Poder e o dinheiro – junto das elites, tem vindo a cumprir o seu objectivo único: - o seu próprio engrandecimento e controle de todos os sectores académicos, económicos e políticos. Defendendo valores ultra-conservadores de forma fanática e sobrepondo-se, em termos de poder decisório, às instituições democráticas legítimas, esta máfia é actualmente transversal a todos os sectores da sociedade. Como se trata de uma organização hierárquica onde as decisões não estão sujeitas a qualquer transparência, sentido de interesse comum ou discussão, dá que pensar a quem, senão apenas à própria Opus Dei, interessa aquilo que os políticos, gestores e académicos fazem por obediência à organização. A sua actuação é tanto mais insidiosa quanto a fachada, à qual o epíteto de hipócrita é um infinitesimal eufemismo, de piedade, bondade e religiosidade é usada perante os fiéis e o povo para os vampirizar, explorar e manipular. O truque foi fácil, usar os métodos próprios de uma sociedade secreta fanatizada e usara os sentimentos religiosos mais profundos (e acredito que muita vezes sinceros) de quem já pertencia potencialmente à classe dirigente :os filhos da classe dirigente. A Opus Dei é um mecanismo profundamente anti-democrático e conspirativo para que as massas considerem as elites que se lhe associam por Direito Divino de forma cada vez mais explícita - terem como natural a sua posição de líderes indiscutíveis. O modus faciendi dos membros da Opus Dei, nas instâncias mais triviais, aquelas com que lido habitualmente por exemplo, é de desprezo absoluto por todos os que não pertencem á seita. É sabido, só para citar um exemplo, que privilegiam em concursos públicos unicamente os membros da organização, a desrespeito da competência dos outros candidatos ou da justiça e transparência do processo. E Portugal não é excepção, antes pelo contrário. Com um homem como Ratzinger, que diz publicamente que não existe verdade fora da Igreja; que tratou –com métodos de purga política próprios dos regimes nazis, estalinista e fascistas – de eliminar toda a oposição interna e controlar, cercando o Papa anterior e também todas as vozes discordantes dentro da Igreja, ao nível mundial, o tamanho deste autêntico tumor maligno da sociedade ocidental, só pode aumentar desmesuradamente. O exemplo mais conhecido de purga foi o de Leonardo Boff, alvo de um processo de excomunhão por “heresia”. A Igreja Católica, numa lógica de sobrevivência e predominância na sociedade sempre se associou ao Poder, fosse ele qual fosse. Agora é o Poder. No entanto, não se trata da Igreja que conhecíamos. Tal como aconteceu recentemente com a subida das forças mais obscuras e fascistas ao Poder da maior nação do Mundo – os EUA – e o truque foi fazer parecer que continuava tudo na mesma (democracia, direitos civis, etc.). Também no que respeita à Igreja é esse o truque. A Igreja tal como a conhecemos desapareceu. Está dominada por a seita mais perigosa e anti-democrática que alguma vez existiu, porque extravasa o plano religioso para as esfera da economia, do conhecimento, do pensamento a nível global. Mas não, agora Opus Dei é a Igreja e eles são poderosos e perigosos. A Liberdade de pensamento e de ser, é cada vez mais uma miragem na sociedade actual.
P.S. Fácil será dizer que exagero, deliro, sou faccioso ou um paranóico apanhado pela teoria da conspiração fácil. Pensem o que quiserem.
terça-feira, abril 19, 2005 |
THE CARDINAL RATZINGER FAN CLUB
Escolhas apressadas é no que dá. Os pobres dos fans ainda não tiveram tempo de mudar o nome do clube.
Tiveram medo que os deixassem a pão e água como os outros e saiu asneira. Raios Parta!
Escolhas apressadas é no que dá. Os pobres dos fans ainda não tiveram tempo de mudar o nome do clube.
Tiveram medo que os deixassem a pão e água como os outros e saiu asneira. Raios Parta!
segunda-feira, abril 18, 2005 |
Pequenas Grandes coisas
por Anita
por Anita
É por todos mais do que conhecida a grande admiração que nutro pelos meus filhos.
Costumo dizer muitas vezes que estou cada vez mais apaixonada à medida que vão crescendo. No entanto desenganem-se os que pensam que foi assim mal os vi. Não. Ou melhor com o primeiro, o pequeno João, não foi. Com o mais novo, o Principezinho foi diferente. Amei-o muito ainda dentro do meu ventre. Mas sobre o Principezinho falarei noutra altura não menos importante.
Ao pequeno João, a ansiedade, o medo de poder falhar em alguma coisa e sobretudo a sua fragilidade deixaram-me tonta, agoniada e triste. O pequeno João nasceu feio, inchado e com ar sofrido e eu lembro-me apenas de o agarrar contra o peito e chorar. Chorei até adormecer enquanto ele sugava sofregamente o meu peito dorido e de onde nada saiu durante 4 dias. Muitos episódios tem uma Mãe para contar ao longo da vida.
Hoje o pequeno João faz 3 anos. 3 Anos muito intensos.
Todos os que passaram ou passam pela experiência de educar um filho conhecem muito bem os dilemas do dia a dia, as contradições, a ansiedade e sobretudo a alegria de um objectivo cumprido quando por exemplo os ensinamos a soletrar as palavras, a subir às árvores ou a pintar um desenho para o dia do Pai. Os meus filhos fizeram com que não fosse tão egoísta, menos ansiosa e perfeccionista e o meu Amor, como qualquer grande Amor, cresce à medida que nos vamos conhecendo melhor. Demorou algum tempo até que eles e nós, que éramos tão só nós, nos habituássemos uns aos outros. Posso dizer-vos por exemplo que demorou algum tempo até que me habituasse que estava ali alguém enquanto eu dormia ou tomava banho ou me vestia.
Ontem, enquanto levavamos um pequeno saco com roupas que já não lhes servem a uma Instituição de Caridade, o pequeno João desenrolava a sua ladainha de porquês, de quês e quandos e com quem, às quais eu ia respondendo conforme podia e sabia.
No meio da nossa conversa, diz Ele: “Mãe o João já sabe porque vamos levar as roupas: é porque as roupas são para os meninos que não têm a Mãe, o Pai e o Tiago. Não é Mãe?”
Enquanto me puxava o rosto com as duas mãos na direcção dos seus olhos para que confirmasse como sempre faz, eu fiquei presa uns segundos nas suas longas pestanas paradas. O meu filho tinha acabado de perceber o conceito de ter uma família e eu senti um misto de sentimentos que não sei descrever.
Costumo dizer muitas vezes que estou cada vez mais apaixonada à medida que vão crescendo. No entanto desenganem-se os que pensam que foi assim mal os vi. Não. Ou melhor com o primeiro, o pequeno João, não foi. Com o mais novo, o Principezinho foi diferente. Amei-o muito ainda dentro do meu ventre. Mas sobre o Principezinho falarei noutra altura não menos importante.
Ao pequeno João, a ansiedade, o medo de poder falhar em alguma coisa e sobretudo a sua fragilidade deixaram-me tonta, agoniada e triste. O pequeno João nasceu feio, inchado e com ar sofrido e eu lembro-me apenas de o agarrar contra o peito e chorar. Chorei até adormecer enquanto ele sugava sofregamente o meu peito dorido e de onde nada saiu durante 4 dias. Muitos episódios tem uma Mãe para contar ao longo da vida.
Hoje o pequeno João faz 3 anos. 3 Anos muito intensos.
Todos os que passaram ou passam pela experiência de educar um filho conhecem muito bem os dilemas do dia a dia, as contradições, a ansiedade e sobretudo a alegria de um objectivo cumprido quando por exemplo os ensinamos a soletrar as palavras, a subir às árvores ou a pintar um desenho para o dia do Pai. Os meus filhos fizeram com que não fosse tão egoísta, menos ansiosa e perfeccionista e o meu Amor, como qualquer grande Amor, cresce à medida que nos vamos conhecendo melhor. Demorou algum tempo até que eles e nós, que éramos tão só nós, nos habituássemos uns aos outros. Posso dizer-vos por exemplo que demorou algum tempo até que me habituasse que estava ali alguém enquanto eu dormia ou tomava banho ou me vestia.
Ontem, enquanto levavamos um pequeno saco com roupas que já não lhes servem a uma Instituição de Caridade, o pequeno João desenrolava a sua ladainha de porquês, de quês e quandos e com quem, às quais eu ia respondendo conforme podia e sabia.
No meio da nossa conversa, diz Ele: “Mãe o João já sabe porque vamos levar as roupas: é porque as roupas são para os meninos que não têm a Mãe, o Pai e o Tiago. Não é Mãe?”
Enquanto me puxava o rosto com as duas mãos na direcção dos seus olhos para que confirmasse como sempre faz, eu fiquei presa uns segundos nas suas longas pestanas paradas. O meu filho tinha acabado de perceber o conceito de ter uma família e eu senti um misto de sentimentos que não sei descrever.
DOIS
Precisava de saber o que se passava. Onde estaria?
Depois de se recompor, começou a caminhar. Seguiu as pegadas na areia em sentido inverso. Iria dar a algum sítio. Nesse trilho, notava-se o arrastamento de algum objecto. Provavelmente teria sido ele a ser arrastado. Mas com que fim?
A última coisa que recordava era o seu emprego em Londres. A pizzaria estava sempre cheia e a mistura racial que aquela cidade detinha não fazia distinções no gosto pelo produto da loja. Era um êxito para o qual ele contribuía activamente, sendo um trabalhador esforçado e nada complacente com desmandos. O seu brio assim o impunha.
Ao caminhar, sentiu-se cada vez mais fraco. Já não devia comer há vários dias e o seu corpo começava a dar sinais de extremo cansaço.
Ao longe, pareceu-lhe ver umas palmeiras. Nisto, desmaiou.
Precisava de saber o que se passava. Onde estaria?
Depois de se recompor, começou a caminhar. Seguiu as pegadas na areia em sentido inverso. Iria dar a algum sítio. Nesse trilho, notava-se o arrastamento de algum objecto. Provavelmente teria sido ele a ser arrastado. Mas com que fim?
A última coisa que recordava era o seu emprego em Londres. A pizzaria estava sempre cheia e a mistura racial que aquela cidade detinha não fazia distinções no gosto pelo produto da loja. Era um êxito para o qual ele contribuía activamente, sendo um trabalhador esforçado e nada complacente com desmandos. O seu brio assim o impunha.
Ao caminhar, sentiu-se cada vez mais fraco. Já não devia comer há vários dias e o seu corpo começava a dar sinais de extremo cansaço.
Ao longe, pareceu-lhe ver umas palmeiras. Nisto, desmaiou.
quinta-feira, abril 14, 2005 |
UM
João Sebastião Bácoro acordou do torpor em que se encontrava. Tossiu e sentiu que, ao fechar a boca, mastigava grãos de areia. Tossiu de novo. Algo o impedia de respirar normalmente. Sorveu uma golfada de ar e olhou em redor. Areia, areia e mais areia.
Estavam, certamente, mais de quarenta graus. Transpirava abundantemente. Procurou um lenço no bolso para limpar a fronte. Ao invés do lenço, encontrou uma arma. Não se recordava de nada do que se tinha passado. Desconhecia a razão pela qual estava ali. Era-lhe tudo estranho.
terça-feira, abril 12, 2005 |
O MISTÉRIO DO BILHETE DE IDENTIDADE ou AS COISAS QUE EU APRENDO E NÂO ME SERVEM PARA NADA.
Todos nós já ouvimos histórias que pretendem responder à pergunta: O que representa o algarismo suplementar que se segue ao número do BI? A resposta quase unanime é que esse algarismo representa o número de pessoas que têm o mesmo nome. Ora, como eu sei que no caso de várias pessoas da minha família isso não corresponde à verdade, tenho vivido na ignorância acerca do tal algarismo. Hoje descobri o verdadeiro significado dele e resolvi partilhá-lo convosco, vai-se a ver e vocês já sabem mas mesmo assim cá vai para quem não souber.
Aviso já que não percebo nada de matemática, de maneira que vou explicar em moldes que outros como eu entendam, sem pretensões.
O algarismo nasceu da necessidade de detectar erros de preenchimento de documentos e chama-se algarismo de controle. Funciona assim: Realizando uma operação adequada ao número original, o número de controle é incluído para que o resultado da operação seja um número divisível por 11, neste caso - e assim torna-se mais fácil verificar erros de troca de ordem de algarismos, por exemplo.
Parece que é baseado numa tal de Teoria dos Códigos e é aplicado a muitos casos para além dos números do BI, entre os quais os números de código das Bibliotecas, os ISBN (International Standard Book Number).
Isto com exemplos é mais fácil, por exemplo o ISBN do Livro do David Lodge Soldados à Força é 972-41-2454-1. O último algarismo é o algarismo de controle.
São então nove algarismos mais o de controle. O primeiro multiplica-se por um, o segundo por dois, o terceiro por 3 e assim até ao décimo – o de controle – que se multiplica por 10 e soma-se tudo, assim:
9x1 + 7x2 + 2x3 + 4x4 + 1x5 + 2x6 + 4x7 + 5x8 + 4x9 + 1x10 = 176 que é divisível por 11.
Com os números do BI, o algoritmo é o mesmo, o único problema é com os números que têm o zero como algarismo de controle, parece que os senhores se enganaram e o zero tanto pode valer zero como dez. Desfeito o Mistério do Bilhete de Identidade, só tenho de agradecer ao Professor Doutor Jorge Buescu.
segunda-feira, abril 11, 2005 |
Microfábulas XIII
Havia, certa vez, um jovem licenciado em Investigação Social Aplicada que retornara à sua vila natal no fim dos estudos para ser confrontado com um mercado de trabalho mais fechado que as pernas de uma freira. “Lá vai o doutorzinho da mula russa!”, diriam uns; “Lá vai o Abel!”, diriam os mais educados. Diriam isto, uns e outros, nas poucas ocasiões em que Abel saía à rua – era um rapaz recatado, amigo do sossego e dos programas de televisão apresentados pela Margarida Mercês de Melo.
Daí que as suas tardes fossem quase todas passadas no gineceu em que a sala de estar da casa de seus pais se transformava naquelas horas: a mãe dividindo a atenção entre qualquer tarefa doméstica e a televisão, e a avó paterna devotando a pouca atenção que lhe restava a fazer comentários crípticos sobre a televisão e a sua própria história de vida.
Abel sentia-se um pouco como um eunuco, naquelas tardes em que lhe era permitido o contacto com as fêmeas pelo carácter assexuado que lhe dava a relação de familiaridade. E sentia-se assim porque vinha com a cabeça cheia das merdas inúteis que aprendera na Universidade Moderna e porque aspirava pertencer a essa categoria mítica do intelectual de esquerda. Já para o seu pai, intelectual era nome de doença e esquerda era a mão que não servia para trabalhar. Homem rude – a quem chamariam pragmático se porventura fosse mais abastado – e simples, o pai de Abel acreditava na disciplina e na honra, mas estes valores de samurai eram corroídos pelas várias insuficiências morais que lhe eram reconhecidas: a intemperança, a gula, a devassidão e a intolerância. Esse diagnóstico já Abel fizera logo no 2º ano dos seus estudos, corroborado nesse mesmo instante por uma lambada de seu pai e pela frase lapidar: “Lá porque andas a estudar para doutor isso não te dá o direito de chegares a esta casa e de chamares comunista ao teu pai!”.
Entre a beatice de uma mãe devota a São Carlos Borromeu e a São João Clímaco, a tacanhez sólida de seu pai e a degenerescência das faculdades mentais de uma avó verrinosa, Abel caía nesse pecado tantas vezes repetido da ingratidão filial, sentindo vergonha da sua família. Nos correios electrónicos que trocava com alguns colegas de curso, Abel carpia o seu desgosto por se encontrar longe de uma comunidade de espíritos elevados onde se discutissem de forma profícua as grandes questões universais e a perenidade da revolução.
Num dado dia, estando sua mão padecendo de crise aguda da vesícula, foi chamado o médico da terra, também ele um jovem recém formado e alvo de muitas desconfianças por aquilo a que, no fim da missa, se chamava o “seu ar pouco lavado”. Abel recebeu-o, trocou algumas palavras sobre a saúde da mãe e decidiu experimentar até onde poderia ir a comunhão de ideias com alguém que também estivera “na capital” recebendo a luz do conhecimento.
- Sabe como é esta gente… Por melhor efeito que tenham os medicamentos que o Doutor lhe receitou ninguém vai convencer a minha mãe de que a sua recuperação não se deu por intervenção divina…
- Também não sei o que será pior, se um doente desconfiado ou um doente agradecido. É o que mais me repugna na medicina, esta propensão para o endeusamento a que estamos sujeitos uma e outra vez. Não lhe parece estranho que o ser humano ainda não conseguiu desfazer a carga sobrenatural de uma coisa tão simples como o é sentir-se bem? É quase como se não fosse um direito adquirido mas uma graça conquistada por intervenção de outrem. Devo dizer-lhe que a esta bizarria miserabilista não adivinho eu nem a origem nem a possível terapia.
- Ó Senhor Doutor! Mas há quanto tempo ansiava eu por uma ideia tão clara e precisa sobre a propensão para o sofrimento que marca as agentes desta vila! Sim! Vejo-o agora! Tolhidos como foram pela opressão continuada dos políticos e da Igreja, estes povos negaram-se em consciência o direito à felicidade. Saiba o Doutor que eu estudei Investigação Social Aplicada na Universidade Moderna e que acalento a esperança de semear a revolta e esse desiderato fundamental da ambição pela igualdade entre as terras desta gente. Não imagina o quão contente me deixa por ver que partilha da mesma doutrina!
Em resposta, o médico aviou-lhe uma valente lambada dizendo: “Lá porque andaste a estudar para doutor isso não te dá o direito de chamares fascista a quem anda a tratar a tua mãe!” e saindo porta fora. Despeitado, Abel pegou no último número da “Família Cristã” que a sua mãe tinha sobre o aparador e rasgou-o em fanicos, ansiando apenas que a sua blasfémia fosse testemunhada por mais alguém.
Nisto, vzzzzzzzzzzt!
Moral 1: os homens não se medem aos cursos.
Moral 2: a tolerância para com as maiorias é uma sábia virtude, desde que não se confunda com imobilismo.
Moral 3: quem tem vergonha da família é um motivo de vergonha para a família.
Havia, certa vez, um jovem licenciado em Investigação Social Aplicada que retornara à sua vila natal no fim dos estudos para ser confrontado com um mercado de trabalho mais fechado que as pernas de uma freira. “Lá vai o doutorzinho da mula russa!”, diriam uns; “Lá vai o Abel!”, diriam os mais educados. Diriam isto, uns e outros, nas poucas ocasiões em que Abel saía à rua – era um rapaz recatado, amigo do sossego e dos programas de televisão apresentados pela Margarida Mercês de Melo.
Daí que as suas tardes fossem quase todas passadas no gineceu em que a sala de estar da casa de seus pais se transformava naquelas horas: a mãe dividindo a atenção entre qualquer tarefa doméstica e a televisão, e a avó paterna devotando a pouca atenção que lhe restava a fazer comentários crípticos sobre a televisão e a sua própria história de vida.
Abel sentia-se um pouco como um eunuco, naquelas tardes em que lhe era permitido o contacto com as fêmeas pelo carácter assexuado que lhe dava a relação de familiaridade. E sentia-se assim porque vinha com a cabeça cheia das merdas inúteis que aprendera na Universidade Moderna e porque aspirava pertencer a essa categoria mítica do intelectual de esquerda. Já para o seu pai, intelectual era nome de doença e esquerda era a mão que não servia para trabalhar. Homem rude – a quem chamariam pragmático se porventura fosse mais abastado – e simples, o pai de Abel acreditava na disciplina e na honra, mas estes valores de samurai eram corroídos pelas várias insuficiências morais que lhe eram reconhecidas: a intemperança, a gula, a devassidão e a intolerância. Esse diagnóstico já Abel fizera logo no 2º ano dos seus estudos, corroborado nesse mesmo instante por uma lambada de seu pai e pela frase lapidar: “Lá porque andas a estudar para doutor isso não te dá o direito de chegares a esta casa e de chamares comunista ao teu pai!”.
Entre a beatice de uma mãe devota a São Carlos Borromeu e a São João Clímaco, a tacanhez sólida de seu pai e a degenerescência das faculdades mentais de uma avó verrinosa, Abel caía nesse pecado tantas vezes repetido da ingratidão filial, sentindo vergonha da sua família. Nos correios electrónicos que trocava com alguns colegas de curso, Abel carpia o seu desgosto por se encontrar longe de uma comunidade de espíritos elevados onde se discutissem de forma profícua as grandes questões universais e a perenidade da revolução.
Num dado dia, estando sua mão padecendo de crise aguda da vesícula, foi chamado o médico da terra, também ele um jovem recém formado e alvo de muitas desconfianças por aquilo a que, no fim da missa, se chamava o “seu ar pouco lavado”. Abel recebeu-o, trocou algumas palavras sobre a saúde da mãe e decidiu experimentar até onde poderia ir a comunhão de ideias com alguém que também estivera “na capital” recebendo a luz do conhecimento.
- Sabe como é esta gente… Por melhor efeito que tenham os medicamentos que o Doutor lhe receitou ninguém vai convencer a minha mãe de que a sua recuperação não se deu por intervenção divina…
- Também não sei o que será pior, se um doente desconfiado ou um doente agradecido. É o que mais me repugna na medicina, esta propensão para o endeusamento a que estamos sujeitos uma e outra vez. Não lhe parece estranho que o ser humano ainda não conseguiu desfazer a carga sobrenatural de uma coisa tão simples como o é sentir-se bem? É quase como se não fosse um direito adquirido mas uma graça conquistada por intervenção de outrem. Devo dizer-lhe que a esta bizarria miserabilista não adivinho eu nem a origem nem a possível terapia.
- Ó Senhor Doutor! Mas há quanto tempo ansiava eu por uma ideia tão clara e precisa sobre a propensão para o sofrimento que marca as agentes desta vila! Sim! Vejo-o agora! Tolhidos como foram pela opressão continuada dos políticos e da Igreja, estes povos negaram-se em consciência o direito à felicidade. Saiba o Doutor que eu estudei Investigação Social Aplicada na Universidade Moderna e que acalento a esperança de semear a revolta e esse desiderato fundamental da ambição pela igualdade entre as terras desta gente. Não imagina o quão contente me deixa por ver que partilha da mesma doutrina!
Em resposta, o médico aviou-lhe uma valente lambada dizendo: “Lá porque andaste a estudar para doutor isso não te dá o direito de chamares fascista a quem anda a tratar a tua mãe!” e saindo porta fora. Despeitado, Abel pegou no último número da “Família Cristã” que a sua mãe tinha sobre o aparador e rasgou-o em fanicos, ansiando apenas que a sua blasfémia fosse testemunhada por mais alguém.
Nisto, vzzzzzzzzzzt!
Moral 1: os homens não se medem aos cursos.
Moral 2: a tolerância para com as maiorias é uma sábia virtude, desde que não se confunda com imobilismo.
Moral 3: quem tem vergonha da família é um motivo de vergonha para a família.
OS NOVOS MALUCOS
Quando eu era um catraio e - maravilha! - me deslocava à Capital, por este ou por aquele motivo, achava muito engraçado observar a quantidade de pessoas que andava por aí à solta a falar consigo mesmas.
- «Fenómeno curioso» - pensava eu. - «Será que franquearam as portas do Júlio de Matos?»
Mas não, era mesmo verdade, havia uma quantidade enorme de seres estranhos que dialogavam com amigos imaginários e que pululavam por essa Lisboa afora.
Sinais dos tempos (este assunto dava para mais uma posta das «Actualidades»…), é encontrar hoje pessoas de fato e gravata a gesticularem e a manterem conversas no meio da rua.
«Maluquinhos», seria a resposta imediata. Mas não, são pessoas tecnologicamente desenvolvidas, que têm o seu Bluetooth e o auricular da última geração. Falam, efectivamente, com alguém do outro lado, um alguém que nós não vemos nem ouvimos mas que está lá.
«Está lá», é precisamente disso que se trata, a comunicação móvel.
Para mim, no entanto, não deixam de ser os novos malucos da 3g.
Quando eu era um catraio e - maravilha! - me deslocava à Capital, por este ou por aquele motivo, achava muito engraçado observar a quantidade de pessoas que andava por aí à solta a falar consigo mesmas.
- «Fenómeno curioso» - pensava eu. - «Será que franquearam as portas do Júlio de Matos?»
Mas não, era mesmo verdade, havia uma quantidade enorme de seres estranhos que dialogavam com amigos imaginários e que pululavam por essa Lisboa afora.
Sinais dos tempos (este assunto dava para mais uma posta das «Actualidades»…), é encontrar hoje pessoas de fato e gravata a gesticularem e a manterem conversas no meio da rua.
«Maluquinhos», seria a resposta imediata. Mas não, são pessoas tecnologicamente desenvolvidas, que têm o seu Bluetooth e o auricular da última geração. Falam, efectivamente, com alguém do outro lado, um alguém que nós não vemos nem ouvimos mas que está lá.
«Está lá», é precisamente disso que se trata, a comunicação móvel.
Para mim, no entanto, não deixam de ser os novos malucos da 3g.
quarta-feira, abril 06, 2005 |
Cristo morreu, o Papa também e o Jorge Sampaio não se está a sentir lá muito bem...
Excerto do discurso de Jorge Sampaio na Sessão Solene Comemorativa do XXVII Aniversário do 25 de Abril:
“Foi a democracia que nos permitiu consolidar o Estado laico, a liberdade religiosa e a liberdade de não ter religião”.
Editorial do Diário de Notícias de hoje:
“.... o Presidente da República decidiu emprestar um avião do Estado para que o cardeal-patriarca de Lisboa se deslocasse a Roma...”
Excerto do discurso de Jorge Sampaio na Sessão Solene Comemorativa do XXVII Aniversário do 25 de Abril:
“Foi a democracia que nos permitiu consolidar o Estado laico, a liberdade religiosa e a liberdade de não ter religião”.
Editorial do Diário de Notícias de hoje:
“.... o Presidente da República decidiu emprestar um avião do Estado para que o cardeal-patriarca de Lisboa se deslocasse a Roma...”
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Eu até gosto de fotografia digital, sei ver que é prática, barata, funcional, é assim como uma ecografia, uma pessoa não precisa de ficar em ânsias até à revelação do filme e depois se acontece um acidente e entra luz no laboratório e lá se vai tudo e assim. Mas sempre achei que se corre o risco de nos tornarmos menos exactos, de termos menos cuidado, do fácil passar a ser o inimigo do mágico.
Tiram-se várias, apagam-se depois as que não ficarem bem. Não vale a pena perder muito tempo que depois logo se vê. Isto no automático fica sempre bem.
Ainda não tenho uma opinião definitiva, não me quero precipitar mas para já concordo com um grande fotógrafo da nossa praça: “Falta-lhe personalidade”.
Eu até gosto de fotografia digital, sei ver que é prática, barata, funcional, é assim como uma ecografia, uma pessoa não precisa de ficar em ânsias até à revelação do filme e depois se acontece um acidente e entra luz no laboratório e lá se vai tudo e assim. Mas sempre achei que se corre o risco de nos tornarmos menos exactos, de termos menos cuidado, do fácil passar a ser o inimigo do mágico.
Tiram-se várias, apagam-se depois as que não ficarem bem. Não vale a pena perder muito tempo que depois logo se vê. Isto no automático fica sempre bem.
Ainda não tenho uma opinião definitiva, não me quero precipitar mas para já concordo com um grande fotógrafo da nossa praça: “Falta-lhe personalidade”.
segunda-feira, abril 04, 2005 |
TRENDS
Desde que desapareceram as designações de lights e de suave no tabaco que as coisas se alteraram.
Embora toda a gente ainda chegue às tabacarias e peça o produto pelo antigo nome, na verdade, esse tipo de tabaco já não existe.
Nem nunca existiu. Apenas lhe misturavam umas substâncias químicas em substituição do dito e que em nada ajudavam a adição.
Já repararam o que seria se se chegasse a um ponto de venda de tabaco e se pedisse um Marburgo Lights? Teria como consequência umas febres não muito altas e umas indisposições não muito graves?
É melhor não consumir tabaco proveniente de Angola…
Desde que desapareceram as designações de lights e de suave no tabaco que as coisas se alteraram.
Embora toda a gente ainda chegue às tabacarias e peça o produto pelo antigo nome, na verdade, esse tipo de tabaco já não existe.
Nem nunca existiu. Apenas lhe misturavam umas substâncias químicas em substituição do dito e que em nada ajudavam a adição.
Já repararam o que seria se se chegasse a um ponto de venda de tabaco e se pedisse um Marburgo Lights? Teria como consequência umas febres não muito altas e umas indisposições não muito graves?
É melhor não consumir tabaco proveniente de Angola…