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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


sexta-feira, junho 30, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 6º episódio

“Do espólio de Arlindo Ramos”, algumas passagens do seu diário íntimo

01.07.2006

Tudo ele, nele e para ele. Qualquer pequeno gesto meu, por mais básico, corrente e quotidiano. Qualquer palavra. Qualquer som. Qualquer harmonia. Qualquer passo. E as horas todas. E o monismo no pensamento. Tudo ele, nele e para ele.

C A B R Ã O cabrãozarrão porcosujocornochibonegrodemóniocão C Ã O ! ! !

DESGRAÇADO. Desgraçaste-me. Tudo teu, em ti e para ti. Fizeste de mim um satélite de merda. DE MERDA! EU SOU UMA MERDA! E, ainda assim, teu. E capaz de uma beleza tão grande no sentir. Capaz da pureza mais negra e malévola... se me amasses de volta, como é que era?

ERA UMA MERDA PEJADA DE IMPOSSIBILIDADES!!

Se me amasses de volta, hum?

Morria matava-me -te ... era a desgraça quase perfeita. PORCO!, com a vidinha de postal... o que é que eu te posso dar?
tudo o que sou e o que tenho, que bem te pode trazer?


02.07.2006

Alguém devia fazer uma tese sobre a apostasia do olho do cu. Brel. Withman. Rimbaud. Al Berto. Almond. Variações. Peste. Wilde. White. Cesariny. Leavitt. Tantos, com uma coisa em comum: a vontade do perdão, da remissão. Todos eles com a chaga, com o ferrete, com a marca do anti-Cristo. Todos eles condenados a um amor que não traz o bem a ninguém, nem a quem ama nem a quem é amado. O amor negro, que consome e se consome, que dói e é sujo, purulento, infecto, insano, exangue, infértil... do qual se procura o perdão em manifestações de uma beleza grande, intensa... nalguns casos... que nem todos os rabetas são talentosos... alguns são só rabetas... doentes, tinhosos, porcos...
Eu ainda quero pensar que sei o que é o bem e o que é o mal. A tentação da carne pode ser remida pela penitência. A entrega do espírito ao negrume do amor doentio traz a condenação eterna. Se for à confissão e disser “ontem levei no cu; perdão”, serei absolvido. Se for à confissão e disser: “eu amo-o e não concebo deixar de o amar”, estou excomungado. Fabrizio Luppo. MAS EU NÃO QUERO SUJAR A CARNE NEM O ESPÍRITO.

DEIXEM-ME!!!!


03.07.2006

Cona. Eu vou gostar de cona. Senaita. Rata. Grelo. Racha. Pássara. CONA!!!

EU
GOSTO
DE
CONA
EU
GOSTO
DE
CONA
EU
GOSTO
DE
CONA

Eu vou olhar para a cona e não me vou intimidar.
Eu vou olhar para a cona e vou-lhe encontrar beleza concreta e não lírica.
Eu vou enterrar o meu caralho numa cona e vou gostar.
Eu vou foder uma gaja e vou gostar.
Eu gosto de cona.

Ele não tem cona. Eu não tenho cona. Ele gosta de cona. Eu gosto de cona. Eu gosto dele. Eu tenho que gostar mais de cona do que dele. Não tenho problemas com gajas. Não tenho problemas com cona. Cona. Cona. Cona. Repete a palavra até te soar bonita. C O N A. Com um “o” redondo e aberto. Um “o” quente em que te sentes bem, em que desejas estar. Não deixes que a cabeça se te encha de imagens dos braços dele. CONA. Tu queres cona. EU. EU quero cona. Ele. NÃO!!!!

não

na cona não há infelicidade futura

e a magia do presente?
e ele
o que é o bem dele? que passos, que passos posso eu dar para o bem delCONA!!!

quarta-feira, junho 28, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 5º episódio

“Percebes?
Eu queria ser integralmente teu. Teu... tudo! Teu encarregado de educação, até... Queria ver-te viver os minutos todos da tua vida. Não te pedia mais nada; só que vivesses e me deixasses ver. E, se não te pedia mais nada, não era por não o querer... era só porque não me sentiria no direito...
Percebes?
Tens namorada... e isso deixa-me feliz por ti, acreditas? Eu não te peço nada, a não ser que me deixes ser teu amigo – ainda que amando-te unilateralmente, sofrendo a impossibilidade de te ter, roubando-te migalhas de esperança sem que dês por isso... tudo isto coisas que eu nunca fiz; tudo isto novo e exógeno e maior que eu e tudo isto na fronteira do indizível, sufocando na vontade de gritar que te... QUE TE AMO!!, pronto!...
Percebes?” - Arlindo estava encostado à porta da cozinha e pensava no que gostaria de ter dito a Ruben. Claro: não fora capaz de dizer nada do que queria. A conversa havia sido bem diferente, bem menos tranquila...

“Fooooda-ssse!!! Só me saem duques, hoje, ou o caralho!! Agora é este!... O que é que tu queres, pá?!”. Fora nestes termos que Arlindo recebera Ruben, com a cara vermelha de fúria ou vergonha ou... qualquer outra coisa. Vermelha, pronto.

Ruben, por seu turno, largara a caixa de ferramentas com estrondo, no chão, e fizera-se vermelho também, mais ainda que de costume. “Sou mesmo tanso, não haja dúvida!... Ainda me dou ao trabalho de vir trazer esta merda a este filho da puta!...”.
Arlindo cerrou os punhos, deu dois passos em frente e perguntou: “Queres café?...”.

“Ahn?!”.
“Café, pá! Queres café?”.
“Foda-se! Sei lá se quero café... Porra! Vou-me mas é embora. Está aí a merda das ferramentas!”
...
“Desculpa.”, murmurou Arlindo.
“O quê?”
“DES-CUL-PA! Não ouves, caralho? Desculpa, pronto. Desculpa.”

Arlindo virou costas, foi à cozinha e voltou com mais duas chávenas de café.
“Toma.”
“Obrigado.”
...
“Já está frio.”, comentou Ruben.
“Também não te vou fazer outro, podes ficar descansado...”
...
“Olha que tu és um gajo complicado... Deixas-me a casa de banho impecável, armas um espavento e chamas-me paneleiro, não cobras pelo trabalho, esqueces-te das ferramentas, recebes-me aqui com quatro pedras na mão... Foda-se... Não há quem te perceba!...”
“É para nos tratarmos por tu?”, perguntou Arlindo.
“O quê?!”
“Se nos vamos tratar por tu...”
“Sei lá!... Tu é que disseste ‘queres café’, não foi?”
“Sim, mas estava com os nervos.”
“Sei lá! Trata-me como te apetecer, pá! Bom, vou indo. Só queria saber se podemos acertar contas pelo trabalho. Não tem jeito nenhum teres ido lá reparar aquilo e não receberes. Quanto é que era?”
...
“Não vás.”, murmurou Arlindo.
“Fala como deve ser, caralho! Não percebo! O que é que disseste?”
“Que não precisas de ter pressa. Senta-te p’raí.”
“Tenho a minha namorada à espera lá em baixo.”
...
“Ai o menino tem namoradinha?!...”, atirou Arlindo.
“Começas outra vez ou quê?! Vê lá... Já te armaste em parvo vezes que chegassem!...”, retorquiu Ruben, caminhando para a porta.
...
“Não me deves nada. Vai lá, vai. Podes ir gozar o pratinho. ‘Vejam lá que conheci um canalizador que é paneleiro, hi hi hi!’... Vai lá ter com os teus amiguinhos da faculdade, fazer piadinhas sobre canos e desentupir e o que mais se lembrarem. Mas olha bem para eles, aviso-te eu. Olha bem para aqueles que menos te tocam, aqueles que lhes desce uma febre nos olhos quando te apertam a mão, os que parecem pouco à vontade quando te vêem... E olha bem para os outros, também, aqueles que são expansivos e muito machos e só falam de cona. Olha para todos, aviso-te eu. Mas agora não olhes para mim. Vai lá para o teu paraíso de normalidade que eu cá fico, aberrante e canalizador. Não olhes para mim com essa cara perfeita. Vai-te embora. Percebes?”

E Ruben percebeu, aparentemente, e foi-se embora, abanando a cabeça e deixando Arlindo encostado à porta da cozinha.


quinta-feira, junho 22, 2006





AGASALHA A MORCELA, WADE!

Kaede Aiba corria à chuva e abrigou-se sob um toldo. Com a mão debaixo da gabardina preta e bem apertada na Magun 44, colou-se à esquina, ofegante. Vindos de cima, os flashes do anúncio de néon-violeta do sex-shop pulsavam-lhe no rosto de delicadas feições. Estava muito tensa. Fez uma ligeira pressão no gatilho. Sato vinha atrás dela e corria pela rua com a Uzi modificada levantada no ar. Tinha o rosto transfigurado e a maquilhagem borrada. A mira laser da arma de Sato percorreu Kaede e fixou-se no peito. Ela tinha a blusa entreaberta e não tinha soutien. O ponto luminoso vermelho subiu lentamente até ao queixo. O jiffy-scutller da polícia voou por entre os prédios com os holofotes azuis no máximo e flutuou estático quinze metros acima da rua fumegante. Ouviu-se uma voz no megafone: “Larga a arma, Sato!”. Num segundo, Kaede aproveitou o momento de distracção de Sato e fugiu pelo meio do lixo que cobria a ruela. Trepou rapidamente pelo tapume e caiu de quatro. Viu umas botas acrílicas vermelhas. Era Wade. – “Sempre a meteres-te em alhadas, Kaede.” – Disse o detective, estendendo uma mão a Kaede.- “Vamos para minha casa” – Disse ele, amparando-a. – “A bófia já caçou o Sato. Vai lá ficar esta noite pelo menos. Mas temos que pensar no que fazer”. Chegaram à porta do apartamento modular de Wade. No centésimo quadragésimo quinto andar, a estrutura metálica do prédio balançava com o vento e os módulos acrílicos dos apartamentos rangiam ruidosamente. – “Merda de vento. Aposto que tenho a loiça toda caída no chão”. Pressionou o botão e a porta respondeu: -“Boa noite senhor Wade. Introduza dois ienes, por favor”. Revirou os bolsos e nada. Kaede deu-lhe a moeda e entraram. – “Queres café?” – Ela acenou com a cabeça afirmativamente. – “Arranja-me mais uma moeda para a máquina do café. Até para sair de casa preciso de trocos. Ontem fiquei a discutir com a porta durante quarenta minutos, até me deixar sair…”. Kaede despiu a gabardina ensopada revelando o seu corpo pequeno mas sensual. Abriu mais a blusa. – “Tenho frio” – disse ela entre dentes. Wade estendeu-lhe a chávena e ela aqueceu as mãos sem tirar os olhos verdes dos de Wade. – “Ainda andas a brincar com a tua fita-da-Realidade, Wade? Explica-me lá o que é essa porcaria... Eu da minha nem quero saber. Não mexo cá dentro.” – Perguntou Kaede. Embraçado, Wade acenou. – “Ando” – disse apontando para a pequena porta que tinha na barriga. – “Uma porcaria duma fita perfurada. Uma engenhoca arcaica. Cada furo codifica um elemento cognitivo da Realidade. Directamente ao cérebro. O outro dia tapei uns quantos furos com fita isoladora e fiquei no escuro durante três minutos. E ontem, fiz um furo na fita mesmo antes de passar na cabeça de leitura e surgiu-me um bando de patos selvagens na sala de estar. Pergunto-me quanta fita mais terei. Não parece muita, ao ritmo que se desenrola. Uns quinze dias. Achas que também isso foi pré-programado pela Corporação?” – Ela ficou calada e disse: - “Acho. Começo a não saber o que está “cá fora”, de facto, e o que está programado na fita. O cérebro não distingue as duas coisas, não é?”. O detective ficou calado e concluiu: - “Eu só não sei porque o Sato quer a tua fita… Deve desconfiar que a Corporação codificou em ti, alguma coisa que vale muito dinheiro”. Ela despiu a blusa e puxou-o para o sofá. – “Eu sei o que é…Combinando a tua e a minha, simplesmente colando-as em cima uma da outra, o hermafrodita percepciona directamente o segredo do Logos. O Misterium Conjunctionis, que é também o nome de código da operação de captura. O híbrido verá o que está por trás do cenário cinzento desta cidade falsa, e que foi criado pelos arcanos da Corporação.Há muito tempo. Poder ilimitado, o kernel do programa. Mesmo o actual Grão-Mestre já não sabe do que se trata. Por isso, Sato quer apanhar-nos juntos e não deve demorar muito”. Wade ficou inquieto. – “Mas a fusão biológica, é também possível? Teremos o Logos e fintamos a Corporação. Levamo-lo para fora daqui. Não sei como, mas levamos”. Hesitou em silêncio durante um instante e disse:- “Eu,…eu estava a pensar noutro método – mais primitivo - e apesar do crossing-over da fitas ser aleatório…”.

– “Eu também. E estou a ovular hoje”- Disse ela, já completamente nua, agarrando Wade pela cintura.

FIM

segunda-feira, junho 19, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 4º episódio



Lara tem 27 anos e saudades dos tempos do ISCAL, onde estudou Contabilidade. Não se sente “cool”, desde que deixou o ensino superior: falta-lhe a camaradagem que não consegue encontrar na companhia para que trabalha e os colegas de curso, esses, perdeu-lhes o rasto – nunca foi o seu talento, conservar amizades.

Não sendo muito bonita nem muito feia, antes aquilo a que se convencionou chamar “normal”, Lara tem um rosto agradável, com um nariz forte e olhos castanhos pouco expressivos e tem um corpo bem proporcionado mas em que a tinta do carimbo da luxúria tende a escorregar. Tem isto tudo mas também tem azar e uma clara predestinação para apostar no cavalo errado. Por essas e por outras, acabou a tratar da contabilidade de Arlindo Ramos, canalizador, à casa do qual se dirige agora, como o faz todos os meses, numa manhã de 2ª feira nublada e sem brilho, ao volante de um Seat Marbella que é um milagre de longevidade.

Na sua casa meticulosamente limpa e arrumada, Arlindo espera por Lara sentado na beirinha do sofá para não amarrotar os corsários de linho Armani. Enquanto espalha creme anti-transpirante nos pés, interroga-se “É hoje ou não é hoje, Arlindo? Hum? Fodo-a ou não a fodo?...”. Pelo sim, pelo não, tem a cama feita de lavado e o “To Love Again” da Diana Ross no leitor de cd.

Arlindo acha nítidos os “avanços” de Lara. “A gaja quer, eu sei que a gaja quer...”, rumina Arlindo, “e tu?, queres?”. E esta é, para ele, a grande questão: “Eu quero foder, eu quero ser como os gajos que fodem! Os gajos que fodem são mais bonitos, respiram outra confiança, até o corpo lhes parece diferente, uma agilidade muscular que é sinónimo de foda! É isso que eu quero! A naturalidade de um corpo que se ginastica com outro! Não quero ter que andar num ginásio e ficar como um tronco, como essas grandes bestas que se vêem para aí e que depois só querem é levar no cu! Eu queria querer foder! Mas acho que não posso. E a minha natureza? E eu? Se a fodo não me violento? E este será o prisma certo? Não deverias antes querer fodê-la para bem dela, como gesto de partilha, em vez de o quereres fazer por ti, como afirmação? E vais continuar assim, entre o coninhas e o paneleiro de merda?! Como é que é, palhaço?! Fodes ou não fodes?!”

Antes que se tivesse respondido, Lara tocou à campainha, sobressaltando Arlindo. Após uns segundos de descontrole, lá lhe abriu a porta, sorridente e, esperava ele, insinuante.

“Ora a minha contabilista favorita! Bom dia, Lara!”, disse Arlindo, sentindo-se – e com certa razão – algo patético.

“Deixa-te de merdas. Está um trânsito que não se pode e daqui a pouco larga-se a chover e depois é que vai ser bonito. Se estás bem disposto é porque ainda não saíste à rua...”, vociferou Lara, entrando casa adentro com um à-vontade que, depois de tantos meses, continuava a deixar Arlindo um bocadinho irritado. Espalhando carteira, casaco e pastas por diversos móveis, Lara deixou-se afundar no sofá sem sequer esboçar um sorriso. “Tens café feito?”

Arlindo lá fez um café, contrariado – não gostava de café, só o bebia com ela porque não tinha coragem de dizer não. De volta à sala, Lara continuava no sofá, com a saia curta tapando muito pouco das pernas traçadas. Arlindo sentou-se ao seu lado, num estado assinalável de confusão e angústia. Obrigando-se a pensar em qualquer coisa agradável, visualizou o rosto do Pedro Granger. Ao que parece, resultou: “Estás tensa, Lara. Precisas de descontrair.”, disse Arlindo, massajando-lhe os ombros. Perante a ausência de protestos e com a mais cândida inabilidade, Arlindo foi descendo as mãos até as deter a tentar desapertar os colchetes do soutien de Lara por debaixo da blusa fina de algodão.

“Mas estás parvo ou quê?!”, gritou Lara, levantando-se repentinamente. “O que é que tu estavas a fazer?! Como é que te atreves?! Mas pensas o quê?!”

Arlindo estava estático, sem capacidade de reacção. “Mas eu... eu só... pensei...”

“Mas pensaste o quê?!, porco! Eu sou... eu ERA tua amiga, Arlindo!!! E tu, meu porco, achaste logo que eu estava aqui pronta para tudo?!”

“Não é nada disso, Lara... Tu não percebes...”, dizia Arlindo, à beira das lágrimas, com as mãos tapando o rosto.

“Porco! Aí de corsário justo para mostrar que estás com tesão! Vai-te foder, porco!!”, Lara ia cuspindo as palavras enfurecida, enquanto recolhia os haveres que espalhara pela casa.

Arlindo achou que já era demais: “A tesão não era por ti!, entendes?! É pelo Pedro Granger!!! Eu só me excito quando penso em homens! Pronto! Já disse!!! Era isto que querias arrancar de mim?! Era?! A vires para aí de saias curtas, a passares-me as mãos pelos bíceps, ai Arlindo isto, ai Arlindo aquilo... És uma puta! És como os paneleiros!! Só me queres usar!! Tu não olhas para mim enquanto Arlindo! Tu só vês um corpo! Nem um corpo, sequer! Tu só vês um caralho!!! Olhas para mim e só vês um caralho!!! Mas este não é para ti!!”, bramiu Arlindo, agarrando as vergonhas.

Lara estava parada ao pé da porta, abanando a cabeça. “Tu és doente...”, disse, em voz muito baixa. “Doente?!”, retorquiu Arlindo, “doente está o mundo!! Eu não... eu quero um amor novo, um amor maior!, sem juízos prévios ou códigos definidos! Fica-te com as contas, tu, fica-te para aí com a matemática infalível das conas e dos caralhos!! Entre eu e o meu amado, a sensualidade nasce no olhar e descerá como consequência, nunca como razão!!! Foder não é razão para amar!!! Só amar pode ser razão para foder!! Percebes, minha vadia?! Põe-te a andar!! Vá!! Sai!!! Olho da rua, cadela!!!”

Lara bateu a força com quanta força pôde, fazendo com que ela não se chegasse a fechar. Arlindo encostou a cabeça à janela, sentindo o frio do vidro e esforçando-se por não pensar. Após dois ou três minutos, alguém bate à porta e pergunta: “Posso?”.

Era Ruben, com a caixa de ferramentas.

segunda-feira, junho 12, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 3º episódio
Arlindo acordou estremunhado com o toque do telefone. A bem da verdade, acordava sempre estremunhado, fosse com o telefone ou por qualquer outra razão. Aclarou a voz e estendeu uma mão certeira, na escuridão, para o aparelho que rasgava o silêncio do T2 no Bairro das Colónias.

Do outro lado, estava um tal de Ruben, que soava aflito aos ouvidos de Arlindo como se os canos de sua casa albergassem os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Feitos os avisos da ordem sobre os custos acrescidos das deslocações a desoras, Arlindo assentou a morada, vestiu as primeiras peças de roupa que encontrou, pegou na sua mala de ferramentas e nas chaves da Kangoo e desceu, tão silenciosamente quanto pôde, as escadas de madeira mal estimada.

No caminho até ao Alto de Santo Amaro, fazia-lhe companhia, no leitor de cassetes Blaupunkt que Arlindo entesourava, uma cópia muito gasta de “New Day Rising” dos Husker Du. A energia dos americanos despertava-o e sentia-se reanimado pela voz “do paneleiro do Bob Mould – bem podes dizer “I Apologize”... pfff!”. No fundo, fazia-lhe lembrar a voz suave e doce do tal de Ruben. Arlindo imaginava uma série de características físicas que poderiam corresponder a uma voz assim e tentava apagá-las com fortes acelerações e travagens bruscas.

Chegado ao prédio onde os canos davam sinais de possessão demoníaca, Arlindo premiu levemente a campainha e a porta da rua foi aberta sem que ninguém tivesse falado pelo intercomunicador. Subindo até ao 2º andar, a porta da esquerda estava aberta e, a obstruí-la, um vulto mal iluminado.

- É o canalizador? Entre, entre.

Ruben era rapaz para a idade de Arlindo, uns 25 ou 26 anos aparentando um pouco menos, um daqueles casos raros de morenos corados – rubor esse que, como que por osmose, se instalou também nas faces de Arlindo. Vestia um roupão de algodão turco, verde, e estava descalço.

- Ainda bem que pôde vir tão depressa. A minha casa de banho está um caos... Vai-me desculpar o aspecto daquilo mas também já deve estar habituado.
- Não, não, não... O meu amigo é que me vai desculpar uma coisinha... – corta Arlindo, em voz ríspida. – O meu amigo chama-me, a esta hora da madrugada. Sabe que eu venho. E como é que eu o encontro? Encontro-o nesses preparos indecentes! O meu amigo não me toma por parvo, percebe? Já tentaram esse truque comigo mais vezes. “Ai, os canos, os canos...” e depois aparecem-me de roupão, sem nada por baixo, e mexem-se o mais que podem para que eu consiga ter uns vislumbres do badalo! O meu amigo não é o primeiro paneleiro a tentar esse esquemazinho, percebe?

Ruben, algo atordoado, demorou uns segundos a reagir:
- O que é que você está para aí a dizer?! Tenho a casa de banho coberta de merda e você vem-me p’raí com conversas de engate?!
- Ai queres mostrar que és activo, é?! Como se eu não conhecesse de ginjeira os da tua laia! Queres ver como eu tenho razão? – e, dito isto, Arlindo desfaz o cinto que segurava o roupão de Ruben, exibindo assim uma t-shirt a dizer “Fortaleza, Brasil” e uns calções de desporto. Recuou dois passos e, titubeante, lá avançou um quase inaudível “Desculpe-me... é do adiantado da hora...”

Ruben estava com uma face desesperada.
- Ó homem de Deus!, vá-me lá ver a casa de banho, caralho!

Arlindo estava púrpura de vergonha; as mãos tremiam-lhe e o suor pingava-lhe da testa mas lá cumpriu o seu dever profissional com consciência de autómato sem pensar por um segundo em outra coisa que não fosse “tens que sair daqui!”.

Ruben parecia ter esquecido o incidente do roupão e mostrava-se bem disposto e profundamente aliviado por ver o seu altar da higiene voltar ao normal. Arlindo apresentou-lhe a conta – 162 euros – e Ruben informou-o de que só tinha 200, em quatro notas de cinquenta. “É que não tenho mesmo nada mais pequeno...”

- Eu cá me queria parecer que não estava enganado! – risadinha sardónica de Arlindo, a pontuar a bílis na sua voz. – Paneleiros do caralho, é que há-de ser sempre a mesma coisa... E agora vais-me dizer o quê, ó caga p’ra dentro?! “Isso do troco... até pode ficar com os 200 euros certos... venha ali para a sala... gosta de arte?” e, mal eu me sento, já tu me estás a abocanhar o piço, não?! Foda-se, pá! Sabes o que é que eu te digo, ó rabicho?! Enrola as notas, unta-as e mete-as no cu, percebes?! Não quero o teu dinheiro nem quero nada de ti! Nada, percebes?! Nem essa carinha de anjo, nem esses lábios grossos, não quero nada!! Nada!! Esse monte tenro debaixo dos calções não me tenta, percebes?! “Eu sou para o meu amado, tal como ele é para mim!”. O Cântico dos Cânticos! O meu amor é virtuoso como o da Shulamita! Como o de Salomão! “Quem me dera que fosses meu irmão para que te pudesse beijar na rua sem que me desprezassem”. O Cântico dos Cânticos! “O meu amado é tal como a cabra montesa”! Paneleiro! Não quero nada de ti!, NADA!!!

Tendo assim falado, virou costas e bateu com a porta, sem pensar na hora e nos vizinhos, galgando furioso os degraus e encontrando refugio na sua Kangoo. Conduziu furiosamente até casa. Quando chegou, tinha uma mensagem de Ruben a avisá-lo que deixara a mala das ferramentas no Alto de Santo Amaro.

sexta-feira, junho 09, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 2º episódio


"Do espólio de Arlindo Ramos", algumas passagens do seu diário íntimo


6.06.2006


Estava ainda há pouco a ouvir os Humanos - aquele David Fonseca é tão querido... - e a ler o “Cálamo”, do Walt Whitman, que me traz sempre algum conforto. Claro que só o leio em casa – ninguém me respeitava como canalizador se andasse para aí a pavonear-me com livros. E ainda por cima com livros destes, de poetas fanchonos. Pfff!...

Assaltou-me um paralelo tão óbvio que até estranhei que ainda ninguém tivesse falado nisso (pelo menos, que eu tivesse sabido). O nosso Variações é claramente o Whitman português! Está lá tudo! Qual Pessoa, qual quê; o nosso António é que era whitmaniano até à medula.

Pus o “Cálamo” de lado, abri o “Leaves of Grass” ao acaso e fui parar ao “Song of Myself”. Quase todas as mensagens das letras do Variações estão lá. A sagração do corpo (O Corpo é que Paga); o valor intrínseco do indivíduo (Quem o Feio Ama); a multiplicidade do Eu (Sempre Ausente, Estou Além); o nacionalismo esclarecido (Quando Fala Um Português; É Pr’a Amanhã; Adeus Que Me Vou Embora); a consciência de classe e o apego ao povo (Maria Albertina, Olhei Para Trás, Deolinda de Jesus); a moral profundamente humanista (Dar e Receber) e, claro, o amor novo, o “manly love” tão bem cantado e calado pelo Whitman e que o nosso António cantou e calou com tanto génio na Canção do Engate, n’A Culpa É da Vontade ou no Anjinho da Guarda.

Almas gémeas ou inspiração declarada do mais novo no mais velho? Inclino-me mais para a primeira hipótese. Um e outro procuravam o confronto, o choque, o escândalo, a diferença, perseguiam e fugiam da notoriedade porque viviam num estado de conflito interior. Eu compreendo-os: é um conflito eterno, entre a verdade que se quer gritar e a vergonha que nos sufoca. Nos, não; OS sufoca – que eu até os percebo mas não quero ter nada a ver com os p-a-n-e-l-e-i-r-o-s.

R
A
B
O
S
R
A
B
I
C
H
O
S

PUTAS!!!! NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOO!!!!!!!!!

RISCA! CALA-TE, ArlindolindolindolindoloucoRISCA!!!!!!!!!

De Whitman toda a gente sabe que tinha vergonha de levar homens para a cama, que riscava as passagens dos seu diário em que confidenciava o seu amor por guarda-freios ou outra gente simples, que inventava romances com mulheres e falsas paternidades.

A vergonha do António é de outra qualidade – m a i s p a r e c i d a c o m a t u a n ã o é p o r c o ???????? CALA-TE!!!! GRITA!!!!!!!! CALA-TE!!!!!!!!!! SAI, sai sai

sai

- é mais surda e mais sanguínea, fundada no desgosto pelo desgosto dos outros. PORQUE OS OUTROS SOFREM QUANDO ALGUÉM DE QUEM GOSTAM É PANELEIRO! ROTO! RABETA! BICHA! CU! MARICAS! MERDA! SOFRAM, CABRÕES!!!!!!!!! AHHHHHHHHH!!!! TIREM-ME DE MIM!!!!!!!!

pa
ne lei
ros

carreguem a cruz, como o António e o Whitman

EU NÃO!!!! EU DESTETO-OS!! ME!! NÃO SOU!!!!

NÃO SOU!!!!!!!!

não sou

quinta-feira, junho 08, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 1º episódio

Arlindo chegou quase sem fôlego ao consultório médico, tal era o calor que já castigava a cidade àquela hora da manhã. O seu corpo, tonificado pelas muitas horas no ginásio, luzia de transpiração que a t-shirt de cavas com os dizeres "I'm too sexy" não conseguia esconder ou absorver. Sentia os jeans Gaultier colados ao corpo e a pele das coxas, recentemente depiladas, irritava-se com o suor e a fricção da ganga.




Felizmente, não teve que esperar muito tempo pela consulta. Vantagens dos médicos particulares, pensou Arlindo, enquanto entrava na sala moderna e bem iluminada em que o médico o esperava do lado de lá de uma secretária de vidro impecavelmente arrumada.
- É o Sr. Arlindo Ramos, não é? Ora bom dia. Sente-se, sente-se...
O médico, a roçar os 40 anos, tinha um ar jovial e prazenteiro e Arlindo agradeceu mentalmente ao colega do ginásio que lho tinha recomendado.
- O que é que o traz por cá, Sr. Arlindo?
- Ó Shôtour, é um assunto delicado... Tenho notado o que me parecem ser nódulos à volta do ânus e, para lhe ser franco, estou muito assustado com tudo o que se fala para aí do cancro do cólon e coisas do género...
-Não vale a pena assustar-se para já, Sr. Arlindo. Se quiser fazer o favor de se despir da cintura da baixo... tem ali um biom...
Ainda o médico não tinha acabado de falar e já Arlindo se levantara e, chutando os chinelos Miguel Vieira sem qualquer cuidado, libertara-se das calças, debaixo das quais não usava qualquer roupa interior.
- Bem, bem, bem... Se fizer o favor de se dobrar sobre a marquesa...
Durante alguns minutos, o médico examinou, cuidadosa e profissionalmente, as regiões mais "interiores" de Arlindo.
- Pode-se levantar e vestir, Sr. Arlindo.
- Já? Não é preciso fazer mais nenhum exame?
- De momento ainda não. Primeiro, tenho que lhe fazer algumas perguntas...
- Faça, Shôtour... - respondeu Arlindo, com ar lânguido, enquanto demorava o mais que podia a puxar as calças para cima.
- Hrum... bom... o Sr. Arlindo tem realmente alguns problemas... um certo prurido anal e o que parecem ser alguns derrames ao nível dos vasos sanguíneos que podem estar a infectar... qual é a sua profissão?
- Sou canalizador.
- Hrum... como é que eu posso pôr isto... não teve nenhum acidente, com nenhum instrumento de trabalho, que o tenha atingido nessa zona?... provocando, até, talvez uma penetração dolorosa?... eu compreendo que isto é delicad...
- Ó seu paneleiro do caralho!! É que estão por todo o lado, estas bichas de merda!!! Estás a querer insinuar o quê?!, ó meu ganda filha da puta?! Que eu escolhi o cabo mais grosso da minha colecção de martelos de orelhas e o enfiei pelo cu acima sem qualquer lubrificação até o sentir roçar nas paredes dos intestinos?! Enquanto usava uma máscara de couro sufocante e eléctrodos nos mamilos?! Pensas que são todos como tu, ó mariquinhas?! Eu não sou da tua laia, óvistes?! Muita sorte tens tu de não te partir a tromba toda, filha da puta!! Mas o que é que eu ganhava com isso... o rabeta é médico e eu sou canalizador... quem se lixava era eu...
O médico, entre o acagaçado e o conciliador, tentava acalmar Arlindo enquanto, à cautela, pegava num abre-cartas. Mas não era preciso. Arlindo já tinha tido a sua explosão e dirigia-se para a porta. Mesmo assim, ainda se voltou para trás e atirou:
- Deves ficar todo lambidinho quando aparece alguém a queixar-se da próstata... paneleiro do caralho!... pfff!!!
Batendo estrepitosamente com a dita porta, e já mais calmo, Arlindo dirigiu-se à funcionária administrativa que tratava das marcações e dos pagamentos:
- A menina sabe com quem é que trabalha?! Sabe o que é que ele tentou fazer comigo?! Só não faço queixa à Ordem dos Médicos porque isso nunca leva a nada! É uma vergonha!!!... E diga-me: conhece algum urologista com mãos grandes?

segunda-feira, junho 05, 2006

(...)

É um vício, admito. Estava quase com eczemas, tal era a vontade de escrever qualquer coisinha. Mas quê?, o meu Mac está amofinado e não dá de si nem por mais uma; o trabalho tem apertado; a disponibilidade de espírito tem sido pouca... Seja como fôr, e como diria o Variações (preferencialmente na voz da Lena d'Água), se estou a escrever, agora, "a culpa é da vontde".

Lá escrever, escrevo. Mas para dizer o quê? Vam'lá ver se arranjo alguma coisinha:

1. Tóquio é do caraças. Em que outra cidade poderia eu encontrar uma cópia impecável, em vinil, claro, do "A Factory Quartet"? Vocês já deviam saber que a minha relação com os discos é um bocado lúbrica e encontrá-lo ali, aquele objecto que mudou a forma de fazer, apresentar e vender discos, que marcou a música dos "meus" anos 80, a sorrir para mim e a dizer "leva-me para casa, anda!" foi um momento orgásmico! É MEEEEEUUUU!!!




2. É meu, sim, mas ainda não tenho onde o ouvir. Só 5ª feira me vão entregar o "materialli sonori" (esta é finíssima, hein? só os melómanos mais empedernidos farão a ligação Factory - Materialli Sonori por via dos Durutti Column, hein? eu sou mesmo retorcido, hein? e um bom bocado parvo, não?) que adquiri há uns dias. Estou feliz porque o vou ter mas receoso, também, de que seja o momento em que fique lavrada em pedra a ordem de despejo do "Palais Vareta" onde agora habito - não tenho muita confiança na construção japonesa em termo de isolamento sonoro...

3. Gosto muito do Japão. Hoje, acho que gosto do Japão porque nunca vou perceber nada disto. Amanhã, poderei gostar por um motivo diferente mas tenho quase a certeza de que irei gostar. Não percebo, pronto. Não percebo as pessoas, o que esperam da vida, o que esperam delas próprias e dos outros. Percebo que, dos estrangeiros, alguns esperam o pior - mas, ao mesmo tempo, há tanta simpatia genuína e um esforço tão admirável (seja cínico ou não) para que ninguém tenha problemas.
Em oito meses e picos aprendi uma coisa: não há "cidadãos do mundo". Os países pesam. Os Estados marcam quem lá vive. A "psicologia nacional" é uma realidade que leva muitas gerações a criar ou a destruir. O universalismo é muito bonito mas a força do "de onde vimos" é uma camada adiposa que não se queima às primeiras.
Em oito meses e picos não aprendi, sobre o Japão, muito mais do que isto. Quero viver aqui mas não me arrogo o direito de querer "pertencer" ou de querer perceber - apenas ir conhecendo, o mais que puder, com a certeza de que vou sair daqui sem outra ideia formada que não a de que isto vale a pena.

4. Eu, eu cá continuo português até à medula. Um dia destes, enquanto beneficiava de uma simpática boleia de uma concidadã, um condutor japonês buzinou-nos sem razão para tal. Eu, que levava a janela aberta, reagi automaticamente da única forma que sei: "Vai bardamerda!", gritei, alto e bom som, sem me lembrar por um instante que aquilo não era a Rua da Junqueira...

sexta-feira, junho 02, 2006

Novidades Editoriais

Há quem escreva por obrigação e há quem escreva por prazer. Desde os livros técnicos que enchem prateleiras e que são necessários para a nossa formação profissional, até às obras de autor, em que mergulhamos e em que apreciamos tanto a estética como a profundidade do pensamento.

É o que o Diego e a Joana andam a fazer no Restos & Sobras, partilhando um quotidiano composto por diversos mosaicos de realidade e de ficção. A escrita prazenteira.

Como eles dizem, «Porque há coisas que nem na gaveta têm lugar».

Um belogue para acompanhar com atenção

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