segunda-feira, junho 12, 2006 |
Arlindo, o gay homófobo - 3º episódio
Arlindo acordou estremunhado com o toque do telefone. A bem da verdade, acordava sempre estremunhado, fosse com o telefone ou por qualquer outra razão. Aclarou a voz e estendeu uma mão certeira, na escuridão, para o aparelho que rasgava o silêncio do T2 no Bairro das Colónias.
Do outro lado, estava um tal de Ruben, que soava aflito aos ouvidos de Arlindo como se os canos de sua casa albergassem os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Feitos os avisos da ordem sobre os custos acrescidos das deslocações a desoras, Arlindo assentou a morada, vestiu as primeiras peças de roupa que encontrou, pegou na sua mala de ferramentas e nas chaves da Kangoo e desceu, tão silenciosamente quanto pôde, as escadas de madeira mal estimada.
No caminho até ao Alto de Santo Amaro, fazia-lhe companhia, no leitor de cassetes Blaupunkt que Arlindo entesourava, uma cópia muito gasta de “New Day Rising” dos Husker Du. A energia dos americanos despertava-o e sentia-se reanimado pela voz “do paneleiro do Bob Mould – bem podes dizer “I Apologize”... pfff!”. No fundo, fazia-lhe lembrar a voz suave e doce do tal de Ruben. Arlindo imaginava uma série de características físicas que poderiam corresponder a uma voz assim e tentava apagá-las com fortes acelerações e travagens bruscas.
Chegado ao prédio onde os canos davam sinais de possessão demoníaca, Arlindo premiu levemente a campainha e a porta da rua foi aberta sem que ninguém tivesse falado pelo intercomunicador. Subindo até ao 2º andar, a porta da esquerda estava aberta e, a obstruí-la, um vulto mal iluminado.
- É o canalizador? Entre, entre.
Ruben era rapaz para a idade de Arlindo, uns 25 ou 26 anos aparentando um pouco menos, um daqueles casos raros de morenos corados – rubor esse que, como que por osmose, se instalou também nas faces de Arlindo. Vestia um roupão de algodão turco, verde, e estava descalço.
- Ainda bem que pôde vir tão depressa. A minha casa de banho está um caos... Vai-me desculpar o aspecto daquilo mas também já deve estar habituado.
- Não, não, não... O meu amigo é que me vai desculpar uma coisinha... – corta Arlindo, em voz ríspida. – O meu amigo chama-me, a esta hora da madrugada. Sabe que eu venho. E como é que eu o encontro? Encontro-o nesses preparos indecentes! O meu amigo não me toma por parvo, percebe? Já tentaram esse truque comigo mais vezes. “Ai, os canos, os canos...” e depois aparecem-me de roupão, sem nada por baixo, e mexem-se o mais que podem para que eu consiga ter uns vislumbres do badalo! O meu amigo não é o primeiro paneleiro a tentar esse esquemazinho, percebe?
Ruben, algo atordoado, demorou uns segundos a reagir:
- O que é que você está para aí a dizer?! Tenho a casa de banho coberta de merda e você vem-me p’raí com conversas de engate?!
- Ai queres mostrar que és activo, é?! Como se eu não conhecesse de ginjeira os da tua laia! Queres ver como eu tenho razão? – e, dito isto, Arlindo desfaz o cinto que segurava o roupão de Ruben, exibindo assim uma t-shirt a dizer “Fortaleza, Brasil” e uns calções de desporto. Recuou dois passos e, titubeante, lá avançou um quase inaudível “Desculpe-me... é do adiantado da hora...”
Ruben estava com uma face desesperada.
- Ó homem de Deus!, vá-me lá ver a casa de banho, caralho!
Arlindo estava púrpura de vergonha; as mãos tremiam-lhe e o suor pingava-lhe da testa mas lá cumpriu o seu dever profissional com consciência de autómato sem pensar por um segundo em outra coisa que não fosse “tens que sair daqui!”.
Ruben parecia ter esquecido o incidente do roupão e mostrava-se bem disposto e profundamente aliviado por ver o seu altar da higiene voltar ao normal. Arlindo apresentou-lhe a conta – 162 euros – e Ruben informou-o de que só tinha 200, em quatro notas de cinquenta. “É que não tenho mesmo nada mais pequeno...”
- Eu cá me queria parecer que não estava enganado! – risadinha sardónica de Arlindo, a pontuar a bílis na sua voz. – Paneleiros do caralho, é que há-de ser sempre a mesma coisa... E agora vais-me dizer o quê, ó caga p’ra dentro?! “Isso do troco... até pode ficar com os 200 euros certos... venha ali para a sala... gosta de arte?” e, mal eu me sento, já tu me estás a abocanhar o piço, não?! Foda-se, pá! Sabes o que é que eu te digo, ó rabicho?! Enrola as notas, unta-as e mete-as no cu, percebes?! Não quero o teu dinheiro nem quero nada de ti! Nada, percebes?! Nem essa carinha de anjo, nem esses lábios grossos, não quero nada!! Nada!! Esse monte tenro debaixo dos calções não me tenta, percebes?! “Eu sou para o meu amado, tal como ele é para mim!”. O Cântico dos Cânticos! O meu amor é virtuoso como o da Shulamita! Como o de Salomão! “Quem me dera que fosses meu irmão para que te pudesse beijar na rua sem que me desprezassem”. O Cântico dos Cânticos! “O meu amado é tal como a cabra montesa”! Paneleiro! Não quero nada de ti!, NADA!!!
Tendo assim falado, virou costas e bateu com a porta, sem pensar na hora e nos vizinhos, galgando furioso os degraus e encontrando refugio na sua Kangoo. Conduziu furiosamente até casa. Quando chegou, tinha uma mensagem de Ruben a avisá-lo que deixara a mala das ferramentas no Alto de Santo Amaro.
Do outro lado, estava um tal de Ruben, que soava aflito aos ouvidos de Arlindo como se os canos de sua casa albergassem os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Feitos os avisos da ordem sobre os custos acrescidos das deslocações a desoras, Arlindo assentou a morada, vestiu as primeiras peças de roupa que encontrou, pegou na sua mala de ferramentas e nas chaves da Kangoo e desceu, tão silenciosamente quanto pôde, as escadas de madeira mal estimada.
No caminho até ao Alto de Santo Amaro, fazia-lhe companhia, no leitor de cassetes Blaupunkt que Arlindo entesourava, uma cópia muito gasta de “New Day Rising” dos Husker Du. A energia dos americanos despertava-o e sentia-se reanimado pela voz “do paneleiro do Bob Mould – bem podes dizer “I Apologize”... pfff!”. No fundo, fazia-lhe lembrar a voz suave e doce do tal de Ruben. Arlindo imaginava uma série de características físicas que poderiam corresponder a uma voz assim e tentava apagá-las com fortes acelerações e travagens bruscas.
Chegado ao prédio onde os canos davam sinais de possessão demoníaca, Arlindo premiu levemente a campainha e a porta da rua foi aberta sem que ninguém tivesse falado pelo intercomunicador. Subindo até ao 2º andar, a porta da esquerda estava aberta e, a obstruí-la, um vulto mal iluminado.
- É o canalizador? Entre, entre.
Ruben era rapaz para a idade de Arlindo, uns 25 ou 26 anos aparentando um pouco menos, um daqueles casos raros de morenos corados – rubor esse que, como que por osmose, se instalou também nas faces de Arlindo. Vestia um roupão de algodão turco, verde, e estava descalço.
- Ainda bem que pôde vir tão depressa. A minha casa de banho está um caos... Vai-me desculpar o aspecto daquilo mas também já deve estar habituado.
- Não, não, não... O meu amigo é que me vai desculpar uma coisinha... – corta Arlindo, em voz ríspida. – O meu amigo chama-me, a esta hora da madrugada. Sabe que eu venho. E como é que eu o encontro? Encontro-o nesses preparos indecentes! O meu amigo não me toma por parvo, percebe? Já tentaram esse truque comigo mais vezes. “Ai, os canos, os canos...” e depois aparecem-me de roupão, sem nada por baixo, e mexem-se o mais que podem para que eu consiga ter uns vislumbres do badalo! O meu amigo não é o primeiro paneleiro a tentar esse esquemazinho, percebe?
Ruben, algo atordoado, demorou uns segundos a reagir:
- O que é que você está para aí a dizer?! Tenho a casa de banho coberta de merda e você vem-me p’raí com conversas de engate?!
- Ai queres mostrar que és activo, é?! Como se eu não conhecesse de ginjeira os da tua laia! Queres ver como eu tenho razão? – e, dito isto, Arlindo desfaz o cinto que segurava o roupão de Ruben, exibindo assim uma t-shirt a dizer “Fortaleza, Brasil” e uns calções de desporto. Recuou dois passos e, titubeante, lá avançou um quase inaudível “Desculpe-me... é do adiantado da hora...”
Ruben estava com uma face desesperada.
- Ó homem de Deus!, vá-me lá ver a casa de banho, caralho!
Arlindo estava púrpura de vergonha; as mãos tremiam-lhe e o suor pingava-lhe da testa mas lá cumpriu o seu dever profissional com consciência de autómato sem pensar por um segundo em outra coisa que não fosse “tens que sair daqui!”.
Ruben parecia ter esquecido o incidente do roupão e mostrava-se bem disposto e profundamente aliviado por ver o seu altar da higiene voltar ao normal. Arlindo apresentou-lhe a conta – 162 euros – e Ruben informou-o de que só tinha 200, em quatro notas de cinquenta. “É que não tenho mesmo nada mais pequeno...”
- Eu cá me queria parecer que não estava enganado! – risadinha sardónica de Arlindo, a pontuar a bílis na sua voz. – Paneleiros do caralho, é que há-de ser sempre a mesma coisa... E agora vais-me dizer o quê, ó caga p’ra dentro?! “Isso do troco... até pode ficar com os 200 euros certos... venha ali para a sala... gosta de arte?” e, mal eu me sento, já tu me estás a abocanhar o piço, não?! Foda-se, pá! Sabes o que é que eu te digo, ó rabicho?! Enrola as notas, unta-as e mete-as no cu, percebes?! Não quero o teu dinheiro nem quero nada de ti! Nada, percebes?! Nem essa carinha de anjo, nem esses lábios grossos, não quero nada!! Nada!! Esse monte tenro debaixo dos calções não me tenta, percebes?! “Eu sou para o meu amado, tal como ele é para mim!”. O Cântico dos Cânticos! O meu amor é virtuoso como o da Shulamita! Como o de Salomão! “Quem me dera que fosses meu irmão para que te pudesse beijar na rua sem que me desprezassem”. O Cântico dos Cânticos! “O meu amado é tal como a cabra montesa”! Paneleiro! Não quero nada de ti!, NADA!!!
Tendo assim falado, virou costas e bateu com a porta, sem pensar na hora e nos vizinhos, galgando furioso os degraus e encontrando refugio na sua Kangoo. Conduziu furiosamente até casa. Quando chegou, tinha uma mensagem de Ruben a avisá-lo que deixara a mala das ferramentas no Alto de Santo Amaro.
Arrotos do Porco:
Devo informar já ter morado no Alto de Sto. Amaro, mas não me lembro de ter contratado os serviços de nenhum canalizador invertido. Havia uns bate-chapas tatuados com o cabelo comprido e ensebado e com crucifixos Vitafor, mas nunca vi nenhum agarrado aos tomates do outro enquanto mudavam um escape. |