terça-feira, março 21, 2006 |
UM CONTO DE PRIMAVERA
Aurélio Seborreia dava voltas na cama. Eram seis da manhã e ele não conseguia dormir. Os pombos no telhado, mesmo por cima do quarto, andavam agitados. O rebuliço e o arrulhar contínuo por cima da cabeça não o deixavam em descanso. Raios partissem os bichos. Que se passava hoje? Logo tão cedo…E ele que tinha lá um monte de ofícios para aviar na repartição. O chefe ia pressioná-lo de certeza.E com a falta de sono ele ia estar atarantado e baralhar a papelada. No telhado, um pombo cinzento andava todo arrufado atrás de uma pombinha branca, que se fazia cara. O gajo andava a ver se lhe saltava para cima. Mas a pombinha, ciosa da sua cloaca, escapulia-se por entre as telhas andadeiras e por entre as tábuas da trapeira. Escondido atrás da chaminé estava outro pombo com ares de galifão. Assim que viu a pombinha branca passar arisca, saltou-lhe para cima. Com grande espalhafato a pomba branca bateu as asas, bicou-o e consegui escapar. Outra pomba mais velha insinuava-se em cima de uma telha de vidro e vários pombos mais jovens disputavam a cobrição com grande ruído. Outro pombo maldoso aproveitara a confusão para galar a pomba branca, que entretanto se rendera à concupiscência carnal. Não valia a pena. Com tantos machos libidinosos e desvairados, o melhor era ir à função de uma vez por todas. Todo o telhado estava num buliço frenético de sexo colombino despudurado e frenético. As cloacas das fêmeas eram zurzidas a um ritmo alucinante. Elas escapuliam-se para serem, quase acto contínuo, cevadas por mais um ou dois pombos desvairados. Mesmo alguns pombos-macho não conseguiram escapar à fúria cobridora de outros mais azougados e distraídos. Aurélio dava voltas e mais voltas na cama e tentava tapar a cabeça com a almofada. – “Porra! Isto é demais!” – gritou. A algazarra subia de tom no telhado e Aurélio decidiu acabar com aquilo. Subiu pelo alçapão da clarabóia e trepou para o telhado aos tropeções. Viu-se no meio de uma nuvem de penas e de vários novelos de pombos embrulhados em remoinho, que nem sequer deram pela sua presença. Os funcionários do banco, que era num edificio alto que ficava em frente, estavam a começar a vir á janela observar Aurélio que perseguia os pombos. Alguns pombos espantaram-se mas rapidamente voltaram á orgia de cobrição desvairada, tentando mesmo alguns galar Aurélio, que os enxotava com raiva. A brisa da Primavera fazia-se sentir. Estava ainda fria e levantava remoinhos de penas. Nisto, - vzzzzzzt! – empurrada pelo vento, a porta do alçapão fechou-se e trancou Aurélio no telhado. Incrédulo, tentou abrir a porta em vão. Fez força e mais força, mas nada. Nem queria acreditar. Passaram horas e ele continuava desesperado, de pijama, sentado nas telhas e no meio do frenesi dos pombos. O pior era que estava muito aflito para evacuar. Encolheu as fezes tripa acima durante muito tempo, na esperança que algum vizinho o socorresse e ainda conseguisse suster a pródiga larada que se assomava ao esfíncter. Os do banco já se tinham desinteressado daquilo e ninguém estava à janela. Já que eles não estavam a ver, decidiu baixar as calças do pijama e defecar mesmo ali. Um funcionário do banco, que passava junto á janela, nem queria acreditar no que via. Chamou os outros que se acotovelaram para espreitar. A vizinhança começava a juntar-se, a rir e comentar. Aurélio tentou esconder-se atrás da chaminé enquanto tentava limpar o rabo com um tufo de penas de pombo. A risota generalizou-se. Passado duas horas, o aturdido Aurélio, lá desceu a escada Magirus auxiliado por um bombeiro que não conseguia controlar um esgar de gozo permanente.
Era quase hora do almoço e tocaram à campainha. – “ah, és tu. Entra, entra. Estava aqui a fazer o almoço.” – Disse Aurélio ao amigo. – “Olha, almoças aqui comigo. Estou a fazer uma tachada de arroz de pombo que vai dar para três quinze dias”.
FIM