segunda-feira, março 27, 2006 |
APONTAMENTOS DA QUARESMA. I – Sobre Maria Madalena.
Maria Madalena, por Donato di Niccolò di Betto Bardi, alias Donatello (ca. 1386, Florença, 1466, Florença). Também há uma tartaruga Ninja com o nome dele.
O meu choque foi numa sala do Museo dell'Opera di Santa Maria del Fiore. Estava lá esta escultura e eu pensei – “Valha-me Deus…. E aquele boato histórico recorrente que apresenta Maria Madalena como a mulher de Jesus?. Não pode ser. É que nem que o gajo tivesse no bucho duas garrafas inteirinhas de bagaço e uma dose tripla de LSD…”. De facto, aquela figura feminina tinha muito pouco sex appeal, pois vejamos: os longos cabelos empastados e enriçados caindo sobre uns andrajos sujos; umas pernas raquíticas com uns pés calosos e com joanetes, saindo dumas ancas inexistentes; uns olhos encovados e a boca num esgar sardónico de quem apanhou tétano no arame farpado da pocilga onde passou a noite… Comecei a rever os factos essenciais acerca desta personagem e a dúvida instalou-se. Os clientes desta ex-trabalhadora sexual não eram certamente mais que pedintes e leprosos, pessoas de muito poucos recursos e higiene. E depois Sara, uma das irmãs de Jesus conhecia esta gaja? E meteu-a lá em casa com a mãe? Depois de ter abocanhado meia Jerusalém, por meio sículo a cabeça, deu-lhe para o Misticismo. Mais incrível ainda é outro boato mais ou menos herético acerca da sua viagem para a Gália, com o filho de Jesus nos braços, onde teria dado início à dinastia Merovíngia. Quer dizer, desembarcava no porto de Massília, com aquele aspecto de quem fugiu do Patriarche e teve uma forte recaída, dirigia-se à casa de uns nobres gauleses, convertia-os ao Cristianismo e - “tomem lá esta criança, que é filha dum profeta do outro extremo do Império, que se diz filho de Deus. É para ser o vosso rei quando crescer. Se não for muito incómodo”. Estou a simplificar um bocado, acho eu, mas convenhamos que é pouco verosímil. Mas parece que a coisa foi mais complicada e mais tarde: meteu Clovís, o rei dos francos, o Papa e umas guerras, não sei bem. Mesmo seguindo uma vertente mais ortodoxa da história, Maria Madalena, tinha propensão para se meter em arruaças. Atentemos na Crucificação. Jesus estava crucificado e pronto. Ali à volta andavam, pelo menos: uma senhora que carpia (com toda a razão, diga-se) o filho morto; dois soldados a jogar às moedas para ver quem ficava com um cobertor infecto que uns gajos com um sentido de humor duvidoso tinham posto sobre os ombros do condenado; uma esponja com vinagre; um homem de certas posses, José de Arimateia, a rondar para ver se surripiava o morto e o levava para parte incerta; um desgraçado chamado Simão que descansava derreado depis ter carregado o lenho pelo Monte da Caveira acima; dois bandidos atados a cruzes que mandavam bocas; uns soldados rasos que mantinham a ordem enfastiados; uns zelotas; uns sicários judeus que iam meter tudo no cu dos sacerdotes; as irmãs do supliciado arrancando os cabelos; uns discípulos disfarçados, mormente Judas Escariote com uma boa maquia no bolso; uns seguidores que rasgavam a roupa e se cobriam de cinza; mirones; e fazendo fé em muitas pinturas medievais e renascentistas ainda algumas ovelhas e…valha-nos Deus...e uma ex-prostituta desdentada e histérica.
Nutro uma certa simpatia pela profissão de prostituta, que acho digna de respeito, diga-se, mas esta gaja não era lá muito certa da cabeça.
Maria Madalena, por Donato di Niccolò di Betto Bardi, alias Donatello (ca. 1386, Florença, 1466, Florença). Também há uma tartaruga Ninja com o nome dele.
O meu choque foi numa sala do Museo dell'Opera di Santa Maria del Fiore. Estava lá esta escultura e eu pensei – “Valha-me Deus…. E aquele boato histórico recorrente que apresenta Maria Madalena como a mulher de Jesus?. Não pode ser. É que nem que o gajo tivesse no bucho duas garrafas inteirinhas de bagaço e uma dose tripla de LSD…”. De facto, aquela figura feminina tinha muito pouco sex appeal, pois vejamos: os longos cabelos empastados e enriçados caindo sobre uns andrajos sujos; umas pernas raquíticas com uns pés calosos e com joanetes, saindo dumas ancas inexistentes; uns olhos encovados e a boca num esgar sardónico de quem apanhou tétano no arame farpado da pocilga onde passou a noite… Comecei a rever os factos essenciais acerca desta personagem e a dúvida instalou-se. Os clientes desta ex-trabalhadora sexual não eram certamente mais que pedintes e leprosos, pessoas de muito poucos recursos e higiene. E depois Sara, uma das irmãs de Jesus conhecia esta gaja? E meteu-a lá em casa com a mãe? Depois de ter abocanhado meia Jerusalém, por meio sículo a cabeça, deu-lhe para o Misticismo. Mais incrível ainda é outro boato mais ou menos herético acerca da sua viagem para a Gália, com o filho de Jesus nos braços, onde teria dado início à dinastia Merovíngia. Quer dizer, desembarcava no porto de Massília, com aquele aspecto de quem fugiu do Patriarche e teve uma forte recaída, dirigia-se à casa de uns nobres gauleses, convertia-os ao Cristianismo e - “tomem lá esta criança, que é filha dum profeta do outro extremo do Império, que se diz filho de Deus. É para ser o vosso rei quando crescer. Se não for muito incómodo”. Estou a simplificar um bocado, acho eu, mas convenhamos que é pouco verosímil. Mas parece que a coisa foi mais complicada e mais tarde: meteu Clovís, o rei dos francos, o Papa e umas guerras, não sei bem. Mesmo seguindo uma vertente mais ortodoxa da história, Maria Madalena, tinha propensão para se meter em arruaças. Atentemos na Crucificação. Jesus estava crucificado e pronto. Ali à volta andavam, pelo menos: uma senhora que carpia (com toda a razão, diga-se) o filho morto; dois soldados a jogar às moedas para ver quem ficava com um cobertor infecto que uns gajos com um sentido de humor duvidoso tinham posto sobre os ombros do condenado; uma esponja com vinagre; um homem de certas posses, José de Arimateia, a rondar para ver se surripiava o morto e o levava para parte incerta; um desgraçado chamado Simão que descansava derreado depis ter carregado o lenho pelo Monte da Caveira acima; dois bandidos atados a cruzes que mandavam bocas; uns soldados rasos que mantinham a ordem enfastiados; uns zelotas; uns sicários judeus que iam meter tudo no cu dos sacerdotes; as irmãs do supliciado arrancando os cabelos; uns discípulos disfarçados, mormente Judas Escariote com uma boa maquia no bolso; uns seguidores que rasgavam a roupa e se cobriam de cinza; mirones; e fazendo fé em muitas pinturas medievais e renascentistas ainda algumas ovelhas e…valha-nos Deus...e uma ex-prostituta desdentada e histérica.
Nutro uma certa simpatia pela profissão de prostituta, que acho digna de respeito, diga-se, mas esta gaja não era lá muito certa da cabeça.