segunda-feira, novembro 28, 2005 |
A Verdadeira História do Pai Natal by clonito
Era uma vez um senhor, de seu nome Nicolau, que, após ter sido exonerado da Tv Shop e de o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (S.E.F. pròs amigos) lhe ter fechado o seu negócio de telemarketing, e, numa tentativa gorada de venda “porta a porta”, surge com um inovador conceito de venda “chaminé a chaminé”, tendo como patronato uma conceituada marca* de refrigerantes. Logo viria a falhar o método. No meio de tanta frustração e descrédito e tomado por uma raiva interior (e alguns gases), este antigo cliente assíduo da “Dª Tânia” e fanático compulsivo por “arroz de cabidela”, apropriando-se indevidamente da viatura de serviço da conceituada marca*, dá inicio a actividade criminosa com fins lucrativos: “Cobertura Menstrual e Afins”. Donas de casa sequiosas de sarrafo e humedecidas com a sua triste sina mensal requeriam os seus serviços através de um código secreto inserido nas revistas femininas e decifrado com a ajuda do “Diário de Maria”, do Horóscopo e do calendário das marés, e ele acedia às carentes freguesas.
Eis que o ex-cliente assíduo da Dª Tânia e fanático compulsivo de “arroz de cabidela” se torna num ávido e lascivo sanguinário, convertendo os dois vícios num só. Trilhou uma carreira de sucesso, auxiliado pela negrura da noite e pela viatura indevidamente apropriada à conceituada marca*, movida com energia alterne (parque eólico de Bragança) e de suas renas, outrora cônjuges que o apanharam em flagrante deleite - e este, com os conhecimentos de S. Cipriano e Masoquismo, metamorfoseou-as em bestas que açoitava regularmente.
É claro que surgiam infortúnios e imprevistos, ter que passar a pano todos os corredores (nos) conventos (madres superioras incluídas), uma costumeira esquizofrénica bailarina Moscovita e deputada do PCP, uma ex-apresentadora de reality shows com semblante de quadrúpede que entoava repetida e ferozmente o “Tirolês”, uma encardida ninfomaníaca, esposa de um exilado colono em Bruxelas onde ocupa um cargo “impotente”, uma pitosga repugnante daltónica ex-ministra da contabilidade, e fluxos que não se enquadravam na cor da farpela, não dando por isso para expurgar as barbas à manga.
Com tudo isto, rapidamente legou um bafo a Ria de Aveiro (e salinas), mas o mais grave eram as crianças que o chantageavam regularmente com prendas a troco do seu silêncio. Nem com as mães a aterrorizá-las com:
-Vem aí o papão!
Ao que muitos respondiam:
-É o papa Nicolau, é o papa Nicolau que cheira a bacalhau!
Tinha a maior quebra de lucros todos os anos no mês de Dezembro porque os diabretes estavam sempre à coca, e ele, arguido numa história mal contada da “Casa Pia” e “cobaias de supositórios”, não queria mais complicações.
E agora já sabem, quando ouvirem:
-Querido, vou fazer um Papa Nicolau!
Ou:
-HO HOO HOOO (e borgalhotas a tilintar)!
Tenham cuidado que podem acabar a puxar o trenó!
*marca conceituada
sexta-feira, novembro 25, 2005 |
Nine Horses - Snow Borne Sorrow
...ou o Silva, o Mano e o Frito
Digam lá que o trabalho gráfico de Wes Mills não é fantástico...
Digam lá que o trabalho gráfico de Wes Mills não é fantástico...
E pronto. O álbum "Snow Borne Sorrow", dos Nine Horses, é o álbum do ano. A minha opinião firma-se na minha opinião - e não há alicerce mais fundo nem terreno mais firme!
David Sylvian e Steve Jansen escolheram para " terceiro cavalo" nesta aventura conjunta o alemão louco que dá pelo nome de Burnt Friedman - para além de uma daquelas listas de convidados à Sylvian, recheada de nomes tão modestos como Sakamoto, Stina Nordenstam, Arve Henriksen ou Theo Collins. Mas os nomes diluem-se num conjunto de canções tão perfeito como eu já não ouvia desde a última vez em que David Sylvian se dispôs a fazer um conjunto de canções tão perfeito. Sim: sacrilégios à parte, este é o melhor disco desde o "Secrets of the Beehive" (sem que tenha muito a ver com o "Secrets of the Beehive").
Quem ouviu os Japan, o primeiro álbum a solo de David Sylvian ("Brilliant Trees"), os Rain Tree Crow, o "Dead Bees on a Cake" o "Blemish" sabe que a "soul" foi sempre uma influência presente na forma do rapaz Silva pensar a música e a estrutura das suas canções - ouça-se a fantástica versão do "I second that emotion", que se encontra em qualquer boa colectânea dos Japan, ou a estrutura do "Red Guitar", ou o "Midnight Sun", ou o "Late Night Shopping" . Neste projecto Nine Horses, a soul é uma das pedras base, transmutada por uma alquimia sonora a que se poderia chamar (ou chamo eu) "uma festa do caraças numa casa minimalista". Não há notas a mais, neste disco, não há riffs escusados, não há solos demasiado vistosos: há um virtuosismo sublimado nos metais que aparecem só quando devem e como devem, no vibrafone, no piano discreto mas inconfundível de Sakamoto e nos coros, coros soul como nunca antes se ouviram num disco de David Sylvian!
Há nove canções, das quais oito nos trocam as voltas por fugirem à linearidade canónica nos tempos e na estrutura, estimulando os sentidos e crescendo em beleza e espaço. E depois há "The day the earth stole heaven". É a canção do ano, diz-me a minha opinião do alto de si mesma. Assim, não podia deixar de a trazer aos vossos olhos, na língua de Casimiro de Brito e Rui Nunes, com os votos de bom fim-de-semana.
The day the earth stole heaven
Let me tell you about a friend
Eu, que não sou de intrigas, tenho que vos dizer que certa gaja
She contends she will always love me
She contends she will always love me
É profícua em lirismos serôdios sobre sentimentos "para sempre"
It’s this ability to lie and deceive
It’s this ability to lie and deceive
Sem deixar de ser dissimulada como uma velha cortesã
That has lost me completely
That has lost me completely
- o que me condena a um destino digno dos Bórgia
I could remind her of the facts
I could remind her of the facts
Eu podia tentar apelar à racionalidade
Make her calm down and relax
Make her calm down and relax
Refrear-lhe o ânimo e impôr alguma calma
But why bother?
But why bother?
Mas para quê o dispêndio
It’s the shallowest defense
It’s the shallowest defense
Se a volatilidade é desenganada...
To my utter astonishment it is over
Então vem a gaja e diz-me que se acabou
That little girl she wants to leave me
That little girl she wants to leave me
A sirigaita quer deixar-me, ao que parece
That little girl wants something more.
That little girl wants something more.
Diz que quer mudar de vida e de perspectivas (e eu disse-lhe "bastava tirares os entrolhos, ó burra de merda!...")
I’m optimistically inclined
I’m optimistically inclined
Eu sou um gajo optimista e despreocupado
Given time she’ll change her mind
Given time she’ll change her mind
E pensei que aquilo fosse um arrufo passageiro...
It’s unlikely
It’s unlikely
Passageiro o tanas!
Let me tell you about a friend
É com preocupação pedagógica que vos falo desta tipa
She contends she will always love me
She contends she will always love me
Das suas palavras doces de amor "iterno"...
If you look at her sideways
If you look at her sideways
Se a olhais de soslaio
She will let you know
She will let you know
Ela deixar-vos-á saber
Today’s the day the earth stole heaven
Today’s the day the earth stole heaven
Que quando se cai do Paraíso esfacelamos o focinho na terra
If you look at her sideways
If you look at her sideways
Se a olhais de través
She will curse you out
She will curse you out
Ela vos amaldiçoará
Today’s the day the earth stole heaven
Today’s the day the earth stole heaven
E vereis que do Paraíso à Terra dista apenas uma rasteira de São Cipriano
If you look at her sideways
If you look at her sideways
Se a olhais por cima da burra
There can be no doubt
There can be no doubt
Vereis com plena clareza
It’s over
It’s over
Que aquilo é azeitona já bem espremida
quarta-feira, novembro 23, 2005 |
A PAIXÃO SEGUNDO SIMÃO
Naquele tempo, Jesus foi levado ao Gólgota por entre a multidão, carregando a cruz. Junto a um grupo de zelotas que vociferavam e cuspiam, estava Simão de Cirene que assistia a uma certa distância. Dois soldados romanos, que vieram por trás dele, levaram-no a Jesus e ordenaram-lhe que carregasse a cruz, pois o condenado já débil, sucumbia sob o peso do lenho. Simão era um homem alto e forte e não contestou a empresa. Vergou sob o peso, mas foi gradualmente ganhando firmeza no passo. Na subida, a procissão de condenados avançava vacilante por entre os impropérios do povo de Jerusalém. Tinha ouvido falar do profeta Jesus, da fúria dos zelotas e sacerdotes do templo e também das curas milagrosas dos leprosos e dos inválidos; mas excepto uma vez que o ouvira falar à distância, não o conhecia. Lembrou-se de sentir simpatia por aquele homem que gritava nos mercados sobre a Nova Aliança com Deus e falava sem medo das iniquidades daqueles que corrompiam a verdadeira religião e também do Amor de Deus, que deveria unir os homens e que tinha sido há muito esquecido na voragem de cada um reclamar como sua apenas a verdade do seu altar. Tinha viajado para Jerusalém para fugir de acusações de graves de abominação, pois acusavam-no de sodomia na sua terra natal. Debateu-se algum tempo com a estranheza do que sentia e escondeu-a. Debatia-se com o que sabia da Lei e o amor que sentia, da qual a estranha inclinação carnal era a expressão sincera. Mas acabou por ceder e deitou-se com homens. Naquele momento, o fardo significou cansaço e esforço, mas não a expiação de culpa alguma.Sentiu então, sob o peso da madeira, talvez amor pelo condenado. Isso deu-lhe a força para levar ladeira acima aquela pesada cruz. Sentiu-se irmanado com os injustamente condenados e carregou por fim com orgulho aquele instrumento de tortura e morte.
segunda-feira, novembro 21, 2005 |
Condes e outras histórias
Na esteira do texto do Ilustre AdaS e da sua paródia envolvendo ocultismo e sociedades secretas, focou-se o Conde de St. Germain, tendo-me recordado a figura em causa.
Aparentemente, este senhor existiu mesmo, sendo considerado um imortal e um alquimista no sentido próprio do termo, detendo a real capacidade de transformar metais menores naquele metal precioso que dá pelo nome de “ouro”.
Mas nem só de ouro ou de ilusão de ouro vive o Homem. E este termo aplica-se-lhe na perfeição: para além deter o segredo da Alquimia e da Pedra Filosofal, este Homem detinha também o segredo da imortalidade.
Presume-se que tenha nascido em 28 de Maio de 1696, na Transilvânia, região remota da Roménia e que deu frutos conhecidos e reconhecidos por esse Mundo fora, até porque Hollywood tomou conta desses mitos ou quase-mitos, sendo que Vlad, o Empalador, se transformou num senhor Morcego que gostava de chupar…
Mas tergiverso. O referido Conde de St. Germain veio a deixar a companhia dos vivos em 27 de Fevereiro de 1784. Dizem. Mas há quem diga que ainda não, aparecendo esporadicamente e dando um ar da sua graça pelos anos fora. A última vez que deu sinal de vida foi em 1926.
Ora, de 1696 a 1784, nada há a assinalar de extraordinário em termos de longevidade, mas se estendermos isto para 1926, já dá o que pensar. E é fazer as contas…
Este Conde, aparentemente, andava sempre acompanhado de um cesto contendo excelentes pedras preciosas, que distribuía pela Corte como quem distribui rebuçados. As gajas agradeciam. Não sei era de que forma, uma vez que este nunca foi visto a comer ou a beber. Pela mesma ordem de ideias, nunca fornicou. Aí sim, foi burro.
De resto, sendo possuidor do elixir da juventude, toda a vida aparentou ter quarenta e cinco anos, idade que revela alguma maturidade e sabedoria adquirida.
O que me faz reflectir num conto de Jorge Luís Borges, chamado, precisamente, «Os Imortais», em que há alguém que, ilusoriamente, tenta chegar a uns Seres Superiores que detêm o segredo da Imortalidade e que vivem alcandorados numa fortaleza rochosa. Para lá chegar, tem de passar por uns seres estranhos, ainda sob a forma humana, mas com uns comportamentos animalescos e pouco inteligentes, embora sem serem agressivos. Uma destas criaturas acompanha-o na sua saga, aguardando a sua volta enquanto ele sobe a escarpa por um caminho de acesso difícil. Esta história poderia levar-nos facilmente para o Velho da Montanha, mas fica para outra vez. Bom, voltando ao relato, o gajo sobe o caminho secreto que lhe foi apontado pelo outro - que dominava muito pouco o dote de poder expressar-se oralmente (próprio sensu, não comecem já com coisas…) - e acaba por ter acesso a uma fortaleza que está completamente deserta.
Fazendo o caminho inverso, depara-se novamente com aquela tribo que não é propriamente agressiva, mas que o faz seu prisioneiro. Prisioneiro, é como quem diz, porque tinha toda a liberdade de movimentos à excepção do acesso à água que passava num rio próximo. Quase morto de sede, vai este rapaz forçar a sua ida até ao rio, de onde bebe sofregamente. Está tudo estragado. A vigilância, ao contrário do que seria de esperar, é afrouxada ou inexistente. Os seres estranhos andam por ali a pastar. O nosso herói tenta encetar uma conversa com o gajo que o acompanhou lá ao outro lado e nada obtém em troca. Por algum acaso, cita Homero e os seus escritos e, curiosamente, aquele «bicho» completa uma das suas frases. Descobre-se tudo. Aquela coisa que ali estava era Homero em pessoa, não sei quantos milhares de anos depois!
Bom, se a história não respeita fielmente o original, perdoem-me, mas ficam com a ideia. A fonte da imortalidade era a água do rio e os seres imortais eram aqueles que por ali se arrastavam, que tinham perdido quase por completo a capacidade da fala, já não me recordo muito bem porquê, mas havia um significado qualquer que eu agora não descortino.
O certo é que para cada acção há uma acção contrária, que anula a primeira. Por isso, a partir daquele momento, o sujeito em questão passou a explorar o Mundo e a provar a água de todos os rios que podia, até que, finalmente, uns trezentos anos depois, provou a água libertadora que buscava.
Pode ser esta a razão que move o aparecimento e desaparecimento do Conde de St. Germain, embora desconfie que não. Cá para mim, o senhor em causa deve ter ido finalmente para Agharta, no centro da Terra, para se ir juntar aos seus colegas Superiores Desconhecidos que neste momento já deve conhecer bem.
Uma vez perguntaram a um criado do Conde de St. Germain se era verdade que ele tinha seiscentos anos (há quem defenda que ele não nasceu propriamente em 1696…). Este, pouco surpreendido, disse friamente que não saberia responder a essa pergunta, uma vez que só estava ao serviço do Senhor Conde há cerca de duzentos anos…
Nota final: quem não gostava do Conde de St. Germain dizia que ele era filho de um judeu português chamado Aymar. Repare-se aqui que os portugueses já eram benquistos na altura…
Aparentemente, este senhor existiu mesmo, sendo considerado um imortal e um alquimista no sentido próprio do termo, detendo a real capacidade de transformar metais menores naquele metal precioso que dá pelo nome de “ouro”.
Mas nem só de ouro ou de ilusão de ouro vive o Homem. E este termo aplica-se-lhe na perfeição: para além deter o segredo da Alquimia e da Pedra Filosofal, este Homem detinha também o segredo da imortalidade.
Presume-se que tenha nascido em 28 de Maio de 1696, na Transilvânia, região remota da Roménia e que deu frutos conhecidos e reconhecidos por esse Mundo fora, até porque Hollywood tomou conta desses mitos ou quase-mitos, sendo que Vlad, o Empalador, se transformou num senhor Morcego que gostava de chupar…
Mas tergiverso. O referido Conde de St. Germain veio a deixar a companhia dos vivos em 27 de Fevereiro de 1784. Dizem. Mas há quem diga que ainda não, aparecendo esporadicamente e dando um ar da sua graça pelos anos fora. A última vez que deu sinal de vida foi em 1926.
Ora, de 1696 a 1784, nada há a assinalar de extraordinário em termos de longevidade, mas se estendermos isto para 1926, já dá o que pensar. E é fazer as contas…
Este Conde, aparentemente, andava sempre acompanhado de um cesto contendo excelentes pedras preciosas, que distribuía pela Corte como quem distribui rebuçados. As gajas agradeciam. Não sei era de que forma, uma vez que este nunca foi visto a comer ou a beber. Pela mesma ordem de ideias, nunca fornicou. Aí sim, foi burro.
De resto, sendo possuidor do elixir da juventude, toda a vida aparentou ter quarenta e cinco anos, idade que revela alguma maturidade e sabedoria adquirida.
O que me faz reflectir num conto de Jorge Luís Borges, chamado, precisamente, «Os Imortais», em que há alguém que, ilusoriamente, tenta chegar a uns Seres Superiores que detêm o segredo da Imortalidade e que vivem alcandorados numa fortaleza rochosa. Para lá chegar, tem de passar por uns seres estranhos, ainda sob a forma humana, mas com uns comportamentos animalescos e pouco inteligentes, embora sem serem agressivos. Uma destas criaturas acompanha-o na sua saga, aguardando a sua volta enquanto ele sobe a escarpa por um caminho de acesso difícil. Esta história poderia levar-nos facilmente para o Velho da Montanha, mas fica para outra vez. Bom, voltando ao relato, o gajo sobe o caminho secreto que lhe foi apontado pelo outro - que dominava muito pouco o dote de poder expressar-se oralmente (próprio sensu, não comecem já com coisas…) - e acaba por ter acesso a uma fortaleza que está completamente deserta.
Fazendo o caminho inverso, depara-se novamente com aquela tribo que não é propriamente agressiva, mas que o faz seu prisioneiro. Prisioneiro, é como quem diz, porque tinha toda a liberdade de movimentos à excepção do acesso à água que passava num rio próximo. Quase morto de sede, vai este rapaz forçar a sua ida até ao rio, de onde bebe sofregamente. Está tudo estragado. A vigilância, ao contrário do que seria de esperar, é afrouxada ou inexistente. Os seres estranhos andam por ali a pastar. O nosso herói tenta encetar uma conversa com o gajo que o acompanhou lá ao outro lado e nada obtém em troca. Por algum acaso, cita Homero e os seus escritos e, curiosamente, aquele «bicho» completa uma das suas frases. Descobre-se tudo. Aquela coisa que ali estava era Homero em pessoa, não sei quantos milhares de anos depois!
Bom, se a história não respeita fielmente o original, perdoem-me, mas ficam com a ideia. A fonte da imortalidade era a água do rio e os seres imortais eram aqueles que por ali se arrastavam, que tinham perdido quase por completo a capacidade da fala, já não me recordo muito bem porquê, mas havia um significado qualquer que eu agora não descortino.
O certo é que para cada acção há uma acção contrária, que anula a primeira. Por isso, a partir daquele momento, o sujeito em questão passou a explorar o Mundo e a provar a água de todos os rios que podia, até que, finalmente, uns trezentos anos depois, provou a água libertadora que buscava.
Pode ser esta a razão que move o aparecimento e desaparecimento do Conde de St. Germain, embora desconfie que não. Cá para mim, o senhor em causa deve ter ido finalmente para Agharta, no centro da Terra, para se ir juntar aos seus colegas Superiores Desconhecidos que neste momento já deve conhecer bem.
Uma vez perguntaram a um criado do Conde de St. Germain se era verdade que ele tinha seiscentos anos (há quem defenda que ele não nasceu propriamente em 1696…). Este, pouco surpreendido, disse friamente que não saberia responder a essa pergunta, uma vez que só estava ao serviço do Senhor Conde há cerca de duzentos anos…
Nota final: quem não gostava do Conde de St. Germain dizia que ele era filho de um judeu português chamado Aymar. Repare-se aqui que os portugueses já eram benquistos na altura…
quinta-feira, novembro 17, 2005 |
VOARCHADUMIA
Entre as mais obscuras sociedades secretas conta-se a Voarchadumia ou Grande Ordem das Cores e dos Nomes e cuja intervenção nos acontecimentos mais determinantes no curso da História recente só agora começa a ser conhecida. A ela pertencem alguns cidadãos insuspeitos mas bem conhecidos e influentes. Dos seus ritos não se sabe muito, mas consta que envolvem frequentemente amplexos corporais entre o iniciado, com a cabeça coberta por um balde e os mais diversos animais: galinhas, porcos, coelhos, cabras, peixes e burros. Fala-se também em anões de circo, mulheres hiper-obesas suadas e idosas dementes que não se lavam durante anos, mas isso é incerto. No entanto, mais relevante é a sua cuidadosa e cirúrgica intervenção política. Actuam sem deixar rasto e podem ser deputados, ministros, gestores de empresas públicas, altos responsáveis de ministérios e embaixadas. Muitos são discretos funcionários judiciais e mesmo contínuos. O objectivo da Voarchadumia é instaurar um estado de direito divino em que o seu Grande Líder Iluminado será o rei absoluto da República Portuguesa. Arrisco mesmo a minha vida e a dos meus, ao escrever esta denúncia, mas os factos são incontornáveis e há que denunciá-los. Do futuro Senhor de Portugal não se sabe muito, pois apesar de bem conhecido não fala muito. É um homem de tez alaranjado-escuro, com muita laca na popa, belfo e que acumula saliva em grandes quantidades nos cantos da boca. Proficiente na arte cabalística da contabilidade nacional, nunca falha e dizem os acólitos mais próximos que se julga que tudo sabe. Qualquer dúvida que aflore o espírito dos seguidores fanáticos é normalmente castigada com a morte. Atroz normalmente, como por exemplo ser fechado dentro de um armário e o ar ser todo sugado por uma palhinha por um dos carrascos. Reputadamente, possui poderes sobrenaturais como a clarividência espírita e a capacidade de comer hiperbólicas quantidades de bolo-rei sem que isso afecte o seu discernimento penetrante. A melhor fonte de informação é um desacreditado documento apócrifo designado Os Protocolos dos Sábios do Caldeirão. Este documento foi composto ainda por sábios atlantes e guardado religiosamente na pirâmide de Kefren (com um anexo bibliográfico na de Mikerinos e uma adenda na Grande Pirâmide de Quéops). Uma sede secreta, com entrada na Serra de Mú e com intricados túneis de ligação ao reino subterrâneo de Agartha é guardada por homens transparentes descendentes directos dos hiperbóreos, onde diversas naves espaciais de cor laranja, vindas directamente do centro da Terra, aguardam ordens para uma invasão. Sábios alquimistas, que se diz ser ainda os mestres John Dee, Nicolas Flamel, Caligostro, o Conde de Saint-Germain, Helena Blavatsky e o próprio Hermes Trimegisto, garantem com doses regulares de ouro dos filósofos diluído , a saúde eterna do Líder. Dizem os Protocolos, que o povo ignoto destas obscuras manobras da Voharchadumia irá um dia legitimar democraticamente o Líder, de que se suspeita nalguns círculos esotéricos, ser o Anticristo que nos vai abrir as portas do Inferno e onde os portugueses se precipitarão perdidos para sempre. Neste momento, uma cruz invertida está a ser pintada a sangue na minha porta de casa. Deixo o meu canivete suíço à minha porteira e os meus certificados de aforro á Casa do Gaiato.
FIM
Microfábulas - XVIII
Havia, certa vez, um funcionário português do Secretariado de uma organização internacional que buscara no estrangeiro a prosperidade que o seu antigo bacharelato do ISLA não lhe proporcionara na lusitana metrópole. De estrangeiro em estrangeiro, acabou num estrangeiro distante, em Yokohama, no Secretariado da Organização Internacional das Madeiras Tropicais, onde passava os seus dias “inputando” documentos na formatação oficial da Organização, atendendo telefones e tirando fotocópias. “There goes the fucking sardine!”, diriam alguns; “Lá vai o Silvestre!”, diriam os mais educados, ao vê-lo passar no corredor do Pacifico Yokohama Center carregando volumosos maços de documentos inúteis, no ritmo próprio que o salto compensado no sapato esquerdo, que tentava obviar a diferença de nascença no tamanho das pernas, conferia à sua passada.
Para além da grossa camada de borracha debaixo da planta do pé esquerdo, Silvestre dava nas vistas pelo rosto rubicundo e luzidio e pela sua volumetria: uma larga elipse que confinava – a custo – os seus quase cem quilos distribuídos por uma altura mediana de 1,63m. Sorridente e prestável (e ainda para mais “slightly handicaped”...), Silvestre era o funcionário perfeito para uma organização internacional, possibilitando aos delegados dos 59 Estados Membros aquele sentimento reconfortante de “ainda bem que estamos a fazer qualquer coisa por estes desgraçados...”. Claro: a organização tratava de madeiras e não de pessoas, mas um caso humano visível tem muito mais impacto que uma colecção de estatísticas sobre o mercado madeireiro.
Silvestre era uma mascote, a personificação do bem que a vontade comum de vários países podia operar sobre todas as pessoas, mesmo a que nasciam com uma perna maior que a outra, chumbando assim nos requisitos físicos para a “certificação social”. Como um bom português, Silvestre aceitava humildemente, com um sorriso entre o resignado e o obstinado, as migalhas de comiseração alheia, viessem elas dos brasileiros que contavam anedotas sobre padeiros portugueses; das altas e imponentes norueguesas; dos robustos ganeses ou dos bizarros papuas. Recebia palmadinhas nas costas com a alegria primacial de uma foca amestrada que recebe uma sardinha. Ou uma boga.
Vida pessoal não a tinha, o nosso Silvestre. Vivia nos subúrbios de Yokohama, num apartamento com 35 metros quadrados (“Caibo lá eu, é o que importa!”, dizia ele, com a esperteza dos simples...), as paredes forradas com os diferentes posters da organização. Espartanamente regrado, só num vício o aleijadinho condescendia: manga erótica, com desenhos de colegiais com roliços seios quase a rebentar nas apertadas blusinhas do uniforme de marinheira sendo estupradas por monstros multicéfalos dotados de incontáveis tentáculos penianos que procuravam quiçá o Além em cada orifício (sempre ocultado, claro) das pobres rapariguinhas. E assim passava Silvestre boa parte dos seus serões, folheando revista atrás de revista (pelo menos as páginas que não estavam coladas...) e desdizendo da sua malformação congénita que o tornava tão avesso ao contacto com o “belo género”. Por pecaminosos que fossem esses seus minutos de alívio, bastava ao rapaz persignar-se e passar a cara por água para conseguir dormir o sono dos justos e acordar no dia seguinte com a bonomia de um cachorrinho.
A cada Novembro, a excitação aumentava no Pacifico Yokohama com a perspectiva da Sessão de Outono do Conselho da Organização. Para além do bulício da chegada das delegações, a Silvestre agradava-lhe especialmente o lote de ninfetas que a municipalidade de Yokohama destacava para o apoio à conferência e que passavam os dias a manusear desastradamente máquinas de café com que ninguém sabia operar. Enquanto guilhotinava com mil cuidados os cartões de identificação de cada delegado, Silvestre via-se na pele do “velho porco” das suas manga, cuja excitação sexual era representada graficamente por uma bolha de ranho a sair do nariz. Daí que, enquanto olhava despudoradamente para as saias e colos das meninas, Silvestre fosse volta e meia levando uma mão ao nariz, confirmando a inexistência de tão comprometedoras bolhas.
Nisto, vzzzzzzzzzzzzzzzzt!
Moral 1 – Uma guilhotina, como qualquer outro instrumento afiado, deve ser manuseada com cuidado e concentração, sob pena de lesões graves no seu utilizador.
Moral 2 – Se um desgraçado se desgraça um pouco mais, mais razões para caridade têm as pessoas normais.
Havia, certa vez, um funcionário português do Secretariado de uma organização internacional que buscara no estrangeiro a prosperidade que o seu antigo bacharelato do ISLA não lhe proporcionara na lusitana metrópole. De estrangeiro em estrangeiro, acabou num estrangeiro distante, em Yokohama, no Secretariado da Organização Internacional das Madeiras Tropicais, onde passava os seus dias “inputando” documentos na formatação oficial da Organização, atendendo telefones e tirando fotocópias. “There goes the fucking sardine!”, diriam alguns; “Lá vai o Silvestre!”, diriam os mais educados, ao vê-lo passar no corredor do Pacifico Yokohama Center carregando volumosos maços de documentos inúteis, no ritmo próprio que o salto compensado no sapato esquerdo, que tentava obviar a diferença de nascença no tamanho das pernas, conferia à sua passada.
Para além da grossa camada de borracha debaixo da planta do pé esquerdo, Silvestre dava nas vistas pelo rosto rubicundo e luzidio e pela sua volumetria: uma larga elipse que confinava – a custo – os seus quase cem quilos distribuídos por uma altura mediana de 1,63m. Sorridente e prestável (e ainda para mais “slightly handicaped”...), Silvestre era o funcionário perfeito para uma organização internacional, possibilitando aos delegados dos 59 Estados Membros aquele sentimento reconfortante de “ainda bem que estamos a fazer qualquer coisa por estes desgraçados...”. Claro: a organização tratava de madeiras e não de pessoas, mas um caso humano visível tem muito mais impacto que uma colecção de estatísticas sobre o mercado madeireiro.
Silvestre era uma mascote, a personificação do bem que a vontade comum de vários países podia operar sobre todas as pessoas, mesmo a que nasciam com uma perna maior que a outra, chumbando assim nos requisitos físicos para a “certificação social”. Como um bom português, Silvestre aceitava humildemente, com um sorriso entre o resignado e o obstinado, as migalhas de comiseração alheia, viessem elas dos brasileiros que contavam anedotas sobre padeiros portugueses; das altas e imponentes norueguesas; dos robustos ganeses ou dos bizarros papuas. Recebia palmadinhas nas costas com a alegria primacial de uma foca amestrada que recebe uma sardinha. Ou uma boga.
Vida pessoal não a tinha, o nosso Silvestre. Vivia nos subúrbios de Yokohama, num apartamento com 35 metros quadrados (“Caibo lá eu, é o que importa!”, dizia ele, com a esperteza dos simples...), as paredes forradas com os diferentes posters da organização. Espartanamente regrado, só num vício o aleijadinho condescendia: manga erótica, com desenhos de colegiais com roliços seios quase a rebentar nas apertadas blusinhas do uniforme de marinheira sendo estupradas por monstros multicéfalos dotados de incontáveis tentáculos penianos que procuravam quiçá o Além em cada orifício (sempre ocultado, claro) das pobres rapariguinhas. E assim passava Silvestre boa parte dos seus serões, folheando revista atrás de revista (pelo menos as páginas que não estavam coladas...) e desdizendo da sua malformação congénita que o tornava tão avesso ao contacto com o “belo género”. Por pecaminosos que fossem esses seus minutos de alívio, bastava ao rapaz persignar-se e passar a cara por água para conseguir dormir o sono dos justos e acordar no dia seguinte com a bonomia de um cachorrinho.
A cada Novembro, a excitação aumentava no Pacifico Yokohama com a perspectiva da Sessão de Outono do Conselho da Organização. Para além do bulício da chegada das delegações, a Silvestre agradava-lhe especialmente o lote de ninfetas que a municipalidade de Yokohama destacava para o apoio à conferência e que passavam os dias a manusear desastradamente máquinas de café com que ninguém sabia operar. Enquanto guilhotinava com mil cuidados os cartões de identificação de cada delegado, Silvestre via-se na pele do “velho porco” das suas manga, cuja excitação sexual era representada graficamente por uma bolha de ranho a sair do nariz. Daí que, enquanto olhava despudoradamente para as saias e colos das meninas, Silvestre fosse volta e meia levando uma mão ao nariz, confirmando a inexistência de tão comprometedoras bolhas.
Nisto, vzzzzzzzzzzzzzzzzt!
Moral 1 – Uma guilhotina, como qualquer outro instrumento afiado, deve ser manuseada com cuidado e concentração, sob pena de lesões graves no seu utilizador.
Moral 2 – Se um desgraçado se desgraça um pouco mais, mais razões para caridade têm as pessoas normais.
quarta-feira, novembro 16, 2005 |
ZUNG
Quando um alien se quer reproduzir, todos sabem que tem de encontrar um hospedeiro, pois todos viram aquele filme com aquela gaja boa - na altura, claro, porque depois envelhece-se. O alien agarra-se à cara do hospedeiro e não desgruda até ter o acto consumado. Depois, qual salmão depois da desova, fenece e cai para o lado, extenuado e morto de tanta actividade sexual. Os ursos agradecem.
A vida de urso não é fácil, uma vez que somente durante quatro meses podem comer à vontade, brincar com os ursinhos e papar umas ursas. De seguida, vão dormir e ficam num estado latente a que se chama «hibernação». Quando acordam, estão mal-dispostos e esfomeados, mais ou menos a descrição de um dia e de um acordar que para mim é normal.
A normalidade é uma coisa muito estranha. Quando se passa pelos bancos da Faculdade sonha-se com o fugir ao normal, ter uma bela vida, sem que se seja aquele trabalhador das nove às cinco e ala para casa tratar dos putos ranhosos que horas antes deixámos ao cuidado de um infantário ou colégio que tem boas referências. Nada garante que entre os professores ou entre os educadores de infância não haja um serial killer que limpe o sebo a um ou dois putos antes de se suicidar. Mas estes putos, por sua vez, já serão cereal killers, pois todas as manhãs comem o cereais que os papás lhes põem à frente.
A vida de cereal é relativamente curta, tal como a efémera do anúncio da vodafone. O cereal levanta-se de manhã, é ceifado pelas máquinas, separado por elementos mecânicos, vai para o silo e é desfeito em farinha que depois é recomposta nos mais variados produtos.
Coisa diferente é a batata, que para além de ser pré-cozinhada, fatiada, grelada e congelada, ainda é desidratada para fazer puré de saco. Mas não vou agora falar do saco, claro, que isto é um belogue de respeito.
Mas as batatas são como as mulheres: ou descascadas ou a murro.
Por falar em murro, era o que o alien merecia por se agarrar à cara de um gajo para se reproduzir. Para além de fazer uma imensa porcaria quando o filhote nasce, ainda por cima é homossexual, mas para efeitos reprodutivos. O que é um grande nojo e que, pelos vistos, no espaço resulta.
Haviam de lhe mandar um urso esfomeado e mal-disposto, daqueles que se levantam para a rotina diária de ir para o trabalho e voltar para casa, esquecendo totalmente os sonhos de Faculdade e que leva os putos ranhosos para a escola e vai buscá-los ao fim do dia, quando finalmente tem um bocadinho para brincar com a ursa e ela diz «não me apetece, dói-me a cabeça».
Já parece o «March of the Penguins», que é um documentário que acompanha os pinguins a marchar sobre o gelo durante 120 quilómetros para darem uma queca. E as mais das vezes vêm de lá com as asas a abanar e com os pés frios.
Sempre há vidas piores do que a rotina diária. Ou talvez não.
Quando um alien se quer reproduzir, todos sabem que tem de encontrar um hospedeiro, pois todos viram aquele filme com aquela gaja boa - na altura, claro, porque depois envelhece-se. O alien agarra-se à cara do hospedeiro e não desgruda até ter o acto consumado. Depois, qual salmão depois da desova, fenece e cai para o lado, extenuado e morto de tanta actividade sexual. Os ursos agradecem.
A vida de urso não é fácil, uma vez que somente durante quatro meses podem comer à vontade, brincar com os ursinhos e papar umas ursas. De seguida, vão dormir e ficam num estado latente a que se chama «hibernação». Quando acordam, estão mal-dispostos e esfomeados, mais ou menos a descrição de um dia e de um acordar que para mim é normal.
A normalidade é uma coisa muito estranha. Quando se passa pelos bancos da Faculdade sonha-se com o fugir ao normal, ter uma bela vida, sem que se seja aquele trabalhador das nove às cinco e ala para casa tratar dos putos ranhosos que horas antes deixámos ao cuidado de um infantário ou colégio que tem boas referências. Nada garante que entre os professores ou entre os educadores de infância não haja um serial killer que limpe o sebo a um ou dois putos antes de se suicidar. Mas estes putos, por sua vez, já serão cereal killers, pois todas as manhãs comem o cereais que os papás lhes põem à frente.
A vida de cereal é relativamente curta, tal como a efémera do anúncio da vodafone. O cereal levanta-se de manhã, é ceifado pelas máquinas, separado por elementos mecânicos, vai para o silo e é desfeito em farinha que depois é recomposta nos mais variados produtos.
Coisa diferente é a batata, que para além de ser pré-cozinhada, fatiada, grelada e congelada, ainda é desidratada para fazer puré de saco. Mas não vou agora falar do saco, claro, que isto é um belogue de respeito.
Mas as batatas são como as mulheres: ou descascadas ou a murro.
Por falar em murro, era o que o alien merecia por se agarrar à cara de um gajo para se reproduzir. Para além de fazer uma imensa porcaria quando o filhote nasce, ainda por cima é homossexual, mas para efeitos reprodutivos. O que é um grande nojo e que, pelos vistos, no espaço resulta.
Haviam de lhe mandar um urso esfomeado e mal-disposto, daqueles que se levantam para a rotina diária de ir para o trabalho e voltar para casa, esquecendo totalmente os sonhos de Faculdade e que leva os putos ranhosos para a escola e vai buscá-los ao fim do dia, quando finalmente tem um bocadinho para brincar com a ursa e ela diz «não me apetece, dói-me a cabeça».
Já parece o «March of the Penguins», que é um documentário que acompanha os pinguins a marchar sobre o gelo durante 120 quilómetros para darem uma queca. E as mais das vezes vêm de lá com as asas a abanar e com os pés frios.
Sempre há vidas piores do que a rotina diária. Ou talvez não.
SINAIS
Um capítulo apócrifo presente numa única edição da Enciplopedia Britannica levou, no passado, ao conhecimento do país de Uqbar e da sua geografia e gramática. Tratava-se de um país completamente desconhecido na sua localização do qual não se conhece qualquer outra descrição e referência. Mais intrigante, mas certamente com alguma relação com este misterioso país é a região mitológica de Orbis Tertis, no planeta Tlhon, que é central naquilo que se conhece da mitologia uqbariana. Da enciclopédia de Thlon, apenas se conhece a referência a um único tomo do volume XI, constante de um conhecido relato do, na altura, director da Biblioteca Nacional da Argentina, feita nos anos quarenta do século passado. A relação entre as duas obras apócrifas é óbvia, pois Thlon e Orbis Tertis, além de serem referidas no primeiro texto, têm obvias afinidades no que concerne à gramática e literatura. A língua falada nos dois locais também é a mesma. Numa das versões, a língua de Uqbar é constituída apenas por longas cadeias de substantivos e adjectivos, não sendo conhecido o uso de verbos. Noutra versão, na linguagem escrita, os uqbarianos recorrem apenas a longas cadeias de adjectivos. Acabou por descobrir-se que qualquer dos três locais seria tão só imaginário e o fruto do labor de uma academia de sábios geógrafos, gramáticos, naturalistas, matemáticos e historiadores, que criaram ad novum tudo acerca dos supostos lugares. Seria então um puro exercício académico de imaginação literária sem qualquer correspondência a um país real ou uma qualquer alusão metafórica a uma utopia filosófica. Começaram por Uqbar, um país e mais tarde, à medida que a Academia crescia, aventuraram-se na descrição do virtual planeta Thlon. A língua orbiterciana teria inclusivamente sido ensinada às crianças nalgumas escolas. Acontece que ontem recebi o volume XII (Dioscoriáceas a Hippuridáceas, partim) da Flora Ibérica, obra editada pelo Jardim Botânico de Madrid, de que sou colaborador. Espantosamente, muitas das plantas de alguns dos géneros têm com área de ocorrência algumas províncias de Orbis Tertis. Tentei indagar quem seria o responsável por tais referências até porque todas se tratam de espécies incógnitas até à data e novas para a ciência. Nas publicações originais dos nomes, a numeração, por lapso diz o editor, salta as páginas onde estariam as descrições e as figuras originais. O colaborador argentino, responsável pela revisão desses géneros não responde a telefonemas ou aos correios electrónicos. Diz uma empregada, que é habitual desaparecer assim durante dois ou três meses e deixar apenas instruções para enviar semanalmente o correio para um apartado anónimo em Buenos Aires. Recebi entretanto um pedido para devolver o volume em causa, que teria alguns erros, sendo-me então enviada uma reimpressão, mas temo que não contenha menção ás plantas orbitercianas. Entre as bizarras plantas ora descritas, cito apenas as árvores aéreas dos nimbo-estratos de Orbis Tertis e a Affzelia ferox, uma árvore devoradora de turfa. Perturbador é o facto de ter a estranha impressão de que cada vez que folheio o volume, as páginas onde as plantas são referidas mudarem sempre. Comecei a apontar esse número em cada consulta e voltei a fechar o livro. Procurei novamente e voltei a encontrá-las, mas de facto, na mesma página. Não sei porque persisto nesta estranha convicção. Aparentemente, muitas dessas plantas pertencem a várias famílias em simultâneo, o que não tem sentido na lógica hierárquica do sistema de classificação. Estou agora convencido que, de algum modo, exista desde então uma sociedade secreta que persiste na empresa de descrever Thlon e Orbis Tertis. Talvez já tenham surgido mais fragmentos noutros livros que passaram despercebidos. Se a quem teve contacto com os seus sinais, a perplexidade os fez quedar em silêncio, não posso saber. Mas, pelo menos a vós digo que devemos estar atentos, pois certamente não serão nem os únicos nem os últimos.
FIM
terça-feira, novembro 15, 2005 |
SICASAL, RAINHA DOS CÉUS
Havia anos que Alberto construía a gigantesca aeronave. Tinha gigantescas asas de lona, uma complicada estrutura de cabos, tirantes e esticadores de aço e ocupava uma antiga pastagem. O avião movido por quarenta motores de explosão era grande como uma pequena cidade e lembrava um gigantesco morcego ou um réptil voador pré-histórico de pano, madeira e cordas de metal. A tripulação atingia quase os cinquenta homens e distribuir-se-ia por três habitáculos interligados por pontes e cabrestantes. Havia para além da ponte de comando, as camaratas, as cozinhas, um laboratório aerostático e uma cabine de radiotelegrafia. A gigantesca aeronave, chegada às grandes altitudes, podia ainda vogar por meio de um enorme balão de hidrogénio, que era então inflado e percorrer grandes distâncias sem auxílio dos motores. Alberto estava na ponte encostado à roda do leme, revendo cartas de navegação e mapas meteorológicos. Ultimava os últimos preparativos logísticos. Ventos de feição, os alísios de noroeste encarregar-se-iam de os fazer chegar, primeiro ao Chile e à Terra do Fogo e finalmente à Antártida em menos de dois meses. No grande dia da partida, o Maire, a fanfarra e uma condecoração colectiva com a Legião de Honra fez as despedidas. Largaram, ganhando altitude por entre benévolos nimbos brancos, com os motores na potência máxima sob o sopro ensurdecedor do vento no velame de lona das asas duplas de duzentos e quarenta metros de envergadura. Sobrevoavam já o Atlântico em direcção ás Canárias, a primeira escala. Aparício era um experimentado marinheiro holandês que Alberto lograra descobrir embriagado numa taberna infecta do Quartier Latin. Agora era pensionista após longos anos de serviço na Companhia das Índias. O pior era a sífilis de que padecia mor da vida desregrada de bebedeira e convívio com rameiras desdentadas baratas. Tossia constantemente, expelindo espessas bolas de expectoração verde e amiúde apalpava por dentro das cuecas, as moças da cozinha e a enfermeira. Alberto designara-o despenseiro e tratava do aprovisionamento de alimentos a bordo. Mas Aparício sofria de uma grave disfunção cognitiva que o levava a afeiçoar-se aos mais diversos tipos de enchidos com que recheara a despensa: morcelas, das de arroz e doces inclusive, catalães de Barrancos, mouras, buchos, chouriços de sangue, alheiras, farinheiras, paios e paiolas. Introduzia-os no recto com sofreguidão enquanto emitia animalescos grunhidos e urros infra-humanos enquanto maldizia um misterioso e antigo manuscrito egípcio-barranquenho, que bramia entre os dedos crispados. Uma vez, ao ruído atraiu, Meireles, um ex-camionista parisiense, que com Lelo, o seu amigo inseparável, que era o cigano-cantor de serviço. Passaram a ponte de cabos entre a messe e a cozinha e depararam-se com Aparício com um enorme chouriço de metro e meio introduzido no recto. Sodomizaram-no com brutalidade. – Aparício gritou – “Ah! Desvalidos estultos!...A Maldição do Chouriço será implacável! Parai danados! Estais perdidos!...Ai, ai, ai, que me rebentam a tripa!...cabrões!” Os fungos acinzentados que se criam nos chouriços já havia muito que criavam abundantemente nas paredes do cólon ascendente de Aparício, pelo que os dois amigos folgazões apanharam também o fungo, que lhes subiu pela uretra até à bexiga, ocupando mesmo as prolíficas próstatas. Durante a noite, Meireles e Lelo deram voltas e mais voltas nas redes de dormir. A pele começava a tornar-se gordurosa, enrugada e a cheirar a chouriço. A metamorfose dos desvalidos violadores de Aparício completava-se perante o horror das vítimas da terrível maldição. Meireles transformara-se num enorme enchido humano e Lelo num bucho de arroz descomunal. Eram os tremendos Chouriços-Vampiros, escorrendo gordura e pimentão. Saltitaram para fora da camarata e atacaram os membros da tripulação com os seus enormes e aguçados dentes ensanguentados. Alberto, que entretanto acordara, pegou na sua espingarda e dirigiu-se à messe. Já uma multidão de horrendos chouriços vampiros, que eram os membros da tripulação transformados corria na sua direcção. Disparou vários tiros, fazendo saltar jorros de sangue temperado com cominhos e pimentão que mancharam as paredes de lona da areonave. Nacos de gordura de porco-prêto e nervos saltavam em todas as direcções inundando os corredores, por entre os gritos demoníacos dos chouriços-vampiros. Uma gigantesca e mole morcela, que fora antes a gorda cozinheira de bordo, agarrou-o pelo pescoço e mordeu-o selvaticamente. Alberto quase sucumbia com a dor lancinante mas alcançou a manivela que cortava o combustível aos motores. A aeronave guinou violentamente perdendo altitude e dirigindo-se vertiginosamente ao solo. Uma enorme bola de fogo que subia das montanhas foi vista ao longe pelos índios araucanos. Três dias depois atingiram o local do desastre e pasmaram com espectáculo de dezenas de enormes chouriços assados. Rapa-Nui, o chefe dos índios, com a boca cheia de gordura avermelhada e sorvendo um caldo-verde ao som dum leitor de cartuchos portátil onde tocava o Alfredo Marceneiro, virou-se para o leitor deste texto e diz-lhe: “Agora posta por cima, Chouriço!”.
FIM
segunda-feira, novembro 14, 2005 |
SEGISMUNDO NA TORRE
“Cielos, si es verdad que sueño,
suspendedme la memoria,
que no es posible que quepan
en un sueño tantas cosas.
¡Válgame Dios, quién supiera,
o saber salir de todas,
o no pensar en ninguna!”
In “A Vida é um Sonho” de Pedro Calderon de la Barca (1600-1681).
Antes de Segismundo havia o Caos. Vagas nuvens de matéria, sois negros, planetas incógnitos, ecos de prenhes fornalhas estelares, sombras de um universo virgem e sem palavras. As esferas dos céus rolaram em silêncio durante eons e as mutações do éter foram sem a testemunha de ninguém. Nas primeiras cidades, as leis da física eram vagas e foram sendo construídas ao sabor do entendimento que raças de homens órfãos, do esforço e do ócio foram tirando. Segismundo, na Torre que era o seu cárcere desde a nascença, leu sobre eles e foi-lhes dando o sentido. Ordenando e vendo com o olhar do espírito aquilo que antes apenas o solitário demiurgo do Cosmo, vira. Pensava naquele deus solitário, autor do seu próprio sonho, que se compraz num jogar às escondidas cósmico, que é um eterno fingir que não Se conhece, o surgir aos seus olhos que quisessem tudo veriam, sempre transcendente no tornar-se eternamente para além de si próprio, em multitudes de seres e de coisas. Ele, Segismundo, criado pelo Mundo e parte do Mundo como o mar cria ondas, que mais não são que o mar ele mesmo e, movido pela vontade de outras coisas ser e ser mais além, via o que Deus via através dos seu olhos. E era através dele que Segismundo via, sentia e se sentia. Deus reencontrava-se a Si mesmo através dele Segismundo, que também era Ele. Lia Segismundo sobre a visão de Deus, nas palavras de Nicolau de Cusa, enquanto olhava pela janela da sua torre e via os dias. Via o céu, as aves, casas e longínquos ecos de vozes que não sabia serem senão o eco dos seus pensamentos. Se outros homens existiam para além dele, ele não o sabia e Deus estava silencioso apesar de viver no seu coração eternamente presente, testemunhando. Deus segue com a sua visão, todos os movimentos dos átomos do Mundo como fora o olhar daquelas figuras pintadas que parecem seguir-me também a mim Segismundo quando passeio sem destino nos corredores da Torre. Reconheço-me em todas elas que são vãos retratos de pessoas que já fui, pois em cada instante que nunca sou os meus pensamentos, sou destruído e criado eternamente. Assim, já fui muita gente, famílias, povos e raças inteiras; estrangeiros uns dos outros apesar de serem sempre eu próprio. Tenho a memória da História deles, mas não me sinto nunca aquele que fui quando fui dormir ontem, ou após um instante de vão devaneio. No entanto, sei tudo o que eles souberam descontando alguma vagueza longínqua se muitos anos já tenham passado, pois humano sou e escrevo só do que me lembro. Sou Segismundo na Torre, mas não me chamo agora isso. Escrevo num computador, tenho agora outro nome e estou ao mesmo tempo na Torre, assim como estou no acordar do primeiro homem, que foi dando nexo ao Mundo e primeiro o construiu com o acordar das primeiras palavras. Mesmo antes das palavras, observei o Mundo, nú nos campos antes do tempo da escrita e dei-lhe o sentido. Observo-me a mim próprio, agora que Me vou começando a reconhecer.
FIM
“Cielos, si es verdad que sueño,
suspendedme la memoria,
que no es posible que quepan
en un sueño tantas cosas.
¡Válgame Dios, quién supiera,
o saber salir de todas,
o no pensar en ninguna!”
In “A Vida é um Sonho” de Pedro Calderon de la Barca (1600-1681).
Antes de Segismundo havia o Caos. Vagas nuvens de matéria, sois negros, planetas incógnitos, ecos de prenhes fornalhas estelares, sombras de um universo virgem e sem palavras. As esferas dos céus rolaram em silêncio durante eons e as mutações do éter foram sem a testemunha de ninguém. Nas primeiras cidades, as leis da física eram vagas e foram sendo construídas ao sabor do entendimento que raças de homens órfãos, do esforço e do ócio foram tirando. Segismundo, na Torre que era o seu cárcere desde a nascença, leu sobre eles e foi-lhes dando o sentido. Ordenando e vendo com o olhar do espírito aquilo que antes apenas o solitário demiurgo do Cosmo, vira. Pensava naquele deus solitário, autor do seu próprio sonho, que se compraz num jogar às escondidas cósmico, que é um eterno fingir que não Se conhece, o surgir aos seus olhos que quisessem tudo veriam, sempre transcendente no tornar-se eternamente para além de si próprio, em multitudes de seres e de coisas. Ele, Segismundo, criado pelo Mundo e parte do Mundo como o mar cria ondas, que mais não são que o mar ele mesmo e, movido pela vontade de outras coisas ser e ser mais além, via o que Deus via através dos seu olhos. E era através dele que Segismundo via, sentia e se sentia. Deus reencontrava-se a Si mesmo através dele Segismundo, que também era Ele. Lia Segismundo sobre a visão de Deus, nas palavras de Nicolau de Cusa, enquanto olhava pela janela da sua torre e via os dias. Via o céu, as aves, casas e longínquos ecos de vozes que não sabia serem senão o eco dos seus pensamentos. Se outros homens existiam para além dele, ele não o sabia e Deus estava silencioso apesar de viver no seu coração eternamente presente, testemunhando. Deus segue com a sua visão, todos os movimentos dos átomos do Mundo como fora o olhar daquelas figuras pintadas que parecem seguir-me também a mim Segismundo quando passeio sem destino nos corredores da Torre. Reconheço-me em todas elas que são vãos retratos de pessoas que já fui, pois em cada instante que nunca sou os meus pensamentos, sou destruído e criado eternamente. Assim, já fui muita gente, famílias, povos e raças inteiras; estrangeiros uns dos outros apesar de serem sempre eu próprio. Tenho a memória da História deles, mas não me sinto nunca aquele que fui quando fui dormir ontem, ou após um instante de vão devaneio. No entanto, sei tudo o que eles souberam descontando alguma vagueza longínqua se muitos anos já tenham passado, pois humano sou e escrevo só do que me lembro. Sou Segismundo na Torre, mas não me chamo agora isso. Escrevo num computador, tenho agora outro nome e estou ao mesmo tempo na Torre, assim como estou no acordar do primeiro homem, que foi dando nexo ao Mundo e primeiro o construiu com o acordar das primeiras palavras. Mesmo antes das palavras, observei o Mundo, nú nos campos antes do tempo da escrita e dei-lhe o sentido. Observo-me a mim próprio, agora que Me vou começando a reconhecer.
FIM
ENCARNAÇÃO
Eu já fui Tomás Torquemada numa anterior encarnação. É verdade. Como eu gostava de pegar naquelas não-católicos, ou nos convertidos, ou nos mentirosos ou nas bruxas e extrair-lhes as confissões que me convinham!
O que eu dominava as gajas! Pois era, isto começou tudo com aquela rainha estúpida que eu andava a comer e que depois queria largar o palhaço do marido e juntar os trapinhos comigo. Estúpida e re-estúpida, que não percebia que eu estava na carreira eclesiástica para o que desse e viesse. E que benesses há de pertencer a um grupinho económico de alto gabarito! Nem vos conto.
Para me livrar da puta da rainha tive de obrigá-la a convencer o cornudo do rei a criar o Santo Ofício e a pôr-me à frente do empreendimento. Nada mais fácil, criou-se um protocolo entre a Coroa e a Igreja e está a andar de liteira, já que naqueles tempos não havia motas…
Ora bem, o que foi mais tarde apelidado de «Reinado de Terror» não passou de um exercício de estilo da minha parte. E que estilo!
Continuei a comer umas gajas e quando me fartava delas ou estas se tornavam demasiado aborrecidas, ala para a fogueira.
Elas bem se negavam a dizer a verdade, mas com a minha aplicação de penas infamantes, coitadinhas, despachavam-se num ápice a dizer a minha verdade.
Além do mais, eu era especialista em falsificações de assinaturas. Sim, preparava o documento com a confissão e, caso as pessoas envolvidas se negassem a assiná-lo, era eu que punha a cruzinha no sítio da assinatura. Caso não se recordem, naqueles tempos pouca gente sabia ler e escrever…
Ah, mas posso dizer que foram belos tempos. E eu era um grande cozinheiro, principalmente de assados à la poste. A receita até era bastante fácil: pegava-se num mouro ou noutra espécie menor, juntavam-se umas lenhas secas e de fácil combustão, punha-se tudo em redor de um poste – daqui é que vem o nome da receita – e puxava-se fogo em lume brando. Nem era necessário mexer, bastava vigiar o fogo.
Só uma coisa me incomodava: os gritos. Não percebo aquilo, gritavam desalmadamente - eh, eh, os gajos também não tinham alma… - por causa daquela fogueirinha… Raios os partam! Bom, depois daquelas fogueirinhas, pouco havia para os raios partirem, mas enfim, davam com cada grito lancinante que ainda hoje os oiço.
Olhem, deu para me divertir e gostei da experiência. Se porventura tiverem oportunidade de passar pelo mesmo, força aí! Tentem é estar do lado dos bons, isto é, dos gajos que controlam os outros.
Se não conseguirem, olhem que vão ter muito calor. E não estou a falar do calor dos trópicos, se é que me entendem…
O que eu dominava as gajas! Pois era, isto começou tudo com aquela rainha estúpida que eu andava a comer e que depois queria largar o palhaço do marido e juntar os trapinhos comigo. Estúpida e re-estúpida, que não percebia que eu estava na carreira eclesiástica para o que desse e viesse. E que benesses há de pertencer a um grupinho económico de alto gabarito! Nem vos conto.
Para me livrar da puta da rainha tive de obrigá-la a convencer o cornudo do rei a criar o Santo Ofício e a pôr-me à frente do empreendimento. Nada mais fácil, criou-se um protocolo entre a Coroa e a Igreja e está a andar de liteira, já que naqueles tempos não havia motas…
Ora bem, o que foi mais tarde apelidado de «Reinado de Terror» não passou de um exercício de estilo da minha parte. E que estilo!
Continuei a comer umas gajas e quando me fartava delas ou estas se tornavam demasiado aborrecidas, ala para a fogueira.
Elas bem se negavam a dizer a verdade, mas com a minha aplicação de penas infamantes, coitadinhas, despachavam-se num ápice a dizer a minha verdade.
Além do mais, eu era especialista em falsificações de assinaturas. Sim, preparava o documento com a confissão e, caso as pessoas envolvidas se negassem a assiná-lo, era eu que punha a cruzinha no sítio da assinatura. Caso não se recordem, naqueles tempos pouca gente sabia ler e escrever…
Ah, mas posso dizer que foram belos tempos. E eu era um grande cozinheiro, principalmente de assados à la poste. A receita até era bastante fácil: pegava-se num mouro ou noutra espécie menor, juntavam-se umas lenhas secas e de fácil combustão, punha-se tudo em redor de um poste – daqui é que vem o nome da receita – e puxava-se fogo em lume brando. Nem era necessário mexer, bastava vigiar o fogo.
Só uma coisa me incomodava: os gritos. Não percebo aquilo, gritavam desalmadamente - eh, eh, os gajos também não tinham alma… - por causa daquela fogueirinha… Raios os partam! Bom, depois daquelas fogueirinhas, pouco havia para os raios partirem, mas enfim, davam com cada grito lancinante que ainda hoje os oiço.
Olhem, deu para me divertir e gostei da experiência. Se porventura tiverem oportunidade de passar pelo mesmo, força aí! Tentem é estar do lado dos bons, isto é, dos gajos que controlam os outros.
Se não conseguirem, olhem que vão ter muito calor. E não estou a falar do calor dos trópicos, se é que me entendem…
segunda-feira, novembro 07, 2005 |
ORFEU E EURÍDICE
(Uma história sem qualquer interesse).
Orpheu era um semi-deus, que tocava lira num sítio chamado Parnasso e cantava lá pelos campos arcádios, que têm ciprestes, ruínas, pastores, ovelhas, faunos, silenos e ninfas. O gajo viu uma ninfa chamada Eurídice e apaixonou-se por ela. Curtiram os dois, apesar dela também se entreter também muito com as amigas a apanhar flores. Foi nesta actividade prosaica que ela, coitada, foi mordida por uma víbora. Foi, por causa deste funesto encontro com a biodiversidade herpetológica que ela esticou o pernil e foi parar ao Mundo Subterrâneo, que era o sítio para onde todos os mortos iam naquele tempo. Hades, chamava-se o sítio e era assim uma espécie de sucedâneo do Inferno. Estranhamente o gajo que mandava no Hades também se chamava Hades. O Orpheu ficou para morrer porque gostava muito da mulher e decidiu ir até ao Hades buscá-la. Isto normalmente não se poderia fazer vivo, pois um gajo só lá entrava morto. Chegou ao rio Styx, o rio do Esquecimento e tentou convencer Caronte, o barqueiro de maus fígados que normalmente levava as almas para a outra margem a deixá-lo também atravessar o rio (a entrada do Hades ficava na outra margem). O outro, que não, que não, que ali só passavam defuntos. O gajo então cantou e tocou lira para ver se adoçava o outro. Não lhe conseguiu dar a volta, mas o outro adormeceu com a cantoria e ele logrou passar na barca das almas lá para o outro lado. Esta parte não se percebe lá muito bem. Quem é que guiou a barca? O Caronte não acordou? Ninguém protestou. Bom. O Orfeu entrou e foi ter com o Hades (o patrão, não o sítio). Contou-lhe que queria trazer a mulher outra vez cá para fora. Que não, que não, que ela já estava a comer alfaces pela raiz e que dali não saia. O Orfeu ficou muito abespinhado. A mulher do Hades, a Perséfone teve pena do rapaz, que parecia bom moço e de maneira que convenceu o marido a deixar o Orfeu a levar a mulher. O Hades pôs-lhe como condição que a mulher seguiria então na retaguarda a uma certa distância e que ele tinha que confiar que ela ia de facto atrás dele. Caso olhasse para trás estava o caldo entornado pois a mulher ficaria irremediavelmente no chilindró dos mortos e ele que se fodesse mais a puta da mãe dele e mais a Perséfone, que ainda levava nos cornos. Mas pronto. Estava dito, estava dito, que ele estava bem disposto. Assim foi, o Orfeu seguiu à frente, mas não via a mulher a não ser que o olho detrás, que é cego, visse alguma coisa. O malvado e retorcido Hades ainda pôs assim uns demónios ou lá o que eram a instigar o Orfeu e a assustá-lo – “huuuu!....huuuuu!...achas mesmo que a tua garina vai aí atrás de ti? És um pató do caraças…huuuu…huuu…tanso. Bimbo, matarroano, és mesmo rural, foda-se…huuuu…huuuu…” - O gajo não queria olhar para trás, mas ocorreu-lhe que o Hades poderia estar mesmo a gozar com a cara dele e não vinha lá a mulher dele coisa nenhuma. E pimba, não resistiu, olhou para trás um coche e de facto lá vinha a mula do gajo, mas foda-se, num turbilhão sobrenatural lá foi outra vez arrastada para as profundezas do Hades. O Orfeu ficou com uma mona do caraças, assim um baita melão e teve que se vir embora com as mãos a abanar. Aliás, a partir de agora não tinha outro consolo senão “abanar as mãos” o resto da vida ou então os buracos das árvores, eh, eh… O que aconteceu a seguir quando veio cá para fora não é muito certo. Uns dizem que as amiguinhas-sapatão da gaja, da Eurídice, furiosas estraçalharam o gajo em pedacinhos. Outros dizem que não aconteceu nada de especial tirando o gajo lamentar-se para sempre. (Haja saquinho). Isto deu muito brado e até à actualidade isto fez correr rios de tinta, deu muitas óperas (Monteverdi, Gluck, Stravinski), peças de teatro, música, poesias, revistas de literatura, academias musicais e o caralho. No entanto, como podem constatar, isto é uma historieta manhosa sem interesse nenhum a não ser fazer com que a merda dos comentários andem mais depressa. Paneleiros.
FIM
(Uma história sem qualquer interesse).
Orpheu era um semi-deus, que tocava lira num sítio chamado Parnasso e cantava lá pelos campos arcádios, que têm ciprestes, ruínas, pastores, ovelhas, faunos, silenos e ninfas. O gajo viu uma ninfa chamada Eurídice e apaixonou-se por ela. Curtiram os dois, apesar dela também se entreter também muito com as amigas a apanhar flores. Foi nesta actividade prosaica que ela, coitada, foi mordida por uma víbora. Foi, por causa deste funesto encontro com a biodiversidade herpetológica que ela esticou o pernil e foi parar ao Mundo Subterrâneo, que era o sítio para onde todos os mortos iam naquele tempo. Hades, chamava-se o sítio e era assim uma espécie de sucedâneo do Inferno. Estranhamente o gajo que mandava no Hades também se chamava Hades. O Orpheu ficou para morrer porque gostava muito da mulher e decidiu ir até ao Hades buscá-la. Isto normalmente não se poderia fazer vivo, pois um gajo só lá entrava morto. Chegou ao rio Styx, o rio do Esquecimento e tentou convencer Caronte, o barqueiro de maus fígados que normalmente levava as almas para a outra margem a deixá-lo também atravessar o rio (a entrada do Hades ficava na outra margem). O outro, que não, que não, que ali só passavam defuntos. O gajo então cantou e tocou lira para ver se adoçava o outro. Não lhe conseguiu dar a volta, mas o outro adormeceu com a cantoria e ele logrou passar na barca das almas lá para o outro lado. Esta parte não se percebe lá muito bem. Quem é que guiou a barca? O Caronte não acordou? Ninguém protestou. Bom. O Orfeu entrou e foi ter com o Hades (o patrão, não o sítio). Contou-lhe que queria trazer a mulher outra vez cá para fora. Que não, que não, que ela já estava a comer alfaces pela raiz e que dali não saia. O Orfeu ficou muito abespinhado. A mulher do Hades, a Perséfone teve pena do rapaz, que parecia bom moço e de maneira que convenceu o marido a deixar o Orfeu a levar a mulher. O Hades pôs-lhe como condição que a mulher seguiria então na retaguarda a uma certa distância e que ele tinha que confiar que ela ia de facto atrás dele. Caso olhasse para trás estava o caldo entornado pois a mulher ficaria irremediavelmente no chilindró dos mortos e ele que se fodesse mais a puta da mãe dele e mais a Perséfone, que ainda levava nos cornos. Mas pronto. Estava dito, estava dito, que ele estava bem disposto. Assim foi, o Orfeu seguiu à frente, mas não via a mulher a não ser que o olho detrás, que é cego, visse alguma coisa. O malvado e retorcido Hades ainda pôs assim uns demónios ou lá o que eram a instigar o Orfeu e a assustá-lo – “huuuu!....huuuuu!...achas mesmo que a tua garina vai aí atrás de ti? És um pató do caraças…huuuu…huuu…tanso. Bimbo, matarroano, és mesmo rural, foda-se…huuuu…huuuu…” - O gajo não queria olhar para trás, mas ocorreu-lhe que o Hades poderia estar mesmo a gozar com a cara dele e não vinha lá a mulher dele coisa nenhuma. E pimba, não resistiu, olhou para trás um coche e de facto lá vinha a mula do gajo, mas foda-se, num turbilhão sobrenatural lá foi outra vez arrastada para as profundezas do Hades. O Orfeu ficou com uma mona do caraças, assim um baita melão e teve que se vir embora com as mãos a abanar. Aliás, a partir de agora não tinha outro consolo senão “abanar as mãos” o resto da vida ou então os buracos das árvores, eh, eh… O que aconteceu a seguir quando veio cá para fora não é muito certo. Uns dizem que as amiguinhas-sapatão da gaja, da Eurídice, furiosas estraçalharam o gajo em pedacinhos. Outros dizem que não aconteceu nada de especial tirando o gajo lamentar-se para sempre. (Haja saquinho). Isto deu muito brado e até à actualidade isto fez correr rios de tinta, deu muitas óperas (Monteverdi, Gluck, Stravinski), peças de teatro, música, poesias, revistas de literatura, academias musicais e o caralho. No entanto, como podem constatar, isto é uma historieta manhosa sem interesse nenhum a não ser fazer com que a merda dos comentários andem mais depressa. Paneleiros.
FIM