sexta-feira, abril 22, 2005 |
ABORTO
Confesso que a ideia do “aborto” – viz. interrupção voluntária da gravidez – me causa muito desconforto quando imagino ver-me envolvido nessa situação. Trata-se de “matar” alguém ou alguma coisa – uma entidade vivente – que para além de quaisquer pressupostos morais ou emocionais há-de ter direitos. No entanto, outros direitos se levantam, nomeadamente os da mãe e por extensão os do pai de decidirem se querem ou podem ter aquele filho. Quem prevalece? No entanto acho que a ultima palavra deve – por direito absoluto e evidente – ser da mulher, sem restrições de ordem moral ou jurídica. (Acho também aviltante a criminalização do aborto, mas não é este assunto que me leva a escrever).
A questão é: qual é o prazo máximo até ao qual é moralmente defensável interromper a gravidez? Posto de outro modo: a partir de que tempo de gestação é um embrião ou feto considerado um ser humano? E como tal com direito à sua própria pessoa? Isto é à vida.
Muita da discussão tem pressupostos apriorísticos de ordem religiosa ou moral, que sendo lícitos, não são na minha opinião os mais relevantes. As respostas à pergunta vão desde o instante da fecundação até ao proposto numa das formulações da pergunta do Referendo e eventuais propostas de lei subsequentes, que aponta para as 10 semanas (dois meses e meio).
Um homem admirável e que é sobejamente conhecido, o cientista e divulgador científico, já falecido de cancro, - Carl Sagan – pronunciou-se sobre este assunto. Um dos seus muitos interesses [profissionalmente era planetólogo – o equivalente da geologia mas aplicada a outros planetas que não a Terra] mas tinha uma cultura imensa sobre outras áreas do Conhecimento. Por exemplo, um dos seus últimos livros – “Sombras de antepassados esquecidos” é uma brilhante apresentação das nossas raízes comportamentais nas sociedades de primatas não-hominídeos (chipanzés, gorilas, orangotangos). Basicamente trata-se da busca de alguma coisa- mesmo a Cultura – que nos torne distintos dos outros primatas em termos de comportamento. A conclusão do livro é a mesma de Lineu: não existem razões objectivas para essa distinção nem para qualquer estatuto biológico especial (Lineu no seu compreensivo catálogo taxonómico dos seres vivos, o Systema Naturae (sec. XVIII), criou um género distinto para os seres humanos, mas fê-lo a contragosto por razões religiosas e ideológicas, pois escreveu nessa “que não via razões biológicas objectivas para distinguir os seres humanos dos outros primatas superiores”, mas como temia ser muito atacado por essa posição e como tal criou o género artificial Homo).
Carl Sagan fez um raciocínio baseado no desenvolvimento ontogénico dum ser humano durante a gestação. Desde Cuvier que é mais ou menos claro que o desenvolvimento ontogénico num feto pode ser comparado às fases da evolução filogenética que os principais grupos de animais passaram ao longo de milhares de milhões de anos. A frase é “A ontogenia recapitula a filogenia”. Assim, um embrião pode ser comparado e equiparado em complexidade biológica, sucessivamente, a organismos unicelulares, pluricelulares simples, a um peixe, a um amfíbio, a um réptil, a um mamífero primitivo, a um mamífero superior (um primata) e finalmente a um ser humano por direito. Esta comparação e na lógica da recapitulação deu origem a expressões como “cérebro reptiliano” para significar as camadas mais profundas do cérebro e que surgem primeiro no desenvolvimento fetal, associadas a funções cognitivas mais simples. O cérebro desenvolver-se-ia então por sobreposição de camadas sucessivas correspondentes a cada um dos estádios evolutivos correspondentes, como uma espécie de cebola neurológica que recapitula a Evolução dos grupos taxonómicos ancestrais do ser humano. A passagem ás fases equivalentes à consciência de Si-Mesmo (self), à emoção e ao relacionamento social, são apanágio apenas dos mamíferos superiores. Só nestes animais surge a camada do cérebro mais externa – o Neocortéx – que cumpre estas funções. Ou seja só se é pelo menos um primata se se tiver neocortéx cerebral.
Ora o neocórtex cerebral só se começa a formar no feto humano pelo menos por volta dos 5 meses de gestação. Antes disso é biologicamente desprovido de sentido falar num ser humano, com um grau de certeza muito grande. É o neocórtex dos primatas que nos distingue dos outros mamíferos, répteis, anfíbios, peixes. Carl Sagan propôs, baseado neste raciocínio que até aos QUATRO MESES de gestação, - sem contar com todas as outras ordens de questões envolvidas no assunto, evidentemente -, que era eticamente aceitável o aborto até este prazo.
Assim sendo, mais aceitável será o prazo máximo aceite sejam dez semanas ora em discussão. Eu sei que não é a mesma coisa, mas não estaremos a escamotear a questão ética, dando-nos um estatuto especial na Cadeia do Ser, quase extra-biológico, como criatura originada por criação especial (i.e. origem divina)? Note-se que não temos problemas em alimentarmo-nos de animais inferiores ou dispor deles e dos seus habitates, para usufruto humano.
Acho que todos os argumentos que possam ser exartados neste debate não podem ser bio-éticos. A discussão deve ser no plano metafísico apenas. Questões como “a alma é colocada por Deus no embrião no momento da fecundação ou depois? Quando?” são as mais pertinentes. Responda quem souber.
Confesso que a ideia do “aborto” – viz. interrupção voluntária da gravidez – me causa muito desconforto quando imagino ver-me envolvido nessa situação. Trata-se de “matar” alguém ou alguma coisa – uma entidade vivente – que para além de quaisquer pressupostos morais ou emocionais há-de ter direitos. No entanto, outros direitos se levantam, nomeadamente os da mãe e por extensão os do pai de decidirem se querem ou podem ter aquele filho. Quem prevalece? No entanto acho que a ultima palavra deve – por direito absoluto e evidente – ser da mulher, sem restrições de ordem moral ou jurídica. (Acho também aviltante a criminalização do aborto, mas não é este assunto que me leva a escrever).
A questão é: qual é o prazo máximo até ao qual é moralmente defensável interromper a gravidez? Posto de outro modo: a partir de que tempo de gestação é um embrião ou feto considerado um ser humano? E como tal com direito à sua própria pessoa? Isto é à vida.
Muita da discussão tem pressupostos apriorísticos de ordem religiosa ou moral, que sendo lícitos, não são na minha opinião os mais relevantes. As respostas à pergunta vão desde o instante da fecundação até ao proposto numa das formulações da pergunta do Referendo e eventuais propostas de lei subsequentes, que aponta para as 10 semanas (dois meses e meio).
Um homem admirável e que é sobejamente conhecido, o cientista e divulgador científico, já falecido de cancro, - Carl Sagan – pronunciou-se sobre este assunto. Um dos seus muitos interesses [profissionalmente era planetólogo – o equivalente da geologia mas aplicada a outros planetas que não a Terra] mas tinha uma cultura imensa sobre outras áreas do Conhecimento. Por exemplo, um dos seus últimos livros – “Sombras de antepassados esquecidos” é uma brilhante apresentação das nossas raízes comportamentais nas sociedades de primatas não-hominídeos (chipanzés, gorilas, orangotangos). Basicamente trata-se da busca de alguma coisa- mesmo a Cultura – que nos torne distintos dos outros primatas em termos de comportamento. A conclusão do livro é a mesma de Lineu: não existem razões objectivas para essa distinção nem para qualquer estatuto biológico especial (Lineu no seu compreensivo catálogo taxonómico dos seres vivos, o Systema Naturae (sec. XVIII), criou um género distinto para os seres humanos, mas fê-lo a contragosto por razões religiosas e ideológicas, pois escreveu nessa “que não via razões biológicas objectivas para distinguir os seres humanos dos outros primatas superiores”, mas como temia ser muito atacado por essa posição e como tal criou o género artificial Homo).
Carl Sagan fez um raciocínio baseado no desenvolvimento ontogénico dum ser humano durante a gestação. Desde Cuvier que é mais ou menos claro que o desenvolvimento ontogénico num feto pode ser comparado às fases da evolução filogenética que os principais grupos de animais passaram ao longo de milhares de milhões de anos. A frase é “A ontogenia recapitula a filogenia”. Assim, um embrião pode ser comparado e equiparado em complexidade biológica, sucessivamente, a organismos unicelulares, pluricelulares simples, a um peixe, a um amfíbio, a um réptil, a um mamífero primitivo, a um mamífero superior (um primata) e finalmente a um ser humano por direito. Esta comparação e na lógica da recapitulação deu origem a expressões como “cérebro reptiliano” para significar as camadas mais profundas do cérebro e que surgem primeiro no desenvolvimento fetal, associadas a funções cognitivas mais simples. O cérebro desenvolver-se-ia então por sobreposição de camadas sucessivas correspondentes a cada um dos estádios evolutivos correspondentes, como uma espécie de cebola neurológica que recapitula a Evolução dos grupos taxonómicos ancestrais do ser humano. A passagem ás fases equivalentes à consciência de Si-Mesmo (self), à emoção e ao relacionamento social, são apanágio apenas dos mamíferos superiores. Só nestes animais surge a camada do cérebro mais externa – o Neocortéx – que cumpre estas funções. Ou seja só se é pelo menos um primata se se tiver neocortéx cerebral.
Ora o neocórtex cerebral só se começa a formar no feto humano pelo menos por volta dos 5 meses de gestação. Antes disso é biologicamente desprovido de sentido falar num ser humano, com um grau de certeza muito grande. É o neocórtex dos primatas que nos distingue dos outros mamíferos, répteis, anfíbios, peixes. Carl Sagan propôs, baseado neste raciocínio que até aos QUATRO MESES de gestação, - sem contar com todas as outras ordens de questões envolvidas no assunto, evidentemente -, que era eticamente aceitável o aborto até este prazo.
Assim sendo, mais aceitável será o prazo máximo aceite sejam dez semanas ora em discussão. Eu sei que não é a mesma coisa, mas não estaremos a escamotear a questão ética, dando-nos um estatuto especial na Cadeia do Ser, quase extra-biológico, como criatura originada por criação especial (i.e. origem divina)? Note-se que não temos problemas em alimentarmo-nos de animais inferiores ou dispor deles e dos seus habitates, para usufruto humano.
Acho que todos os argumentos que possam ser exartados neste debate não podem ser bio-éticos. A discussão deve ser no plano metafísico apenas. Questões como “a alma é colocada por Deus no embrião no momento da fecundação ou depois? Quando?” são as mais pertinentes. Responda quem souber.