segunda-feira, junho 19, 2006 |
Arlindo, o gay homófobo - 4º episódio
Lara tem 27 anos e saudades dos tempos do ISCAL, onde estudou Contabilidade. Não se sente “cool”, desde que deixou o ensino superior: falta-lhe a camaradagem que não consegue encontrar na companhia para que trabalha e os colegas de curso, esses, perdeu-lhes o rasto – nunca foi o seu talento, conservar amizades.
Não sendo muito bonita nem muito feia, antes aquilo a que se convencionou chamar “normal”, Lara tem um rosto agradável, com um nariz forte e olhos castanhos pouco expressivos e tem um corpo bem proporcionado mas em que a tinta do carimbo da luxúria tende a escorregar. Tem isto tudo mas também tem azar e uma clara predestinação para apostar no cavalo errado. Por essas e por outras, acabou a tratar da contabilidade de Arlindo Ramos, canalizador, à casa do qual se dirige agora, como o faz todos os meses, numa manhã de 2ª feira nublada e sem brilho, ao volante de um Seat Marbella que é um milagre de longevidade.
Na sua casa meticulosamente limpa e arrumada, Arlindo espera por Lara sentado na beirinha do sofá para não amarrotar os corsários de linho Armani. Enquanto espalha creme anti-transpirante nos pés, interroga-se “É hoje ou não é hoje, Arlindo? Hum? Fodo-a ou não a fodo?...”. Pelo sim, pelo não, tem a cama feita de lavado e o “To Love Again” da Diana Ross no leitor de cd.
Arlindo acha nítidos os “avanços” de Lara. “A gaja quer, eu sei que a gaja quer...”, rumina Arlindo, “e tu?, queres?”. E esta é, para ele, a grande questão: “Eu quero foder, eu quero ser como os gajos que fodem! Os gajos que fodem são mais bonitos, respiram outra confiança, até o corpo lhes parece diferente, uma agilidade muscular que é sinónimo de foda! É isso que eu quero! A naturalidade de um corpo que se ginastica com outro! Não quero ter que andar num ginásio e ficar como um tronco, como essas grandes bestas que se vêem para aí e que depois só querem é levar no cu! Eu queria querer foder! Mas acho que não posso. E a minha natureza? E eu? Se a fodo não me violento? E este será o prisma certo? Não deverias antes querer fodê-la para bem dela, como gesto de partilha, em vez de o quereres fazer por ti, como afirmação? E vais continuar assim, entre o coninhas e o paneleiro de merda?! Como é que é, palhaço?! Fodes ou não fodes?!”
Antes que se tivesse respondido, Lara tocou à campainha, sobressaltando Arlindo. Após uns segundos de descontrole, lá lhe abriu a porta, sorridente e, esperava ele, insinuante.
“Ora a minha contabilista favorita! Bom dia, Lara!”, disse Arlindo, sentindo-se – e com certa razão – algo patético.
“Deixa-te de merdas. Está um trânsito que não se pode e daqui a pouco larga-se a chover e depois é que vai ser bonito. Se estás bem disposto é porque ainda não saíste à rua...”, vociferou Lara, entrando casa adentro com um à-vontade que, depois de tantos meses, continuava a deixar Arlindo um bocadinho irritado. Espalhando carteira, casaco e pastas por diversos móveis, Lara deixou-se afundar no sofá sem sequer esboçar um sorriso. “Tens café feito?”
Arlindo lá fez um café, contrariado – não gostava de café, só o bebia com ela porque não tinha coragem de dizer não. De volta à sala, Lara continuava no sofá, com a saia curta tapando muito pouco das pernas traçadas. Arlindo sentou-se ao seu lado, num estado assinalável de confusão e angústia. Obrigando-se a pensar em qualquer coisa agradável, visualizou o rosto do Pedro Granger. Ao que parece, resultou: “Estás tensa, Lara. Precisas de descontrair.”, disse Arlindo, massajando-lhe os ombros. Perante a ausência de protestos e com a mais cândida inabilidade, Arlindo foi descendo as mãos até as deter a tentar desapertar os colchetes do soutien de Lara por debaixo da blusa fina de algodão.
“Mas estás parvo ou quê?!”, gritou Lara, levantando-se repentinamente. “O que é que tu estavas a fazer?! Como é que te atreves?! Mas pensas o quê?!”
Arlindo estava estático, sem capacidade de reacção. “Mas eu... eu só... pensei...”
“Mas pensaste o quê?!, porco! Eu sou... eu ERA tua amiga, Arlindo!!! E tu, meu porco, achaste logo que eu estava aqui pronta para tudo?!”
“Não é nada disso, Lara... Tu não percebes...”, dizia Arlindo, à beira das lágrimas, com as mãos tapando o rosto.
“Porco! Aí de corsário justo para mostrar que estás com tesão! Vai-te foder, porco!!”, Lara ia cuspindo as palavras enfurecida, enquanto recolhia os haveres que espalhara pela casa.
Arlindo achou que já era demais: “A tesão não era por ti!, entendes?! É pelo Pedro Granger!!! Eu só me excito quando penso em homens! Pronto! Já disse!!! Era isto que querias arrancar de mim?! Era?! A vires para aí de saias curtas, a passares-me as mãos pelos bíceps, ai Arlindo isto, ai Arlindo aquilo... És uma puta! És como os paneleiros!! Só me queres usar!! Tu não olhas para mim enquanto Arlindo! Tu só vês um corpo! Nem um corpo, sequer! Tu só vês um caralho!!! Olhas para mim e só vês um caralho!!! Mas este não é para ti!!”, bramiu Arlindo, agarrando as vergonhas.
Lara estava parada ao pé da porta, abanando a cabeça. “Tu és doente...”, disse, em voz muito baixa. “Doente?!”, retorquiu Arlindo, “doente está o mundo!! Eu não... eu quero um amor novo, um amor maior!, sem juízos prévios ou códigos definidos! Fica-te com as contas, tu, fica-te para aí com a matemática infalível das conas e dos caralhos!! Entre eu e o meu amado, a sensualidade nasce no olhar e descerá como consequência, nunca como razão!!! Foder não é razão para amar!!! Só amar pode ser razão para foder!! Percebes, minha vadia?! Põe-te a andar!! Vá!! Sai!!! Olho da rua, cadela!!!”
Lara bateu a força com quanta força pôde, fazendo com que ela não se chegasse a fechar. Arlindo encostou a cabeça à janela, sentindo o frio do vidro e esforçando-se por não pensar. Após dois ou três minutos, alguém bate à porta e pergunta: “Posso?”.
Não sendo muito bonita nem muito feia, antes aquilo a que se convencionou chamar “normal”, Lara tem um rosto agradável, com um nariz forte e olhos castanhos pouco expressivos e tem um corpo bem proporcionado mas em que a tinta do carimbo da luxúria tende a escorregar. Tem isto tudo mas também tem azar e uma clara predestinação para apostar no cavalo errado. Por essas e por outras, acabou a tratar da contabilidade de Arlindo Ramos, canalizador, à casa do qual se dirige agora, como o faz todos os meses, numa manhã de 2ª feira nublada e sem brilho, ao volante de um Seat Marbella que é um milagre de longevidade.
Na sua casa meticulosamente limpa e arrumada, Arlindo espera por Lara sentado na beirinha do sofá para não amarrotar os corsários de linho Armani. Enquanto espalha creme anti-transpirante nos pés, interroga-se “É hoje ou não é hoje, Arlindo? Hum? Fodo-a ou não a fodo?...”. Pelo sim, pelo não, tem a cama feita de lavado e o “To Love Again” da Diana Ross no leitor de cd.
Arlindo acha nítidos os “avanços” de Lara. “A gaja quer, eu sei que a gaja quer...”, rumina Arlindo, “e tu?, queres?”. E esta é, para ele, a grande questão: “Eu quero foder, eu quero ser como os gajos que fodem! Os gajos que fodem são mais bonitos, respiram outra confiança, até o corpo lhes parece diferente, uma agilidade muscular que é sinónimo de foda! É isso que eu quero! A naturalidade de um corpo que se ginastica com outro! Não quero ter que andar num ginásio e ficar como um tronco, como essas grandes bestas que se vêem para aí e que depois só querem é levar no cu! Eu queria querer foder! Mas acho que não posso. E a minha natureza? E eu? Se a fodo não me violento? E este será o prisma certo? Não deverias antes querer fodê-la para bem dela, como gesto de partilha, em vez de o quereres fazer por ti, como afirmação? E vais continuar assim, entre o coninhas e o paneleiro de merda?! Como é que é, palhaço?! Fodes ou não fodes?!”
Antes que se tivesse respondido, Lara tocou à campainha, sobressaltando Arlindo. Após uns segundos de descontrole, lá lhe abriu a porta, sorridente e, esperava ele, insinuante.
“Ora a minha contabilista favorita! Bom dia, Lara!”, disse Arlindo, sentindo-se – e com certa razão – algo patético.
“Deixa-te de merdas. Está um trânsito que não se pode e daqui a pouco larga-se a chover e depois é que vai ser bonito. Se estás bem disposto é porque ainda não saíste à rua...”, vociferou Lara, entrando casa adentro com um à-vontade que, depois de tantos meses, continuava a deixar Arlindo um bocadinho irritado. Espalhando carteira, casaco e pastas por diversos móveis, Lara deixou-se afundar no sofá sem sequer esboçar um sorriso. “Tens café feito?”
Arlindo lá fez um café, contrariado – não gostava de café, só o bebia com ela porque não tinha coragem de dizer não. De volta à sala, Lara continuava no sofá, com a saia curta tapando muito pouco das pernas traçadas. Arlindo sentou-se ao seu lado, num estado assinalável de confusão e angústia. Obrigando-se a pensar em qualquer coisa agradável, visualizou o rosto do Pedro Granger. Ao que parece, resultou: “Estás tensa, Lara. Precisas de descontrair.”, disse Arlindo, massajando-lhe os ombros. Perante a ausência de protestos e com a mais cândida inabilidade, Arlindo foi descendo as mãos até as deter a tentar desapertar os colchetes do soutien de Lara por debaixo da blusa fina de algodão.
“Mas estás parvo ou quê?!”, gritou Lara, levantando-se repentinamente. “O que é que tu estavas a fazer?! Como é que te atreves?! Mas pensas o quê?!”
Arlindo estava estático, sem capacidade de reacção. “Mas eu... eu só... pensei...”
“Mas pensaste o quê?!, porco! Eu sou... eu ERA tua amiga, Arlindo!!! E tu, meu porco, achaste logo que eu estava aqui pronta para tudo?!”
“Não é nada disso, Lara... Tu não percebes...”, dizia Arlindo, à beira das lágrimas, com as mãos tapando o rosto.
“Porco! Aí de corsário justo para mostrar que estás com tesão! Vai-te foder, porco!!”, Lara ia cuspindo as palavras enfurecida, enquanto recolhia os haveres que espalhara pela casa.
Arlindo achou que já era demais: “A tesão não era por ti!, entendes?! É pelo Pedro Granger!!! Eu só me excito quando penso em homens! Pronto! Já disse!!! Era isto que querias arrancar de mim?! Era?! A vires para aí de saias curtas, a passares-me as mãos pelos bíceps, ai Arlindo isto, ai Arlindo aquilo... És uma puta! És como os paneleiros!! Só me queres usar!! Tu não olhas para mim enquanto Arlindo! Tu só vês um corpo! Nem um corpo, sequer! Tu só vês um caralho!!! Olhas para mim e só vês um caralho!!! Mas este não é para ti!!”, bramiu Arlindo, agarrando as vergonhas.
Lara estava parada ao pé da porta, abanando a cabeça. “Tu és doente...”, disse, em voz muito baixa. “Doente?!”, retorquiu Arlindo, “doente está o mundo!! Eu não... eu quero um amor novo, um amor maior!, sem juízos prévios ou códigos definidos! Fica-te com as contas, tu, fica-te para aí com a matemática infalível das conas e dos caralhos!! Entre eu e o meu amado, a sensualidade nasce no olhar e descerá como consequência, nunca como razão!!! Foder não é razão para amar!!! Só amar pode ser razão para foder!! Percebes, minha vadia?! Põe-te a andar!! Vá!! Sai!!! Olho da rua, cadela!!!”
Lara bateu a força com quanta força pôde, fazendo com que ela não se chegasse a fechar. Arlindo encostou a cabeça à janela, sentindo o frio do vidro e esforçando-se por não pensar. Após dois ou três minutos, alguém bate à porta e pergunta: “Posso?”.
Era Ruben, com a caixa de ferramentas.