quinta-feira, junho 22, 2006 |
AGASALHA A MORCELA, WADE!
Kaede Aiba corria à chuva e abrigou-se sob um toldo. Com a mão debaixo da gabardina preta e bem apertada na Magun 44, colou-se à esquina, ofegante. Vindos de cima, os flashes do anúncio de néon-violeta do sex-shop pulsavam-lhe no rosto de delicadas feições. Estava muito tensa. Fez uma ligeira pressão no gatilho. Sato vinha atrás dela e corria pela rua com a Uzi modificada levantada no ar. Tinha o rosto transfigurado e a maquilhagem borrada. A mira laser da arma de Sato percorreu Kaede e fixou-se no peito. Ela tinha a blusa entreaberta e não tinha soutien. O ponto luminoso vermelho subiu lentamente até ao queixo. O jiffy-scutller da polícia voou por entre os prédios com os holofotes azuis no máximo e flutuou estático quinze metros acima da rua fumegante. Ouviu-se uma voz no megafone: “Larga a arma, Sato!”. Num segundo, Kaede aproveitou o momento de distracção de Sato e fugiu pelo meio do lixo que cobria a ruela. Trepou rapidamente pelo tapume e caiu de quatro. Viu umas botas acrílicas vermelhas. Era Wade. – “Sempre a meteres-te em alhadas, Kaede.” – Disse o detective, estendendo uma mão a Kaede.- “Vamos para minha casa” – Disse ele, amparando-a. – “A bófia já caçou o Sato. Vai lá ficar esta noite pelo menos. Mas temos que pensar no que fazer”. Chegaram à porta do apartamento modular de Wade. No centésimo quadragésimo quinto andar, a estrutura metálica do prédio balançava com o vento e os módulos acrílicos dos apartamentos rangiam ruidosamente. – “Merda de vento. Aposto que tenho a loiça toda caída no chão”. Pressionou o botão e a porta respondeu: -“Boa noite senhor Wade. Introduza dois ienes, por favor”. Revirou os bolsos e nada. Kaede deu-lhe a moeda e entraram. – “Queres café?” – Ela acenou com a cabeça afirmativamente. – “Arranja-me mais uma moeda para a máquina do café. Até para sair de casa preciso de trocos. Ontem fiquei a discutir com a porta durante quarenta minutos, até me deixar sair…”. Kaede despiu a gabardina ensopada revelando o seu corpo pequeno mas sensual. Abriu mais a blusa. – “Tenho frio” – disse ela entre dentes. Wade estendeu-lhe a chávena e ela aqueceu as mãos sem tirar os olhos verdes dos de Wade. – “Ainda andas a brincar com a tua fita-da-Realidade, Wade? Explica-me lá o que é essa porcaria... Eu da minha nem quero saber. Não mexo cá dentro.” – Perguntou Kaede. Embraçado, Wade acenou. – “Ando” – disse apontando para a pequena porta que tinha na barriga. – “Uma porcaria duma fita perfurada. Uma engenhoca arcaica. Cada furo codifica um elemento cognitivo da Realidade. Directamente ao cérebro. O outro dia tapei uns quantos furos com fita isoladora e fiquei no escuro durante três minutos. E ontem, fiz um furo na fita mesmo antes de passar na cabeça de leitura e surgiu-me um bando de patos selvagens na sala de estar. Pergunto-me quanta fita mais terei. Não parece muita, ao ritmo que se desenrola. Uns quinze dias. Achas que também isso foi pré-programado pela Corporação?” – Ela ficou calada e disse: - “Acho. Começo a não saber o que está “cá fora”, de facto, e o que está programado na fita. O cérebro não distingue as duas coisas, não é?”. O detective ficou calado e concluiu: - “Eu só não sei porque o Sato quer a tua fita… Deve desconfiar que a Corporação codificou em ti, alguma coisa que vale muito dinheiro”. Ela despiu a blusa e puxou-o para o sofá. – “Eu sei o que é…Combinando a tua e a minha, simplesmente colando-as em cima uma da outra, o hermafrodita percepciona directamente o segredo do Logos. O Misterium Conjunctionis, que é também o nome de código da operação de captura. O híbrido verá o que está por trás do cenário cinzento desta cidade falsa, e que foi criado pelos arcanos da Corporação.Há muito tempo. Poder ilimitado, o kernel do programa. Mesmo o actual Grão-Mestre já não sabe do que se trata. Por isso, Sato quer apanhar-nos juntos e não deve demorar muito”. Wade ficou inquieto. – “Mas a fusão biológica, é também possível? Teremos o Logos e fintamos a Corporação. Levamo-lo para fora daqui. Não sei como, mas levamos”. Hesitou em silêncio durante um instante e disse:- “Eu,…eu estava a pensar noutro método – mais primitivo - e apesar do crossing-over da fitas ser aleatório…”.
– “Eu também. E estou a ovular hoje”- Disse ela, já completamente nua, agarrando Wade pela cintura.
FIM
Arrotos do Porco:
Devo esclarecer que, a fita quando chega ao fim começa a enrolar no sentido contrário e assim sucessivamente. Wade e Kaede, apesar do sentido reencontrado pela sua recente união amorosa, vão - com passar do tempo - começar a ficar incomodados com a previsível repetição da fita. |
Isso anda mal ADAS, o electric sheep deixa-te a um canto, o que se passa é a responsabilidade acrescida. Para quando a verdadeira história de Luís Figo, andróide do seixal ouá o que é. |