sexta-feira, março 10, 2006 |
As minhas cinco manias, por Vareta Funda
Em resposta ao desafio da querida Trilby, essa moça recentemente vestida, vi-me confrontado com algumas opções. Duas, para ser mais preciso, a saber: ou puxas o pé à graçola e te descartas disto com ligeireza, ou introspectas e não sabes bem o que vais encontrar e depois é o Diabo. Ora… eu olhei para as opções, as opções olharam para mim, a conversa correu bem e acabámos os três juntos, com trocas de números de telefone na manhã seguinte e tudo. Portanto:
As minhas cinco manias, por Vareta Funda – versão 1
1 – Tenho a mania de que os meus odores corporais são opressivos. Sim; este vosso amigo, tão bem apessoado, porte tão distinto, traços de beleza tão radiosa e humilde, tem o pavor de cheirar mal. Da boca, dos pés, das partes, da sovaqueira – não interessa. Qualquer sítio é alvo da minha dúvida. A cada vez que me dispo, o meu nariz parece a Inquisição. “Onde estás tu, odor herege?! Apresenta-te para seres relaxado ao braço secular!” Felizmente, para mim e para quem calha, eles não vão aparecendo. Mas nem por isso a paranóia é menor. O descuido, a incúria, o excesso de confiança são os adubos destas almas malditas. Lavo-me, relavo-me, dentifrico-me, elixirmo-me, aerosolo-me, rollono-me e, mesmo assim, só me sinto “a salvo” quando acabo de sair do chuveiro. Se alguma vez cheirei mal ao pé de vocês, por favor: não mo digam! Seria o suficiente para fazer ruir o frágil edifício em que assento, lançando-me no mais profundo desespero.
2 – Tenho a mania de não ir ao dentista. Desde os meus 4 anos, quando fui forçado a arrancar um dente de leite (e gritando tanto ou tão pouco que duas senhoras saíram a correr da sala de espera, ao que me dizem), nunca mais a minha dentição foi acometida pela dor ou submetida ao exame de um especialista. Há por aqui uns caninos saídos mas nunca me fizeram deixar de sorrir. Trato o melhor que posso da minha higiene oral (vide ponto 1…) mas confrange-me a ideia de marcar uma consulta e ir abrir a boca para que um gajo ou uma gaja mexa cá dentro. A minha boca é minha! Acho humilhantes todos os procedimentos: os aspiradores da baba, as respostas em monossílabos guturais, as capas, as pontes, as massas. Mas até acho piada a placas. E a pivôs.
3 – Tenho a mania de comprar pão a mais. Gosto de pão, gosto mesmo muito de pão. Mas nunca como tanto como me acho capaz de comer assim que entro numa padaria. Mal vejo cestos com pão, a minha mente derrete-se em manteiga e o meu estômago diz-me “Vá lá! Anda! Tudo o que for menos de dois pães de quilo é pouco!” . E eu vou e compro e lambuzo-me mentalmente e antecipo o prazer (há até quem diga que já me viu a sair de padarias com uma erecção de proporções bíblicas mas… diz-se tanta coisa p’raí…) de espetar a faca naquele ventre de massa e o untar de qualquer gordura comestível (não vos estou a tirar o apetite, espero…). Como pão com um gosto sanguinário, como quem se vinga de um inimigo, mas a natureza é a natureza e o estômago, por mais que se insufle com o gás da cerveja, só aguenta o que aguenta. Dificilmente haverá um dia em que não tenha pão seco em casa mas basta-me passar à porta de uma padaria e as vozes na minha cabeça começam outra vez…
4 – Tenho a mania de ser acometido de pequenos pânico – ou micro-ansiedades – quando não me lembro onde guardei ou deixei qualquer coisa. É mesmo qualquer coisa. Hoje, por exemplo, foi a caderneta militar. “Mas onde é que eu posso ter deixado aquela merda?!”, perguntei-me, desculpando-me depois pelo vocabulário pouco adequado à instituição militar. Felizmente ou não, estas crises passam-se quando eu não preciso das coisas. E geralmente resolvem-se depressa. Lembrei-me pouco depois que tenho a caderneta militar em Tomar, numa gaveta, dentro da cédula de nascimento. As pessoas a quem já emprestei CDs sabem do que é que falo. “Por acaso não és tu que tens o meu disco do Grupo Típico Festada da Trofa?” poderia ser uma pergunta recorrente, se eu não soubesse que esse mesmo disco está em Tomar, num álbum (do tempo em que se compravam álbuns para guardar lp’s), debaixo da cama do quarto do meio.
5 – Tenho a mania de me achar piada. Rio-me comigo e de mim várias vezes por dia. Rio-me das piadas que vou dizer, anulando-lhes o efeito. Rio-me das piadas que deixo por dizer. Rio-me do que me acontece e dos ridículos em que caio. Rio-me do que imagino que podia fazer ou dizer. E sinto-me sempre melhor depois disso. Nem todas as manias são más.
As minhas cinco manias, por Vareta Funda – versão 2
1 – Tenho a mania de dizer, logo a partir de Janeiro, “tens que ouvir isto, pá!, é o melhor álbum do ano!”. Não seria grave, se a frase não fosse repetida várias vezes ao ano para discos diferentes – e se este mesmo comportamento se limitasse aos discos. As minhas paixões não me morrem, mas sou atreito a encantamentos quase diários, pequenos fogos-fátuos em que início e fim mal se separam. Não há qualquer consequência, não há prejuízo, há só uma alegria pueril no “que poderia ter sido”.
2 – Tenho a mania de me calar em situações incómodas. Não sei discutir.
3 – Tenho a mania de falar demais quando falo do que gosto. Não é demais no sentido de dizer o que não devo, é demais em tempo. Consigo ser incrivelmente maçador se me deixam falar de música, da família, dos outros ou de mim. Ou, pelo menos, tenho a mania que sim.
4 – Há quem diga que ver-me comer é um tormento. Como devagar, com método, com rigor, com minúcia, cortando em pedaços o que já está cortado em pedaços e cortando, depois, os pedaços que cortei dos pedaços que havia. Sou quase sempre o último a acabar uma refeição. Não tenho pressa. Nunca tive muita. Não sou urgente. Faço as coisas no meu tempo, adio algumas coisas mais do que devia, defendo o mais que posso a minha tranquilidade e tento repousar na dos outros sempre que a encontro. Não sou pró-activo nem reactivo – sou um bocadinho dormente, cheio de ideias às quais me agarro como um cão às canelas de um carteiro, ainda que as concretize devagar. Depressa e bem não faz ninguém, não é?…
5 – Tenho a mania de querer ver os outros felizes. E a esperança de que tal mania não seja só um egoísmo de barómetro.
Em resposta ao desafio da querida Trilby, essa moça recentemente vestida, vi-me confrontado com algumas opções. Duas, para ser mais preciso, a saber: ou puxas o pé à graçola e te descartas disto com ligeireza, ou introspectas e não sabes bem o que vais encontrar e depois é o Diabo. Ora… eu olhei para as opções, as opções olharam para mim, a conversa correu bem e acabámos os três juntos, com trocas de números de telefone na manhã seguinte e tudo. Portanto:
As minhas cinco manias, por Vareta Funda – versão 1
1 – Tenho a mania de que os meus odores corporais são opressivos. Sim; este vosso amigo, tão bem apessoado, porte tão distinto, traços de beleza tão radiosa e humilde, tem o pavor de cheirar mal. Da boca, dos pés, das partes, da sovaqueira – não interessa. Qualquer sítio é alvo da minha dúvida. A cada vez que me dispo, o meu nariz parece a Inquisição. “Onde estás tu, odor herege?! Apresenta-te para seres relaxado ao braço secular!” Felizmente, para mim e para quem calha, eles não vão aparecendo. Mas nem por isso a paranóia é menor. O descuido, a incúria, o excesso de confiança são os adubos destas almas malditas. Lavo-me, relavo-me, dentifrico-me, elixirmo-me, aerosolo-me, rollono-me e, mesmo assim, só me sinto “a salvo” quando acabo de sair do chuveiro. Se alguma vez cheirei mal ao pé de vocês, por favor: não mo digam! Seria o suficiente para fazer ruir o frágil edifício em que assento, lançando-me no mais profundo desespero.
2 – Tenho a mania de não ir ao dentista. Desde os meus 4 anos, quando fui forçado a arrancar um dente de leite (e gritando tanto ou tão pouco que duas senhoras saíram a correr da sala de espera, ao que me dizem), nunca mais a minha dentição foi acometida pela dor ou submetida ao exame de um especialista. Há por aqui uns caninos saídos mas nunca me fizeram deixar de sorrir. Trato o melhor que posso da minha higiene oral (vide ponto 1…) mas confrange-me a ideia de marcar uma consulta e ir abrir a boca para que um gajo ou uma gaja mexa cá dentro. A minha boca é minha! Acho humilhantes todos os procedimentos: os aspiradores da baba, as respostas em monossílabos guturais, as capas, as pontes, as massas. Mas até acho piada a placas. E a pivôs.
3 – Tenho a mania de comprar pão a mais. Gosto de pão, gosto mesmo muito de pão. Mas nunca como tanto como me acho capaz de comer assim que entro numa padaria. Mal vejo cestos com pão, a minha mente derrete-se em manteiga e o meu estômago diz-me “Vá lá! Anda! Tudo o que for menos de dois pães de quilo é pouco!” . E eu vou e compro e lambuzo-me mentalmente e antecipo o prazer (há até quem diga que já me viu a sair de padarias com uma erecção de proporções bíblicas mas… diz-se tanta coisa p’raí…) de espetar a faca naquele ventre de massa e o untar de qualquer gordura comestível (não vos estou a tirar o apetite, espero…). Como pão com um gosto sanguinário, como quem se vinga de um inimigo, mas a natureza é a natureza e o estômago, por mais que se insufle com o gás da cerveja, só aguenta o que aguenta. Dificilmente haverá um dia em que não tenha pão seco em casa mas basta-me passar à porta de uma padaria e as vozes na minha cabeça começam outra vez…
4 – Tenho a mania de ser acometido de pequenos pânico – ou micro-ansiedades – quando não me lembro onde guardei ou deixei qualquer coisa. É mesmo qualquer coisa. Hoje, por exemplo, foi a caderneta militar. “Mas onde é que eu posso ter deixado aquela merda?!”, perguntei-me, desculpando-me depois pelo vocabulário pouco adequado à instituição militar. Felizmente ou não, estas crises passam-se quando eu não preciso das coisas. E geralmente resolvem-se depressa. Lembrei-me pouco depois que tenho a caderneta militar em Tomar, numa gaveta, dentro da cédula de nascimento. As pessoas a quem já emprestei CDs sabem do que é que falo. “Por acaso não és tu que tens o meu disco do Grupo Típico Festada da Trofa?” poderia ser uma pergunta recorrente, se eu não soubesse que esse mesmo disco está em Tomar, num álbum (do tempo em que se compravam álbuns para guardar lp’s), debaixo da cama do quarto do meio.
5 – Tenho a mania de me achar piada. Rio-me comigo e de mim várias vezes por dia. Rio-me das piadas que vou dizer, anulando-lhes o efeito. Rio-me das piadas que deixo por dizer. Rio-me do que me acontece e dos ridículos em que caio. Rio-me do que imagino que podia fazer ou dizer. E sinto-me sempre melhor depois disso. Nem todas as manias são más.
As minhas cinco manias, por Vareta Funda – versão 2
1 – Tenho a mania de dizer, logo a partir de Janeiro, “tens que ouvir isto, pá!, é o melhor álbum do ano!”. Não seria grave, se a frase não fosse repetida várias vezes ao ano para discos diferentes – e se este mesmo comportamento se limitasse aos discos. As minhas paixões não me morrem, mas sou atreito a encantamentos quase diários, pequenos fogos-fátuos em que início e fim mal se separam. Não há qualquer consequência, não há prejuízo, há só uma alegria pueril no “que poderia ter sido”.
2 – Tenho a mania de me calar em situações incómodas. Não sei discutir.
3 – Tenho a mania de falar demais quando falo do que gosto. Não é demais no sentido de dizer o que não devo, é demais em tempo. Consigo ser incrivelmente maçador se me deixam falar de música, da família, dos outros ou de mim. Ou, pelo menos, tenho a mania que sim.
4 – Há quem diga que ver-me comer é um tormento. Como devagar, com método, com rigor, com minúcia, cortando em pedaços o que já está cortado em pedaços e cortando, depois, os pedaços que cortei dos pedaços que havia. Sou quase sempre o último a acabar uma refeição. Não tenho pressa. Nunca tive muita. Não sou urgente. Faço as coisas no meu tempo, adio algumas coisas mais do que devia, defendo o mais que posso a minha tranquilidade e tento repousar na dos outros sempre que a encontro. Não sou pró-activo nem reactivo – sou um bocadinho dormente, cheio de ideias às quais me agarro como um cão às canelas de um carteiro, ainda que as concretize devagar. Depressa e bem não faz ninguém, não é?…
5 – Tenho a mania de querer ver os outros felizes. E a esperança de que tal mania não seja só um egoísmo de barómetro.