quinta-feira, março 30, 2006 |
segunda-feira, março 27, 2006 |
APONTAMENTOS DA QUARESMA. I – Sobre Maria Madalena.
Maria Madalena, por Donato di Niccolò di Betto Bardi, alias Donatello (ca. 1386, Florença, 1466, Florença). Também há uma tartaruga Ninja com o nome dele.
O meu choque foi numa sala do Museo dell'Opera di Santa Maria del Fiore. Estava lá esta escultura e eu pensei – “Valha-me Deus…. E aquele boato histórico recorrente que apresenta Maria Madalena como a mulher de Jesus?. Não pode ser. É que nem que o gajo tivesse no bucho duas garrafas inteirinhas de bagaço e uma dose tripla de LSD…”. De facto, aquela figura feminina tinha muito pouco sex appeal, pois vejamos: os longos cabelos empastados e enriçados caindo sobre uns andrajos sujos; umas pernas raquíticas com uns pés calosos e com joanetes, saindo dumas ancas inexistentes; uns olhos encovados e a boca num esgar sardónico de quem apanhou tétano no arame farpado da pocilga onde passou a noite… Comecei a rever os factos essenciais acerca desta personagem e a dúvida instalou-se. Os clientes desta ex-trabalhadora sexual não eram certamente mais que pedintes e leprosos, pessoas de muito poucos recursos e higiene. E depois Sara, uma das irmãs de Jesus conhecia esta gaja? E meteu-a lá em casa com a mãe? Depois de ter abocanhado meia Jerusalém, por meio sículo a cabeça, deu-lhe para o Misticismo. Mais incrível ainda é outro boato mais ou menos herético acerca da sua viagem para a Gália, com o filho de Jesus nos braços, onde teria dado início à dinastia Merovíngia. Quer dizer, desembarcava no porto de Massília, com aquele aspecto de quem fugiu do Patriarche e teve uma forte recaída, dirigia-se à casa de uns nobres gauleses, convertia-os ao Cristianismo e - “tomem lá esta criança, que é filha dum profeta do outro extremo do Império, que se diz filho de Deus. É para ser o vosso rei quando crescer. Se não for muito incómodo”. Estou a simplificar um bocado, acho eu, mas convenhamos que é pouco verosímil. Mas parece que a coisa foi mais complicada e mais tarde: meteu Clovís, o rei dos francos, o Papa e umas guerras, não sei bem. Mesmo seguindo uma vertente mais ortodoxa da história, Maria Madalena, tinha propensão para se meter em arruaças. Atentemos na Crucificação. Jesus estava crucificado e pronto. Ali à volta andavam, pelo menos: uma senhora que carpia (com toda a razão, diga-se) o filho morto; dois soldados a jogar às moedas para ver quem ficava com um cobertor infecto que uns gajos com um sentido de humor duvidoso tinham posto sobre os ombros do condenado; uma esponja com vinagre; um homem de certas posses, José de Arimateia, a rondar para ver se surripiava o morto e o levava para parte incerta; um desgraçado chamado Simão que descansava derreado depis ter carregado o lenho pelo Monte da Caveira acima; dois bandidos atados a cruzes que mandavam bocas; uns soldados rasos que mantinham a ordem enfastiados; uns zelotas; uns sicários judeus que iam meter tudo no cu dos sacerdotes; as irmãs do supliciado arrancando os cabelos; uns discípulos disfarçados, mormente Judas Escariote com uma boa maquia no bolso; uns seguidores que rasgavam a roupa e se cobriam de cinza; mirones; e fazendo fé em muitas pinturas medievais e renascentistas ainda algumas ovelhas e…valha-nos Deus...e uma ex-prostituta desdentada e histérica.
Nutro uma certa simpatia pela profissão de prostituta, que acho digna de respeito, diga-se, mas esta gaja não era lá muito certa da cabeça.
Maria Madalena, por Donato di Niccolò di Betto Bardi, alias Donatello (ca. 1386, Florença, 1466, Florença). Também há uma tartaruga Ninja com o nome dele.
O meu choque foi numa sala do Museo dell'Opera di Santa Maria del Fiore. Estava lá esta escultura e eu pensei – “Valha-me Deus…. E aquele boato histórico recorrente que apresenta Maria Madalena como a mulher de Jesus?. Não pode ser. É que nem que o gajo tivesse no bucho duas garrafas inteirinhas de bagaço e uma dose tripla de LSD…”. De facto, aquela figura feminina tinha muito pouco sex appeal, pois vejamos: os longos cabelos empastados e enriçados caindo sobre uns andrajos sujos; umas pernas raquíticas com uns pés calosos e com joanetes, saindo dumas ancas inexistentes; uns olhos encovados e a boca num esgar sardónico de quem apanhou tétano no arame farpado da pocilga onde passou a noite… Comecei a rever os factos essenciais acerca desta personagem e a dúvida instalou-se. Os clientes desta ex-trabalhadora sexual não eram certamente mais que pedintes e leprosos, pessoas de muito poucos recursos e higiene. E depois Sara, uma das irmãs de Jesus conhecia esta gaja? E meteu-a lá em casa com a mãe? Depois de ter abocanhado meia Jerusalém, por meio sículo a cabeça, deu-lhe para o Misticismo. Mais incrível ainda é outro boato mais ou menos herético acerca da sua viagem para a Gália, com o filho de Jesus nos braços, onde teria dado início à dinastia Merovíngia. Quer dizer, desembarcava no porto de Massília, com aquele aspecto de quem fugiu do Patriarche e teve uma forte recaída, dirigia-se à casa de uns nobres gauleses, convertia-os ao Cristianismo e - “tomem lá esta criança, que é filha dum profeta do outro extremo do Império, que se diz filho de Deus. É para ser o vosso rei quando crescer. Se não for muito incómodo”. Estou a simplificar um bocado, acho eu, mas convenhamos que é pouco verosímil. Mas parece que a coisa foi mais complicada e mais tarde: meteu Clovís, o rei dos francos, o Papa e umas guerras, não sei bem. Mesmo seguindo uma vertente mais ortodoxa da história, Maria Madalena, tinha propensão para se meter em arruaças. Atentemos na Crucificação. Jesus estava crucificado e pronto. Ali à volta andavam, pelo menos: uma senhora que carpia (com toda a razão, diga-se) o filho morto; dois soldados a jogar às moedas para ver quem ficava com um cobertor infecto que uns gajos com um sentido de humor duvidoso tinham posto sobre os ombros do condenado; uma esponja com vinagre; um homem de certas posses, José de Arimateia, a rondar para ver se surripiava o morto e o levava para parte incerta; um desgraçado chamado Simão que descansava derreado depis ter carregado o lenho pelo Monte da Caveira acima; dois bandidos atados a cruzes que mandavam bocas; uns soldados rasos que mantinham a ordem enfastiados; uns zelotas; uns sicários judeus que iam meter tudo no cu dos sacerdotes; as irmãs do supliciado arrancando os cabelos; uns discípulos disfarçados, mormente Judas Escariote com uma boa maquia no bolso; uns seguidores que rasgavam a roupa e se cobriam de cinza; mirones; e fazendo fé em muitas pinturas medievais e renascentistas ainda algumas ovelhas e…valha-nos Deus...e uma ex-prostituta desdentada e histérica.
Nutro uma certa simpatia pela profissão de prostituta, que acho digna de respeito, diga-se, mas esta gaja não era lá muito certa da cabeça.
quinta-feira, março 23, 2006 |
By g2
Já fui trapezista de circo, daqueles com lantejoulas, nome em letras grandes no cartaz e partenaire a condizer. Eu lá em cima, a obrigar toda a gente a esticar o pescoço para me ver, naquela posição incómoda que todos conhecem. E, piscadela de olho invisível lá em baixo, digo à Marilú (era nome de cartaz, claro, eu era o Trapezista Voador), e eu a dizer à Marilú, dizia, “olha logo à noite, como é?!” e ela de mãos estendidas para se elevar comigo até ao trapézio, senta-se ao meu lado, faz vénias para o público e diz-me “não pode ser nada, sabes, não ando muito bem…” e eu, “Quem não tem cão caça com gato, não te preocupes com essas coisas… Cuidado agora com o arco em ogiva” (arco em ogiva era o nome de um salto, ou número, ou lá o que era aquilo) e ela saiu que nem uma bala, eu estendi as mãos, lá vinha ela no ar, vi logo que estava distraída, adivinhava caçadas novas à noite, as mãos resvalaram… um grito, o público de repente de pé… ah’s e oh’s e rostos de aflição, tragédia prometida… E ela afinal, desmancha-prazeres, cai na rede, faz uma pirueta cheia de ademanes para o público que suspirava de alívio, voltou para cima e fez o arco em ogiva, mais tarde fez outras figuras geométricas, mas isso agora não vem ao caso!
Também fui buganvília, muito gostava eu de trepar, agora vendo legumes no mercado, gosto dos trocadilhos do género “senhor g, tem tomates?” e eu, num desalento estudado, a responder “Se procurar bem, Dona Tânia, há-de encontrar alguma coisa que lhe sirva…”.
Mas este post é só um desbloqueador de comentos, a história dos legumes fica para a próxima.
Também fui buganvília, muito gostava eu de trepar, agora vendo legumes no mercado, gosto dos trocadilhos do género “senhor g, tem tomates?” e eu, num desalento estudado, a responder “Se procurar bem, Dona Tânia, há-de encontrar alguma coisa que lhe sirva…”.
Mas este post é só um desbloqueador de comentos, a história dos legumes fica para a próxima.
terça-feira, março 21, 2006 |
UMA SAGA TRANSGENDER
FêPêMê era um rapaz franzino, que vivia lá para as bandas septenterionais e com um problema crónico de
diarreia. Para qualquer lado que se movesse tinha sempre que levar o fraldão
atrás. Era um problema com as miúdas, uma vez que nem se podia chegar a
elas. Aliviava-se dessa precisão de outras formas: aproximava-se das vacas
com languidez e vá de zurzir nas mesmas. Muitas fugiam, mas outras acabavam
por ceder aos seus encantos de boi cobridor. O problema só surgia quando lhe
apetecia um pouco de sexo oral. Nessas alturas, pegava num molhinho de ervas
e tirava o bicho para fora. Os bezerrinhos aproximavam-se com alguma rapidez
e queriam mamar na tetina. Obviamente, achavam que aquilo era um pouco
pequeno, mas à falta de melhor, lá iam. O que representava um acréscimo de
dores para o pobre rapaz, pois os dentes a despontarem nas pequenas
vaquinhas provocavam-lhe dores atrozes no seu pionés. Mas o prazer superava
isso tudo. Embora ensanguentado, afirmava-se um sorriso na cara do mancebo.
O pior era a bosta que lhe ficava agarrada à região púbica. Secava e depois
para se tirar era o bonito. "Ai! Ai! Ai!" Gritava o pobre rapaz. Um dia num
delírio de fisting bovino deixou o anel do Sporting no recto da vaca e
andou horas a chafurdar nas bostas que a Mimosa deixava espalhadas pelo prado lá
da horta dele em Paranhos. Deus não andava nada satisfeito com ele e um dia,
ia ele todo lampeiro ao volante do seu Ford Capri pela Via Panorâmica quando
-vzzzzzt! - furou um pneu. Eusébio Kalupeteka aproximou-se solícito para
ajudar. - "Hum, que belos tomates tens...Um bocadinho sumidos, mas para o
que é serve. Não queres conhecer uma nova forma de amor, mom?" - Disse o
musculado africano, que era stripper num dancing. Convertido ao
travestismo, o rapaz deixara a mania das vacas e agora meneava a saia de
lycra, as meias de rede e o top leopardo na companhia de travestis
sem-abrigo toxicodependentes e emigrantes ilegais conhecidos por nomes
artísticos como: Tânia, Lídia, Beta e Nela. Os problemas de incontinência
fecal agravavam-se e era chato porque as fraldas para adultos incontinentes
faziam enchumaço no fio dental.
Andou nisto durante alguns anos, até que um dia, enquanto esperava a sua vez
no Centro de Saúde, para mais uma consulta de rotina, conheceu a Aduzinda,
uma jovem bulímica e cheia de traumas de infância. Foi amor à primeira
vista. Juntaram os trapinhos e mudaram-se para umas águas-furtadas no Bairro
da Sé, rachando a renda a meias com o padrasto dela, que era cantoneiro de
limpeza na Câmara do Porto e um pervertido de primeira.
O casal não teve vida fácil, pois o velho, além de continuar a malhar na
fenda da enteada, começou a reparar nas formas do FêPêMê, e, antes que o
rapaz tivesse tempo de dar um pio, zunga!, já tinha o enrugado tarolo
enfiado tripa acima. Não foi uma má experiência, porque logo no dia seguinte
a Aduzinda já tinha as malas à porta e entre soluços e golfadas de vómito, a
moça ia contando à vizinhança a sua triste história. Nisto, aparece Eusébio,
que irrompe escada acima e encontra os dois amantes em frenética actividade
sexual, tendo alguma dificuldade em perceber quem era quem, devido à
quantidade de merda que cobria seus corpos suados. Num ataque de raiva e
ciúme, atirou o velho pela janela e pegou no FêPêMê ao colo, levando-o para
casa.
Dois meses depois o fê já farto daquilo, coitado, (o cabrão do preto
tranco-o num cubículo num vão de escada onde já toda a vizinhança tinha
chave)... vrrrouummmmmmm de fuga, só parou numa área montanhosa do nordeste. Aí sim encontrou o
paraíso... assim que pediu uma pequena informação ao condutor de uma
camioneta com matricula espanhola convidaram-no logo para uma paelha.
Encheram-no de açafrão,
Açoite boçal no traçado de açafrão e maçã...
Num Açor puseram-lhe uma LANÇADA
Avançada malhaçada que até fervia,
Traçado o azimute, Galiza / área montanhosa do nordeste o boçal motorista alertou seus compatriotas que ali no Nordeste
havia trabalho a fazer...
Braçal,
Carniçal,
Serviçal, alça a calça e o Panão Vai no encalço descalço, tropeça num percalço,
Confiança no Galego dança com a esperança de esquivança da cobrança pela pança...
lançada canção na festança do mete e torna a meter na bufa do panão,
Que já não bufa na herança da lembrança da moca do Eusébio mãos de fada,
Lança confiança na dança da esperança...
A perseverança da sua pança com a trancada do Esperança,
É poção lançada na festança,
Segurança, semelhança, tardança Verossimilhança,
na vingança da vizinhança.
Arção Canção Feição de segurança na ficção da tardança,
Porção
Poção
AH! GRANDE FIDALGO DO NORDESTE!
FIM
Ficha técnica:
Produção: Chouriço
Texto: Chouriço, Assento da Sanita, Zeca Galhão & fininhO
Pesquisa fotográfica: Zeca Galhão.
Piadinhas do fim ao estilo apanhados do making of:
Zeca: Pás, estive sem sevidor até agora, e aproveitei para ir comer uma sande de
torresmos.
Se quiserem juntem isto, ou então não.
Em anexo vão três fotos.
UM CONTO DE PRIMAVERA
Aurélio Seborreia dava voltas na cama. Eram seis da manhã e ele não conseguia dormir. Os pombos no telhado, mesmo por cima do quarto, andavam agitados. O rebuliço e o arrulhar contínuo por cima da cabeça não o deixavam em descanso. Raios partissem os bichos. Que se passava hoje? Logo tão cedo…E ele que tinha lá um monte de ofícios para aviar na repartição. O chefe ia pressioná-lo de certeza.E com a falta de sono ele ia estar atarantado e baralhar a papelada. No telhado, um pombo cinzento andava todo arrufado atrás de uma pombinha branca, que se fazia cara. O gajo andava a ver se lhe saltava para cima. Mas a pombinha, ciosa da sua cloaca, escapulia-se por entre as telhas andadeiras e por entre as tábuas da trapeira. Escondido atrás da chaminé estava outro pombo com ares de galifão. Assim que viu a pombinha branca passar arisca, saltou-lhe para cima. Com grande espalhafato a pomba branca bateu as asas, bicou-o e consegui escapar. Outra pomba mais velha insinuava-se em cima de uma telha de vidro e vários pombos mais jovens disputavam a cobrição com grande ruído. Outro pombo maldoso aproveitara a confusão para galar a pomba branca, que entretanto se rendera à concupiscência carnal. Não valia a pena. Com tantos machos libidinosos e desvairados, o melhor era ir à função de uma vez por todas. Todo o telhado estava num buliço frenético de sexo colombino despudurado e frenético. As cloacas das fêmeas eram zurzidas a um ritmo alucinante. Elas escapuliam-se para serem, quase acto contínuo, cevadas por mais um ou dois pombos desvairados. Mesmo alguns pombos-macho não conseguiram escapar à fúria cobridora de outros mais azougados e distraídos. Aurélio dava voltas e mais voltas na cama e tentava tapar a cabeça com a almofada. – “Porra! Isto é demais!” – gritou. A algazarra subia de tom no telhado e Aurélio decidiu acabar com aquilo. Subiu pelo alçapão da clarabóia e trepou para o telhado aos tropeções. Viu-se no meio de uma nuvem de penas e de vários novelos de pombos embrulhados em remoinho, que nem sequer deram pela sua presença. Os funcionários do banco, que era num edificio alto que ficava em frente, estavam a começar a vir á janela observar Aurélio que perseguia os pombos. Alguns pombos espantaram-se mas rapidamente voltaram á orgia de cobrição desvairada, tentando mesmo alguns galar Aurélio, que os enxotava com raiva. A brisa da Primavera fazia-se sentir. Estava ainda fria e levantava remoinhos de penas. Nisto, - vzzzzzzt! – empurrada pelo vento, a porta do alçapão fechou-se e trancou Aurélio no telhado. Incrédulo, tentou abrir a porta em vão. Fez força e mais força, mas nada. Nem queria acreditar. Passaram horas e ele continuava desesperado, de pijama, sentado nas telhas e no meio do frenesi dos pombos. O pior era que estava muito aflito para evacuar. Encolheu as fezes tripa acima durante muito tempo, na esperança que algum vizinho o socorresse e ainda conseguisse suster a pródiga larada que se assomava ao esfíncter. Os do banco já se tinham desinteressado daquilo e ninguém estava à janela. Já que eles não estavam a ver, decidiu baixar as calças do pijama e defecar mesmo ali. Um funcionário do banco, que passava junto á janela, nem queria acreditar no que via. Chamou os outros que se acotovelaram para espreitar. A vizinhança começava a juntar-se, a rir e comentar. Aurélio tentou esconder-se atrás da chaminé enquanto tentava limpar o rabo com um tufo de penas de pombo. A risota generalizou-se. Passado duas horas, o aturdido Aurélio, lá desceu a escada Magirus auxiliado por um bombeiro que não conseguia controlar um esgar de gozo permanente.
Era quase hora do almoço e tocaram à campainha. – “ah, és tu. Entra, entra. Estava aqui a fazer o almoço.” – Disse Aurélio ao amigo. – “Olha, almoças aqui comigo. Estou a fazer uma tachada de arroz de pombo que vai dar para três quinze dias”.
FIM
quinta-feira, março 16, 2006 |
DROGA, LOUCURA, MORTE
Zeca Galhão ouvira falar nas propriedades psicotrópicas de uma erva vulgar, o estramónio ou figueira-do-inferno, que tinha fama de ser muito poderosa como alucinogénico dissociativo. Colocou, como lhe tinham indicado, uma folha no sovaco e esperou. Cinco minutos e nada. Dez minutos. Sentia-se um bocado lento de movimentos e a cabeça anormalmente leve. Passado um quarto de hora, ainda não sentia nada de especial, mas reparou melhor e pareceu-lhe que as paredes do quarto, repletas de cartazes da Magda de Moscavide, ondulavam e emitiam uma luminosidade estranha. Levantou-se para observar melhor e – Céus! – as paredes estavam cobertas de notas de 100 euros! Zeca começou a esgatanhar a parede com as unhas, a arrancar furiosamente as notas da parede e a atafulhá-las nos bolsos das calças. A Magda saíra do poster e começava a rebolar-se sedutora aos pés do Zeca, mas os olhos dela eram pequeninos e piscavam como os do Presidente da República.A popa cheia de laca, o tom de pele alaranjado-escuro e saliva aos cantos da boca também lhe faziam lembrar o Presidente. Repeliu a ucraniana um pouco confuso. Pelo canto do olho estava a ver um bebé a tocar trompete atrás da porta. Foi até à janela apanhar ar. A paisagem da Parede pareceu-lhe estranha. A Parede era um glorioso vale cercado por montanhas que eram os joelhos de uma figura humana de proporções cósmicas. Estava reclinado no horizonte e perdia-se no céu, tendo o Sol por cabeça. O mar eram umas imensas calças de ganga e a Caparica e o Cabo Espichel os seus dedos. Estava serenamente imóvel. Sempre estivera ali, fora do tempo, contemplando o Cosmos e a Parede. Zeca, assombrado, sentiu-se pequeno como uma pulga. –“É Deus!...Estou a ver Deus!...” - pensou. – “Esteve sempre ali e eu nunca reparei nele…”. Saltou pela janela e caiu. Caiu durante horas enquanto pensamentos fulgurantes lhe cruzavam o cérebro à velocidade da luz, num cósmico remoinho refulgente e multicolor. Caiu sem estrondo numa superfície mole, peluda e viscosa que pulsava expelindo vagas de odores urinários que o nauseavam. Era uma gigantesca vagina e ele resvalava numa massa orgânica purulenta. Ele sabia que era da D. Tânia, esta descomunal vagina, que o queria engolir e digerir. Em pânico, trepou por entre os pêlos argamassados contra os grandes lábios que escorriam muco, tentando fugir. O coração do Zeca cavalgava acelerado e sentia o sangue a latejar na cabeça. – “Tenho de fugir!” Correu aos tropeções pela virilha, entre as pastadas de pó-de-talco, suor e esmegma e de um salto, atingiu o chão do quarto. Silêncio. Uma enorme morcela rôxo-escura, que se vestia como o Quentin Tarentino, liquefazia-se em silêncio sobre o soalho. Zeca correu pela porta, mas esta dava para uma igreja em vez da habitual sala de estar. A pedra parecia estar a passar e a realidade voltava agora ao normal. Olhou para o relógio e constatou boquiaberto que tinham passado dez dias. Doía-lhe muito a cabeça. Onde estava afinal? Que fizera tresloucado pela alucinação? Olhou para si e viu que estava vestido de noivo. No altar estava a D. Tânia sorridente. O olhar silencioso dos convidados cercava-o. “Zeca Galhão, aceita como sua esposa, Tânia Kalupeteca da Silva, por sua esposa, para o bem e para o mal, até que a morte vos separe?” – Disse o padre. Zeca engoliu com dificuldade o nó na garganta que o sufocava e disse um sumido “sim”. Ela sorriu, pensando nas noites de sexo desenfreado e louco que iriam ter.
FIM
Zeca Galhão ouvira falar nas propriedades psicotrópicas de uma erva vulgar, o estramónio ou figueira-do-inferno, que tinha fama de ser muito poderosa como alucinogénico dissociativo. Colocou, como lhe tinham indicado, uma folha no sovaco e esperou. Cinco minutos e nada. Dez minutos. Sentia-se um bocado lento de movimentos e a cabeça anormalmente leve. Passado um quarto de hora, ainda não sentia nada de especial, mas reparou melhor e pareceu-lhe que as paredes do quarto, repletas de cartazes da Magda de Moscavide, ondulavam e emitiam uma luminosidade estranha. Levantou-se para observar melhor e – Céus! – as paredes estavam cobertas de notas de 100 euros! Zeca começou a esgatanhar a parede com as unhas, a arrancar furiosamente as notas da parede e a atafulhá-las nos bolsos das calças. A Magda saíra do poster e começava a rebolar-se sedutora aos pés do Zeca, mas os olhos dela eram pequeninos e piscavam como os do Presidente da República.A popa cheia de laca, o tom de pele alaranjado-escuro e saliva aos cantos da boca também lhe faziam lembrar o Presidente. Repeliu a ucraniana um pouco confuso. Pelo canto do olho estava a ver um bebé a tocar trompete atrás da porta. Foi até à janela apanhar ar. A paisagem da Parede pareceu-lhe estranha. A Parede era um glorioso vale cercado por montanhas que eram os joelhos de uma figura humana de proporções cósmicas. Estava reclinado no horizonte e perdia-se no céu, tendo o Sol por cabeça. O mar eram umas imensas calças de ganga e a Caparica e o Cabo Espichel os seus dedos. Estava serenamente imóvel. Sempre estivera ali, fora do tempo, contemplando o Cosmos e a Parede. Zeca, assombrado, sentiu-se pequeno como uma pulga. –“É Deus!...Estou a ver Deus!...” - pensou. – “Esteve sempre ali e eu nunca reparei nele…”. Saltou pela janela e caiu. Caiu durante horas enquanto pensamentos fulgurantes lhe cruzavam o cérebro à velocidade da luz, num cósmico remoinho refulgente e multicolor. Caiu sem estrondo numa superfície mole, peluda e viscosa que pulsava expelindo vagas de odores urinários que o nauseavam. Era uma gigantesca vagina e ele resvalava numa massa orgânica purulenta. Ele sabia que era da D. Tânia, esta descomunal vagina, que o queria engolir e digerir. Em pânico, trepou por entre os pêlos argamassados contra os grandes lábios que escorriam muco, tentando fugir. O coração do Zeca cavalgava acelerado e sentia o sangue a latejar na cabeça. – “Tenho de fugir!” Correu aos tropeções pela virilha, entre as pastadas de pó-de-talco, suor e esmegma e de um salto, atingiu o chão do quarto. Silêncio. Uma enorme morcela rôxo-escura, que se vestia como o Quentin Tarentino, liquefazia-se em silêncio sobre o soalho. Zeca correu pela porta, mas esta dava para uma igreja em vez da habitual sala de estar. A pedra parecia estar a passar e a realidade voltava agora ao normal. Olhou para o relógio e constatou boquiaberto que tinham passado dez dias. Doía-lhe muito a cabeça. Onde estava afinal? Que fizera tresloucado pela alucinação? Olhou para si e viu que estava vestido de noivo. No altar estava a D. Tânia sorridente. O olhar silencioso dos convidados cercava-o. “Zeca Galhão, aceita como sua esposa, Tânia Kalupeteca da Silva, por sua esposa, para o bem e para o mal, até que a morte vos separe?” – Disse o padre. Zeca engoliu com dificuldade o nó na garganta que o sufocava e disse um sumido “sim”. Ela sorriu, pensando nas noites de sexo desenfreado e louco que iriam ter.
FIM
terça-feira, março 14, 2006 |
Piada em estrangeiro
"Darlin', I'm sorry but I won't be going to your place tonight. You see... It seems I ended up with some sort of and the Doctor told me to take it easy for a while..."
"Darlin', I'm sorry but I won't be going to your place tonight. You see... It seems I ended up with some sort of and the Doctor told me to take it easy for a while..."
sexta-feira, março 10, 2006 |
As minhas cinco manias, por Vareta Funda
Em resposta ao desafio da querida Trilby, essa moça recentemente vestida, vi-me confrontado com algumas opções. Duas, para ser mais preciso, a saber: ou puxas o pé à graçola e te descartas disto com ligeireza, ou introspectas e não sabes bem o que vais encontrar e depois é o Diabo. Ora… eu olhei para as opções, as opções olharam para mim, a conversa correu bem e acabámos os três juntos, com trocas de números de telefone na manhã seguinte e tudo. Portanto:
As minhas cinco manias, por Vareta Funda – versão 1
1 – Tenho a mania de que os meus odores corporais são opressivos. Sim; este vosso amigo, tão bem apessoado, porte tão distinto, traços de beleza tão radiosa e humilde, tem o pavor de cheirar mal. Da boca, dos pés, das partes, da sovaqueira – não interessa. Qualquer sítio é alvo da minha dúvida. A cada vez que me dispo, o meu nariz parece a Inquisição. “Onde estás tu, odor herege?! Apresenta-te para seres relaxado ao braço secular!” Felizmente, para mim e para quem calha, eles não vão aparecendo. Mas nem por isso a paranóia é menor. O descuido, a incúria, o excesso de confiança são os adubos destas almas malditas. Lavo-me, relavo-me, dentifrico-me, elixirmo-me, aerosolo-me, rollono-me e, mesmo assim, só me sinto “a salvo” quando acabo de sair do chuveiro. Se alguma vez cheirei mal ao pé de vocês, por favor: não mo digam! Seria o suficiente para fazer ruir o frágil edifício em que assento, lançando-me no mais profundo desespero.
2 – Tenho a mania de não ir ao dentista. Desde os meus 4 anos, quando fui forçado a arrancar um dente de leite (e gritando tanto ou tão pouco que duas senhoras saíram a correr da sala de espera, ao que me dizem), nunca mais a minha dentição foi acometida pela dor ou submetida ao exame de um especialista. Há por aqui uns caninos saídos mas nunca me fizeram deixar de sorrir. Trato o melhor que posso da minha higiene oral (vide ponto 1…) mas confrange-me a ideia de marcar uma consulta e ir abrir a boca para que um gajo ou uma gaja mexa cá dentro. A minha boca é minha! Acho humilhantes todos os procedimentos: os aspiradores da baba, as respostas em monossílabos guturais, as capas, as pontes, as massas. Mas até acho piada a placas. E a pivôs.
3 – Tenho a mania de comprar pão a mais. Gosto de pão, gosto mesmo muito de pão. Mas nunca como tanto como me acho capaz de comer assim que entro numa padaria. Mal vejo cestos com pão, a minha mente derrete-se em manteiga e o meu estômago diz-me “Vá lá! Anda! Tudo o que for menos de dois pães de quilo é pouco!” . E eu vou e compro e lambuzo-me mentalmente e antecipo o prazer (há até quem diga que já me viu a sair de padarias com uma erecção de proporções bíblicas mas… diz-se tanta coisa p’raí…) de espetar a faca naquele ventre de massa e o untar de qualquer gordura comestível (não vos estou a tirar o apetite, espero…). Como pão com um gosto sanguinário, como quem se vinga de um inimigo, mas a natureza é a natureza e o estômago, por mais que se insufle com o gás da cerveja, só aguenta o que aguenta. Dificilmente haverá um dia em que não tenha pão seco em casa mas basta-me passar à porta de uma padaria e as vozes na minha cabeça começam outra vez…
4 – Tenho a mania de ser acometido de pequenos pânico – ou micro-ansiedades – quando não me lembro onde guardei ou deixei qualquer coisa. É mesmo qualquer coisa. Hoje, por exemplo, foi a caderneta militar. “Mas onde é que eu posso ter deixado aquela merda?!”, perguntei-me, desculpando-me depois pelo vocabulário pouco adequado à instituição militar. Felizmente ou não, estas crises passam-se quando eu não preciso das coisas. E geralmente resolvem-se depressa. Lembrei-me pouco depois que tenho a caderneta militar em Tomar, numa gaveta, dentro da cédula de nascimento. As pessoas a quem já emprestei CDs sabem do que é que falo. “Por acaso não és tu que tens o meu disco do Grupo Típico Festada da Trofa?” poderia ser uma pergunta recorrente, se eu não soubesse que esse mesmo disco está em Tomar, num álbum (do tempo em que se compravam álbuns para guardar lp’s), debaixo da cama do quarto do meio.
5 – Tenho a mania de me achar piada. Rio-me comigo e de mim várias vezes por dia. Rio-me das piadas que vou dizer, anulando-lhes o efeito. Rio-me das piadas que deixo por dizer. Rio-me do que me acontece e dos ridículos em que caio. Rio-me do que imagino que podia fazer ou dizer. E sinto-me sempre melhor depois disso. Nem todas as manias são más.
As minhas cinco manias, por Vareta Funda – versão 2
1 – Tenho a mania de dizer, logo a partir de Janeiro, “tens que ouvir isto, pá!, é o melhor álbum do ano!”. Não seria grave, se a frase não fosse repetida várias vezes ao ano para discos diferentes – e se este mesmo comportamento se limitasse aos discos. As minhas paixões não me morrem, mas sou atreito a encantamentos quase diários, pequenos fogos-fátuos em que início e fim mal se separam. Não há qualquer consequência, não há prejuízo, há só uma alegria pueril no “que poderia ter sido”.
2 – Tenho a mania de me calar em situações incómodas. Não sei discutir.
3 – Tenho a mania de falar demais quando falo do que gosto. Não é demais no sentido de dizer o que não devo, é demais em tempo. Consigo ser incrivelmente maçador se me deixam falar de música, da família, dos outros ou de mim. Ou, pelo menos, tenho a mania que sim.
4 – Há quem diga que ver-me comer é um tormento. Como devagar, com método, com rigor, com minúcia, cortando em pedaços o que já está cortado em pedaços e cortando, depois, os pedaços que cortei dos pedaços que havia. Sou quase sempre o último a acabar uma refeição. Não tenho pressa. Nunca tive muita. Não sou urgente. Faço as coisas no meu tempo, adio algumas coisas mais do que devia, defendo o mais que posso a minha tranquilidade e tento repousar na dos outros sempre que a encontro. Não sou pró-activo nem reactivo – sou um bocadinho dormente, cheio de ideias às quais me agarro como um cão às canelas de um carteiro, ainda que as concretize devagar. Depressa e bem não faz ninguém, não é?…
5 – Tenho a mania de querer ver os outros felizes. E a esperança de que tal mania não seja só um egoísmo de barómetro.
Em resposta ao desafio da querida Trilby, essa moça recentemente vestida, vi-me confrontado com algumas opções. Duas, para ser mais preciso, a saber: ou puxas o pé à graçola e te descartas disto com ligeireza, ou introspectas e não sabes bem o que vais encontrar e depois é o Diabo. Ora… eu olhei para as opções, as opções olharam para mim, a conversa correu bem e acabámos os três juntos, com trocas de números de telefone na manhã seguinte e tudo. Portanto:
As minhas cinco manias, por Vareta Funda – versão 1
1 – Tenho a mania de que os meus odores corporais são opressivos. Sim; este vosso amigo, tão bem apessoado, porte tão distinto, traços de beleza tão radiosa e humilde, tem o pavor de cheirar mal. Da boca, dos pés, das partes, da sovaqueira – não interessa. Qualquer sítio é alvo da minha dúvida. A cada vez que me dispo, o meu nariz parece a Inquisição. “Onde estás tu, odor herege?! Apresenta-te para seres relaxado ao braço secular!” Felizmente, para mim e para quem calha, eles não vão aparecendo. Mas nem por isso a paranóia é menor. O descuido, a incúria, o excesso de confiança são os adubos destas almas malditas. Lavo-me, relavo-me, dentifrico-me, elixirmo-me, aerosolo-me, rollono-me e, mesmo assim, só me sinto “a salvo” quando acabo de sair do chuveiro. Se alguma vez cheirei mal ao pé de vocês, por favor: não mo digam! Seria o suficiente para fazer ruir o frágil edifício em que assento, lançando-me no mais profundo desespero.
2 – Tenho a mania de não ir ao dentista. Desde os meus 4 anos, quando fui forçado a arrancar um dente de leite (e gritando tanto ou tão pouco que duas senhoras saíram a correr da sala de espera, ao que me dizem), nunca mais a minha dentição foi acometida pela dor ou submetida ao exame de um especialista. Há por aqui uns caninos saídos mas nunca me fizeram deixar de sorrir. Trato o melhor que posso da minha higiene oral (vide ponto 1…) mas confrange-me a ideia de marcar uma consulta e ir abrir a boca para que um gajo ou uma gaja mexa cá dentro. A minha boca é minha! Acho humilhantes todos os procedimentos: os aspiradores da baba, as respostas em monossílabos guturais, as capas, as pontes, as massas. Mas até acho piada a placas. E a pivôs.
3 – Tenho a mania de comprar pão a mais. Gosto de pão, gosto mesmo muito de pão. Mas nunca como tanto como me acho capaz de comer assim que entro numa padaria. Mal vejo cestos com pão, a minha mente derrete-se em manteiga e o meu estômago diz-me “Vá lá! Anda! Tudo o que for menos de dois pães de quilo é pouco!” . E eu vou e compro e lambuzo-me mentalmente e antecipo o prazer (há até quem diga que já me viu a sair de padarias com uma erecção de proporções bíblicas mas… diz-se tanta coisa p’raí…) de espetar a faca naquele ventre de massa e o untar de qualquer gordura comestível (não vos estou a tirar o apetite, espero…). Como pão com um gosto sanguinário, como quem se vinga de um inimigo, mas a natureza é a natureza e o estômago, por mais que se insufle com o gás da cerveja, só aguenta o que aguenta. Dificilmente haverá um dia em que não tenha pão seco em casa mas basta-me passar à porta de uma padaria e as vozes na minha cabeça começam outra vez…
4 – Tenho a mania de ser acometido de pequenos pânico – ou micro-ansiedades – quando não me lembro onde guardei ou deixei qualquer coisa. É mesmo qualquer coisa. Hoje, por exemplo, foi a caderneta militar. “Mas onde é que eu posso ter deixado aquela merda?!”, perguntei-me, desculpando-me depois pelo vocabulário pouco adequado à instituição militar. Felizmente ou não, estas crises passam-se quando eu não preciso das coisas. E geralmente resolvem-se depressa. Lembrei-me pouco depois que tenho a caderneta militar em Tomar, numa gaveta, dentro da cédula de nascimento. As pessoas a quem já emprestei CDs sabem do que é que falo. “Por acaso não és tu que tens o meu disco do Grupo Típico Festada da Trofa?” poderia ser uma pergunta recorrente, se eu não soubesse que esse mesmo disco está em Tomar, num álbum (do tempo em que se compravam álbuns para guardar lp’s), debaixo da cama do quarto do meio.
5 – Tenho a mania de me achar piada. Rio-me comigo e de mim várias vezes por dia. Rio-me das piadas que vou dizer, anulando-lhes o efeito. Rio-me das piadas que deixo por dizer. Rio-me do que me acontece e dos ridículos em que caio. Rio-me do que imagino que podia fazer ou dizer. E sinto-me sempre melhor depois disso. Nem todas as manias são más.
As minhas cinco manias, por Vareta Funda – versão 2
1 – Tenho a mania de dizer, logo a partir de Janeiro, “tens que ouvir isto, pá!, é o melhor álbum do ano!”. Não seria grave, se a frase não fosse repetida várias vezes ao ano para discos diferentes – e se este mesmo comportamento se limitasse aos discos. As minhas paixões não me morrem, mas sou atreito a encantamentos quase diários, pequenos fogos-fátuos em que início e fim mal se separam. Não há qualquer consequência, não há prejuízo, há só uma alegria pueril no “que poderia ter sido”.
2 – Tenho a mania de me calar em situações incómodas. Não sei discutir.
3 – Tenho a mania de falar demais quando falo do que gosto. Não é demais no sentido de dizer o que não devo, é demais em tempo. Consigo ser incrivelmente maçador se me deixam falar de música, da família, dos outros ou de mim. Ou, pelo menos, tenho a mania que sim.
4 – Há quem diga que ver-me comer é um tormento. Como devagar, com método, com rigor, com minúcia, cortando em pedaços o que já está cortado em pedaços e cortando, depois, os pedaços que cortei dos pedaços que havia. Sou quase sempre o último a acabar uma refeição. Não tenho pressa. Nunca tive muita. Não sou urgente. Faço as coisas no meu tempo, adio algumas coisas mais do que devia, defendo o mais que posso a minha tranquilidade e tento repousar na dos outros sempre que a encontro. Não sou pró-activo nem reactivo – sou um bocadinho dormente, cheio de ideias às quais me agarro como um cão às canelas de um carteiro, ainda que as concretize devagar. Depressa e bem não faz ninguém, não é?…
5 – Tenho a mania de querer ver os outros felizes. E a esperança de que tal mania não seja só um egoísmo de barómetro.
quarta-feira, março 08, 2006 |
As grandes questões da humanidade dissecadas em 2 páginas – vol. 4
- Então e o que é que contas de ti, pá? – perguntou o outro, com o ar bonacheirão e assertivo de quem se tem por garantido.
Para ele, era das piores perguntas que lhe podiam fazer. Apetecia-lhe sempre responder “Bom, começou tudo num dia frio e chuvoso de Primavera, quando a minha mãe sentiu as primeiras contracções. O meu pai levou-a à clínica e o parto correu bem, sem grande história. Aos dois meses pesava não sei quanto e media um palmo e meio…” mas nunca o fazia. Se calhar eram demasiadas as vezes em que não fazia o que lhe apetecia, se bem que as coisas raramente lhe apetecessem instantaneamente. Havia uma renitência do corpo em manifestar-se, por um lado, e havia também, por outro, uma ligeira tibieza do espírito em tudo o que dizia respeito aos outros. Tudo somado, não era pessoa de muitos apetites. Para compensar, quando os tinha eram grandes e intensos e pesavam-lhe no corpo e tremia e ficava com as pulsações alteradas. Volta e meia desmaiava, como se o corpo exigisse que lhe deixasse de apetecer o que quer que fosse que o deixara naquele estado. O mais das vezes não desmaiava: saciava o apetite e ficava sempre intrigado por que lhe apetecera tanto aquilo, fosse “aquilo” uma mulher ou um prato de esparguete. “Tu é que és parvo, que até a satisfação relativizas…”, acusava-se. E não sem alguma justiça. Tanto quanto podia julgar, a sua vida não era nem mais nem menos excitante ou intensa que a dos outros. Ainda assim, sentia que tudo o que lhe acontecia era como que filtrado por um antibiótico de largo espectro, que expurgava o muito mau e relativizava tudo o resto.
Ora, tudo o que lhe acontecia era tudo – sim, que a sua vida vinha-lhe acontecendo. Não era uma questão de acaso, longe disso. Era antes uma sucessão de semi-escolhas instintivas e uma disponibilidade do tamanho dos seus dias. Sem dar por isso, enchera-se-lhe a vida de gente sem que os dias houvessem crescido. Ajudava-o a facilidade que tinha em gostar dos outros, genuinamente e sem fretes, sem que isso o fizesse perceber melhor o que raio levaria as outras pessoas a gostarem dele. “Conheces-te tão completamente que não sabes nada de ti” – guardava para si este hábito bizarro dos aforismos de pacotilha, felizmente, por mais acertados que fossem, como era o caso. E conhecia-se, tudo leva a crer que sim, mas não sabia dizer-se. Que ele há quem saiba (ou pense que sim) dizer-se e o faça com denodo… “Eu cá sou assim e assim; não sou nada assim nem assado; e eu nessa situação reagia de outra maneira que eu conheço-me bem…” até que os ouvidos se nos tapam de tanto discurso-serúmen. Mas outros não, ou não sabem dizer-se ou se calam, para bem de quem não quer conhecer as pessoas por uma espécie de powerpoint de café.
“O que é que eu conto de mim… ainda não tenho história… não há nada de definitivo para contar e qual é o valor de contar qualquer coisa em construção?”, ia-se desculpando – e relativizando, lá está, qualquer coisa que ficava entre a timidez e a inabilidade.
- Nada de especial. E tu? – respondeu, por fim, quando lhe pesou demais o olhar inquiridor do outro.
O outro olhara-o, sim, mas não como quem olha para o boneco. Havia ali um querer saber sincero e urgente, como sincera e urgente era a sua existência. A sua vida era para fazer e ele fazia, sempre, com entusiasmo, sem se perguntar ou pensar duas vezes. Teria, talvez, as horas mais cheias de si que de outros – fosse como fosse, era ele quem definia o seu próprio horário, sem desconforto algum porque havia sempre mais qualquer coisa para fazer. O seu espírito era avesso ao verbo “estar” . Custava-lhe “estar” com os amigos, por exemplo: “com os amigos vai-se jantar; toma-se um café; bebe-se um copo; vai-se ver a bola ou vai-se à discoteca ver as gajas!”, pressupondo uma qualquer acção que se encerra de vez, sem deixar as pontas soltas do simples estar.
Confrangiam-no os momentos de indecisão dos outros e sentia-se sempre no dever de resolver as coisas. Não se considerava particularmente qualificado para o efeito mas era compelido a isso pelo pavor de estar a perder tempo e pela angústia que sentia quando os outros “não sabiam o que fazer”, fosse em caso de divórcio ou de decidir para onde ir depois do jantar. Acreditava que qualquer situação fornecia pistas evidentes e assim sentia que o seu caminho estava sempre sinalizado pela sua própria determinação. Se isto não o desresponsabilizava, deixava-o. pelo menos, sem receio de errar.
Sem receio de errar nem de outras coisas. Só receava não ter tempo e deixar coisas por fazer e só se recriminava pelas oportunidades perdidas – gaveta em que cabia tudo o que lhe fugira, mais do que perdera.
Olhava o amigo à espera de resposta e antecipava o prazer de a receber. A sua memória era pouco menos que prodigiosa e gostava de “conhecer o percurso” das pessoas que estimava – e ficava-lhe ferrado, sendo capaz de relembrar qualquer pequeno episódio contado de relance, qualquer nome soprado apenas uma vez, por mais ou menos conveniente que isso fosse. Lembrava-se sem esforço, como se lembrar fosse o principal traço do seu gostar dos outros. “Vês? Eu nunca me esqueço!” era uma frase bem verdadeira quando ele a pronunciava.
A resposta do amigo desconcertou-o, como o desconcertavam sempre as evasivas.
- Pois, pois… Quem te ouvisse havia de pensar que andas pela vida sem fazer nada…
- Então e o que é que contas de ti, pá? – perguntou o outro, com o ar bonacheirão e assertivo de quem se tem por garantido.
Para ele, era das piores perguntas que lhe podiam fazer. Apetecia-lhe sempre responder “Bom, começou tudo num dia frio e chuvoso de Primavera, quando a minha mãe sentiu as primeiras contracções. O meu pai levou-a à clínica e o parto correu bem, sem grande história. Aos dois meses pesava não sei quanto e media um palmo e meio…” mas nunca o fazia. Se calhar eram demasiadas as vezes em que não fazia o que lhe apetecia, se bem que as coisas raramente lhe apetecessem instantaneamente. Havia uma renitência do corpo em manifestar-se, por um lado, e havia também, por outro, uma ligeira tibieza do espírito em tudo o que dizia respeito aos outros. Tudo somado, não era pessoa de muitos apetites. Para compensar, quando os tinha eram grandes e intensos e pesavam-lhe no corpo e tremia e ficava com as pulsações alteradas. Volta e meia desmaiava, como se o corpo exigisse que lhe deixasse de apetecer o que quer que fosse que o deixara naquele estado. O mais das vezes não desmaiava: saciava o apetite e ficava sempre intrigado por que lhe apetecera tanto aquilo, fosse “aquilo” uma mulher ou um prato de esparguete. “Tu é que és parvo, que até a satisfação relativizas…”, acusava-se. E não sem alguma justiça. Tanto quanto podia julgar, a sua vida não era nem mais nem menos excitante ou intensa que a dos outros. Ainda assim, sentia que tudo o que lhe acontecia era como que filtrado por um antibiótico de largo espectro, que expurgava o muito mau e relativizava tudo o resto.
Ora, tudo o que lhe acontecia era tudo – sim, que a sua vida vinha-lhe acontecendo. Não era uma questão de acaso, longe disso. Era antes uma sucessão de semi-escolhas instintivas e uma disponibilidade do tamanho dos seus dias. Sem dar por isso, enchera-se-lhe a vida de gente sem que os dias houvessem crescido. Ajudava-o a facilidade que tinha em gostar dos outros, genuinamente e sem fretes, sem que isso o fizesse perceber melhor o que raio levaria as outras pessoas a gostarem dele. “Conheces-te tão completamente que não sabes nada de ti” – guardava para si este hábito bizarro dos aforismos de pacotilha, felizmente, por mais acertados que fossem, como era o caso. E conhecia-se, tudo leva a crer que sim, mas não sabia dizer-se. Que ele há quem saiba (ou pense que sim) dizer-se e o faça com denodo… “Eu cá sou assim e assim; não sou nada assim nem assado; e eu nessa situação reagia de outra maneira que eu conheço-me bem…” até que os ouvidos se nos tapam de tanto discurso-serúmen. Mas outros não, ou não sabem dizer-se ou se calam, para bem de quem não quer conhecer as pessoas por uma espécie de powerpoint de café.
“O que é que eu conto de mim… ainda não tenho história… não há nada de definitivo para contar e qual é o valor de contar qualquer coisa em construção?”, ia-se desculpando – e relativizando, lá está, qualquer coisa que ficava entre a timidez e a inabilidade.
- Nada de especial. E tu? – respondeu, por fim, quando lhe pesou demais o olhar inquiridor do outro.
O outro olhara-o, sim, mas não como quem olha para o boneco. Havia ali um querer saber sincero e urgente, como sincera e urgente era a sua existência. A sua vida era para fazer e ele fazia, sempre, com entusiasmo, sem se perguntar ou pensar duas vezes. Teria, talvez, as horas mais cheias de si que de outros – fosse como fosse, era ele quem definia o seu próprio horário, sem desconforto algum porque havia sempre mais qualquer coisa para fazer. O seu espírito era avesso ao verbo “estar” . Custava-lhe “estar” com os amigos, por exemplo: “com os amigos vai-se jantar; toma-se um café; bebe-se um copo; vai-se ver a bola ou vai-se à discoteca ver as gajas!”, pressupondo uma qualquer acção que se encerra de vez, sem deixar as pontas soltas do simples estar.
Confrangiam-no os momentos de indecisão dos outros e sentia-se sempre no dever de resolver as coisas. Não se considerava particularmente qualificado para o efeito mas era compelido a isso pelo pavor de estar a perder tempo e pela angústia que sentia quando os outros “não sabiam o que fazer”, fosse em caso de divórcio ou de decidir para onde ir depois do jantar. Acreditava que qualquer situação fornecia pistas evidentes e assim sentia que o seu caminho estava sempre sinalizado pela sua própria determinação. Se isto não o desresponsabilizava, deixava-o. pelo menos, sem receio de errar.
Sem receio de errar nem de outras coisas. Só receava não ter tempo e deixar coisas por fazer e só se recriminava pelas oportunidades perdidas – gaveta em que cabia tudo o que lhe fugira, mais do que perdera.
Olhava o amigo à espera de resposta e antecipava o prazer de a receber. A sua memória era pouco menos que prodigiosa e gostava de “conhecer o percurso” das pessoas que estimava – e ficava-lhe ferrado, sendo capaz de relembrar qualquer pequeno episódio contado de relance, qualquer nome soprado apenas uma vez, por mais ou menos conveniente que isso fosse. Lembrava-se sem esforço, como se lembrar fosse o principal traço do seu gostar dos outros. “Vês? Eu nunca me esqueço!” era uma frase bem verdadeira quando ele a pronunciava.
A resposta do amigo desconcertou-o, como o desconcertavam sempre as evasivas.
- Pois, pois… Quem te ouvisse havia de pensar que andas pela vida sem fazer nada…
terça-feira, março 07, 2006 |
quinta-feira, março 02, 2006 |
O Vareta estava lá!...
Afinal, a música de dança/electrónica/chamem-lhe o que quiserem não morreu. Feitas as contas, ela vive e de que maneira nas mãos e nas cabeças de quatro tipos mais um que dão pelo singelo nome de The Bays.
Como poderão ver no site dos moços - e não são uns moços quaisquer, com o Jamie Odell dos Jimpster metido ao barulho - com os The Bays não há discos, não há ensaios, não há regras, não há agenciamento, não há chatices. Performance is the product. E que produto!...
Vieram ao LiquidRoom de Tóquio no dia 25 de Fevereiro e deram o que foi um dos mais esplêndidos concertos a que já assisti. Com Richard Barbieri como convidado, os The Bays conseguiram aliar um groove frenético às atmosferas mais fascinantes e inebriantes que o Sr. Barbieri já desde os tempos dos Japan vem criando. Foi das melhores coisinhas que esta cidade já me deu.
Vão ao site, registem-se e aproveitem os downloads grátes! Conselho de Vareta!
Afinal, a música de dança/electrónica/chamem-lhe o que quiserem não morreu. Feitas as contas, ela vive e de que maneira nas mãos e nas cabeças de quatro tipos mais um que dão pelo singelo nome de The Bays.
Como poderão ver no site dos moços - e não são uns moços quaisquer, com o Jamie Odell dos Jimpster metido ao barulho - com os The Bays não há discos, não há ensaios, não há regras, não há agenciamento, não há chatices. Performance is the product. E que produto!...
Vieram ao LiquidRoom de Tóquio no dia 25 de Fevereiro e deram o que foi um dos mais esplêndidos concertos a que já assisti. Com Richard Barbieri como convidado, os The Bays conseguiram aliar um groove frenético às atmosferas mais fascinantes e inebriantes que o Sr. Barbieri já desde os tempos dos Japan vem criando. Foi das melhores coisinhas que esta cidade já me deu.
Vão ao site, registem-se e aproveitem os downloads grátes! Conselho de Vareta!