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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


quinta-feira, julho 27, 2006


TILT



Tinha acabado de sair do estacionamento subterrâneo. Pousou a mala ao lado dum banco de jardim olhando, sem ver, em paralelo infinito. Estava absorto na absurda e inquietante sensação de vazio. Não se lembrava para onde ia quando chegou ali. Não sabia o que fazia ali, ao que vinha, nem sequer como ir para casa, ou onde era a sua casa. Sabia vagamente que tinha alguma coisa para fazer, um propósito, mas não se lembrava qual era. Sabia que estava num sítio familiar pois reconhecia algumas coisas mas não lhes conseguiu dar coerência, nem colocá-las no contexto. Basicamente não sabia onde estava. Quis ir para casa, mas a casa de que se lembrava já não era a sua casa. (Soube disto dois minutos depois - era a sua casa anterior). Estava assustado e o coração batia acelerado. Uma sensação de ficar muito baixo, quase rente ao chão, tomou conta dele. As mãos, senti-as grandes, desproporcionadas. Sentiu-se só como nunca. Irremediavelmente só e sem propósito ou valor. Uma vaga vertigem ansiosa percorreu-lhe a cabeça, e uma náusea o estômago. Quem me ajuda? “Estou completamente indefeso e não me lembro. Que se passa comigo?”. Sentiu-se a mais desprotegida das crianças perdidas. O estar, o estar mal, apenas. O estar só. Um rumor, como um terramoto eminente, sentia-o nas suas costas. O Mundo estava no canto do olho. Mas fugiu-lhe durante dois longos minutos. Depois, um telefonema para a mulher. Ainda bem. Ela estava lá do outro lado, em casa. Mas ele nem sequer lhe disse nada de coerente. (Ela ficou assustada, claro). Mas ela decidiu esperar.

Depois, voltou tudo: a familiar praça da cidade, o banco, o jardim, o supermercado onde tinha de ir ás compras. O talho, o lugar da fruta. E a sua casa, que era logo ali. Um enjoo sobreveio e matizou de mau-estar a satisfação e o alívio.

Passou pelo supermercado e quando entrou em casa estava um bocado envergonhado, confuso, culpado. E nem sequer era a primeira vez.

FIM

terça-feira, julho 25, 2006



OH!...


OH JÚBILO! OH ÊXTASE! OH BEM-AVENTURANÇA! OH BEATITUDE! FELIZ ANIVERSÁRIO, CANTEMOS LOAS À VARA!... E CONA e PICHA para todos.


VARETA FUNDA

3 ANOS ENTRE A MODÉSTIA E O EXIBICIONISMO




VARETA FUNDA

LIVRE!

SEMPRE!

OU ENTÃO PRESO PELOS COLHÕES...



3 ANOS OU MENOS A SERVIR O ECLETISMO...




VARETA FUNDA - A ORDINÁRIA VIRTUDE


Arlindo, o gay homófobo - 8º episódio e meio

(Arlindo ajudou Ruben a subir as escadas, pediu-lhe a chave e abriu a porta, levou Ruben até ao quarto, depositou-o na cama, descalçou-o, ajeitou-lhe a cabeça na almofada e esforçou-se por ignorar as coisas pouco perceptíveis que Ruben tartamudeava: algo como “shto b...”, “não... preocup...”, “...bem, shto b...”.

Fechou a porta do quarto, pegou na chave da casa, saiu e foi à procura da farmácia de serviço. Comprou Kompensan, Guronsan e Ben-U-Ron. Depois foi a uma bomba de gasolina e comprou Coca-Cola e leite. Voltou a casa de Ruben, pôs as bebidas no frigorífico e os medicamentos na mesa da cozinha. Deixou ali também as chaves da casa e saiu.

Quando reentrou na Kangoo, Arlindo estava feliz, feliz como um menino. Sorria, meio tolo, e não conseguia deixar de sorrir. Estava tão satisfeito que até condescendeu consigo próprio e pôs a cassete que gravara do último álbum dos Pet Shop Boys. E deu por si a fazer coro com o Neil Tennant enquanto este cantava: “Sometimes / The solution / Is worse than the problem / Let’s stay together”.

A sua cabeça estava uma bem disposta confusão. “Eu fiz-lhe bem! Eu fiz qualquer coisa por ele! Eu fui maior que eu! Eu não lhe toquei. Eu, se um dia quiser, posso escolher não o amar. Eu amo-o sozinho. Eu hoje podia morrer! Ele merece tudo. O que é que eu lhe digo se ele me telefonar? Ele nunca vai poder gostar de mim mas isso não interessa. Eu ajudei-o. Eu fiz-lhe bem! Telefono-lhe amanhã a ver como está? Não, não vou impor-lhe a minha existência. Foi por acaso que lhe fiz bem. Confia no acaso, Arlindo. Não vou deixar que ele me fique agradecido. Não vou deixar que ele sinta que me deve favores. E eu estive lá quando mais ninguém estava. Eu não o deixei sozinho. Parecia um puto, tão bebedito... Tão lindo. Mas tu vais sublimar isto tudo, Arlindo. Vais ser o amigo que ele precisar, quando ele precisar. E dentro de ti vais ter um espaço sem fronteiras e sem vergonhas para sentires por ele tudo o que sentes. Eu fiz-lhe bem... Era tudo o que eu queria. Ele merece tudo.”

Chegado a casa, Arlindo tomou um duche, teve um breve lampejo de tristeza quando se viu ao espelho - “ele nunca vai desejar isto...” - , estendeu-se na cama e optou, orgulhoso, por não se masturbar. Continuava feliz. Bastava-lhe.)


Vareta Funda - campanha promocional 3º aniversário

HÁ QUASE TRÊS ANOS A TIRAR COELHOS DA CARTOLA...




PENA É QUE TANTOS TENHAM MIXOMATOSE...


VARETA FUNDA - 3 ANOS
...OU 2 ANOS E 11 MESES, QUE É QUASE A MESMA COISA



IMAGINEM ONDE ESTARÍAMOS SE GOSTÁSSEMOS UNS DOS OUTROS...


VARETA FUNDA - 3 ANOS



HÁ MUITO CASAMENTO QUE DURA MENOS!

segunda-feira, julho 24, 2006

Posta light de Verão


Isto a vida é uma coisa gira.

Já repararam na diferença que fazem os telemóveis?

A evolução dos últimos dez anos tem que se lhe diga. Ainda me lembro de ser pequenino – em termos de idade, pois claro – e de ver aqueles telefones «portáteis» que tinham um tijolo como apoio…

E o que eu gostava de ter um telefone no carro, género James Bond, para telefonar para as miúdas – isto no pressuposto de vir a ter um carro e por aí fora.

Bom, mas para exemplo prático do que os telemóveis fizeram a esta sociedade – tirando as partes negativas – escolhi os engates de Verão.

Antes: praia, sol, amigas novas, como-é-que-te-contacto?, a casa de Verão não tem telefone, encontramo-nos na praia, desencontramo-nos na praia, no café, na esplanada, horas de espera, seca, coisas mal combinadas, chatices.

Depois: toma o meu número, telefona, manda sms, o que quiseres, nem-precisas-de-te-preocupar-com-as-horas, bora à praia?, um copo na esplanada, vamos à disco?.

Esta juventude só tem facilidades – e bem.

Viva a comunicação!

terça-feira, julho 18, 2006

MANOBRAS by g2

Os oito soldados, perfilados e em sentido, ouviam com atenção as palavras do General. Mas sejamos concretos, porque na tropa as coisas da hierarquia têm que se lhe diga! Eram sete os soldados, o oitavo era cabo. Não me compete despromover quem tão valorosamente se preparava para o combate sob as ordens directas do General. Ou do Senhor General, ao menos por uma vez vamos chamar-lhe assim!

Quis o General camuflar os tanques e mandou que os tapassem com areia, que por ali havia em grandes quantidades. Informou a tropa que era especialista em camuflaçao (General dixit) e que tinha sido o primeiro do seu curso, nessa arte difícil de defender homens e armas, sendo que estas são mais importantes que aqueles.

"Mas...", atreveu-se um dos soldados, quem sabe se algum mecânico para ali trazido pela força da idade. Um olhar próprio de general fez calar o confuso soldado, por sinal o número 714 lá da tropa.

E assim os tanques foram tapados com areia, só o buraco de onde saíam as balas assomava, como olho à espreita, sabe-se lá de quê!

Nem da terra, nem do ar, nem do mar, os nossos canhões serão avistados, disse o General, ufano do seu trabalho. Não temos aqui mar, disse o tal soldado, Mais uma razão para não sermos avistados a partir do mar, não disse eu nenhuma asneira e cale-se, senão leva uma suspensão agravada!

E com este diálogo começou a espera do inimigo, o General antevia mais estrelas no peito, a pátria, o sangue dos nossos homens, a vitória. Jogando à lerpa, os sete soldados e um cabo perguntavam uns aos outros como se iria tirar a areia de dentro dos tanques, dos motores, das lagartas e bocejavam. Não lhes passava pela cabeça nenhuma guerra, nenhumas estrelas e nem a pátria ou o sangue dos seus homens os preocupavam. O soldado 714, absorto, pensava antes na Mariana de faces coradas que se tinha despedido dele como só uma Mariana de faces coradas se sabe despedir de um mecânico que vai para a tropa!

E o exercício que nunca mais acabava, pensavam eles...

quinta-feira, julho 13, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 8º episódio

Alguns minutos depois, Arlindo lá conseguiu entrar com Ruben para dentro de um táxi, no Largo da Misericórdia.
“Tens a certeza que não queres passar por um hospital ou uma farmácia?”, perguntava Arlindo.
“Não, agora estou bem.”, respondia um Ruben quase lívido.
“Ó chefe!”, interpelava o taxista, olhando Arlindo pelo retrovisor, “o seu amigo que não me vomite a merda dos estofos senão tenho que aturar o patrão a foder-me a paciência! Desculpe lá eu dizer isto, que nem é por mim, mas o filha da puta do patrão… sabe como é!… ”
“Fique descansado.”, disseram, quase em uníssono, os dois passageiros.
“Alto de Santo Amaro foi o que disse, não foi, chefe?”, insistia o taxista.
“Sim.”, antecipou-se Arlindo, calando a igual resposta que Ruben se preparava para dar.
“Depois podes seguir para casa neste taxi…”, articulou Ruben com grande esforço. A boca sabia-lhe mal, o estômago ainda não sossegara, a cabeça era um peso grande em cima dos ombros.
“Se fosses capaz de subir as escadas sozinho…”
“Ó chefe!, ele que não me vomite mas é a merda dos estofos!… Qu’o patrão!…”, cortava de novo o taxista.
Ruben sorriu a custo e Arlindo, vendo-o, sorriu enlevado.
“Fique descansado.”
“Mas a sério. Eu fico bem. Não precisas de perder o resto da noite por causa de mim.”, insistia Ruben.
“Tens medo?”
“Não, palhaço. Só não quero ser mais transtorno do que já fui.”
“Eu sou. Tu não és.”, respondia um Arlindo críptico e ensimesmado.
“O quê?”
“Eu sou um palhaço. Tu não és um transtorno.”
Durante alguns segundos só se ouviu o barulho do rádio: Móvel à Filipe Folque. Um móvel à Praça de Táxis da Filipe Folque./ Seis três dois na Praça de Táxis da Filipe Folque à frente./ Seis três dois é a Ru…
“Mas a sério. Se calhar tinhas planos…”, persistia Ruben
“Porra! Pensas que te vou atar à cama e seviciar-te?!”, explodiu Arlindo.
Novo quase silêncio. Seis três dois confirma? O móvel seis três dois confirma?…
“Não.”, soprou, baixinho, Ruben.
Arlindo reclinou-se o mais que pôde no banco do carro, com a cara transida num esgar de dor. O gesto não passou despercebido a Ruben:
“O que é que tens?”, perguntou Ruben.
“NADA!”, gritou Arlindo.
“Mas o que é que foi?!”
“Nada. Não foi nada.”, disse um Arlindo de repente calmo e sofrido.
“Tu és um gajo muito esquisito…”
“ E tu um portento de normalidade que se vomita nas ruas do Bairro Alto…”
Era a deixa perfeita para o taxista:
“Ó chefe! Veja-me lá é os estofos, que se o seu amigo vomita aí estou fodido com o patrão… Trouxe o carro há pouco tempo da Alemanha e tem-lhe mais estimação que à cabra da filha…”
“Foda-se! Ninguém vomita, homem! Fique descansado!”, impacientava-se Ruben.
Pausa. Algum móvel pode ajudar a localizar a Urbanização das Nes…
“Obrigado.”, disse Ruben.
Móvel oitocentos e um pode dar uma ajuda./ Móvel oitocentos e um, pode passar a canal 2.
“Foste um gajo porreiro.”, insistia Ruben.
“E agora vamos ficar muito amiguinhos e eu vou sofrer o dobro do que já sofria a tentar sublimar isto tudo, não é?”, respondeu Arlindo, emocionado. “Vamos beber um copo um dia destes, não?! Até podemos ir jantar os três! ‘Olha, môr, este é o paneleiro que me ajudou quando eu estava caído de borco a vomitar e tu não estavas lá’!”
“Porra! Mas ainda não percebeste que eu quero lá saber o que tu és ou não és?!”, reagiu Ruben.
“Ai que lindo!… O menino é liberal!… ‘Nós parimos, nós decidimos!’, ‘Todos diferentes, todos iguais’…”
“Foda-se!, já começas…”, tartamudeou, entre suspiros, um cansado Ruben.
“Ó chefe!,”, chamava Arlindo, tocando no ombro do taxista, “aqui o meu amiguinho está borrado com medo de que eu queira passar a noite em casa dele mas diz que se for preciso até é amigo dos paneleiros…”
Pausa. Fiscalização chama central./ Central responde; móvel quinhentos e trinta e sete pode fal... O taxista responde, também:
“Pois eu, lá dessas coisas… Eu estou em cuidado é com os estofos, que o patrão gosta mais disto que da mulh…”
“Pois é verdade, ó chefe!”, ateimava Arlindo. “Aqui o meu amigo já me pôs o carimbo. ‘Este gajo é paneleiro. Portanto, quer que eu lhe vá ao cu ou, pior, quer ir-me ao cu.’”. As lágrimas começavam a aparecer-lhe nos olhos. “E sabe o que é pior?… É que quando ele perceber que é muito mais do que isso, quando ele perceber que o amo incondicionalmente, involuntariamente, inapelavelmente, que o amo apesar de mim, que o amo e me estranho por o amar… quando ele perceber isso tudo, vai-se habituar, vai querer que esse amor continue, pouco ou nada me dando em troca, mascarando de amizade um egoísmo que eu não vou poder senão tolerar e bem-dizer e agradecer… e eu não posso mudar nada, nem posso esperar nada. Vou tomar a mesma máscara; ser amigo dele porque não me deixam ser mais nem viveria se fosse menos; fazer tudo o que puder por ele; tentar fazer com que os meus dedos gritem o que sinto de cada vez que lhe tocar, de relance; esconder o frémito a cada aperto de mão; anular-me num espelho para não o ofender com a profundidade do que ele me inspira… O chefe faz ideia do que custa ser dele sem o poder ser?… E aqui o meu amiguinho diz que está bem!… Pudera!… Tem a sua namoradinha e um amor esquisito que lhe massaja o ego!… ‘entre nós e as palavras surdamente as mãos e as paredes de Elsin…’”
“Ó chefe!,”, cortou o taxista, “talvez seja melhor acordar o seu amigo que estamos quase a chegar…”

segunda-feira, julho 10, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 7º episódio


Arlindo saiu desiludido de casa dos pais, depois da derrota de Portugal frente à Alemanha. Nunca corriam bem os jogos que via ao lado do pai. Ficava com uma raiva fininha com a atitude do Ramos Sénior, que passava boa parte do jogo a insultar os jogadores da equipa – qualquer equipa – que Arlindo apoiasse. “Cambada de coxos; cepos; troncos; burros; se isto se admite a um profissional; até eu fazia melhor; mulas cegas; parecem umas meninas; olha-me para isto; pffff!; ó benza-me Deus!; e ganham eles fortunas; bela merda; levanta-te, filho da puta!” era o vocabulário corrente do pai de Arlindo durante os jogos e o deste Sábado não fora excepção.
Como ponto de fuga, Arlindo agarrara-se a uma garrafa de abafado à qual dera um bom desbaste. Portugal perdera mas Arlindo ganhara: cor nas faces e um início bem construído de bebedeira. Ainda assim, a derrota deixara-o desiludido e sem vontade de regressar a casa.
Um vez saído do lar paterno, ao pé de São Bento, Arlindo decidiu passar pelo Bairro Alto e beber mais qualquer coisinha para ajudar a enterrar o Mundial. Parou no Clube da Esquina e ficou a beber na rua, sozinho. Era nestas altura que se arrependia de não fumar. Faltava-lhe o que fazer. Não se importava de estar ali sozinho, mas ajudaria ter o que fazer às mãos que não fosse levar o copo à boca. Até porque assim bebia mais depressa. E era mais despesa. E Arlindo também sabia pensar com a carteira.
De repente, sentiu uma palmada nos seus jeans Wearplay. Era um rapazola um pouco mais novo que Arlindo cuja cara não lhe era estranha. Como estava bêbedo, Arlindo decidiu relevar a questão da palmada...
“Não me estás a reconhecer?”, perguntou o outro.
“Estou-te a reconhecer mas não me lembro de onde.”
“Sou o Tiago. Andámos no mesmo ginásio durante uns tempos.”
“Ah, sim! Tiago! Claro! Desculpa! ‘Tás bom? Já não te via há que tempos!”, começou Arlindo, com a sensação clara de que nunca antes falara com ele.
Tiago parecia estar ainda mais bebido que Arlindo. Com um passo trôpego, aproximou-se mais de Arlindo.
“Estás grande! Tens treinado muito?”, perguntou Tiago passando a mão sobre os peitorais de Arlindo – que não gostou, mas não lhe apeteceu barafustar. O álcool deixava-o estranhamente apático.
“Só em casa. Não curto ginásios.”, respondeu, com certo orgulho.
“Mas o pessoal do ginásio curtia-te! Havia muitos a olhar para isto!”, disse Tiago, pontuando a frase com mais uma palmada no traseiro de Arlindo.
“Não faças isso.”, disse Arlindo secamente.
“Porquê? Estás na rua... ninguém te conhece...”, Tiago tentava sorrir com ar lânguido mas o excesso de álcool desfigurava-lhe o esforço.
Arlindo começava a sentir o sangue em ebulição:
“Põe-te a andar, vá.”, soprou, ainda entre dentes.
“Vem até minha casa...”, sugeriu Tiago, quase em desequilíbrio.
“Tanto te parto os cornos aqui como em tua casa, ou pensas que não?!”, apesar da fúria, Arlindo conseguia conter o tom de voz.
“Eu notava como tu olhavas para mim no ginásio, quando me vias no duche...”, insistia Tiago.
“Eras o único que não corria a cortina, paneleiro de merda!”
“Mas tu gostavas...”
Num gesto bem calculado e discreto, Arlindo encostou Tiago à parede:
“Ouve-me bem, ó larilas de merda! Eu amo, percebes? E não é a ti. Como não te amo, tenho nojo de ti. Como tenho nojo de ti, tenho vontade de te dar uma carga de porrada. Mas eu tenho nojo de todos os corpos que não o do meu amado. E não posso andar a bater em toda a gente. Mas podia-te escolher para exemplo. Dar-te tanto soco nessa boca que nunca mais conseguisses dizer o teu nome. Como é que tens coragem de me tentar engatar, putéfia de merda?! O meu corpo é um altar que só admite um oficiante. O meu corpo é dele sem que ele o precise de tomar. E tu és uma merda e vais-te embora inteiro porque eu deixo. Lembra-te disso antes de ires ter com o próximo que te queira caiar a tripa cagueira...”
Arlindo virou costas e seguiu rua abaixo, resmungando em surdina contra os males do mundo. Estava com a noite estragada e decidiu ir apanhar táxi. Um vulto ajoelhado, a vomitar, na Rua do Grémio Lusitano, chamou-lhe a atenção. Arlindo teria as suas dificuldades na sociabilização mas era amigo de ajudar.
“Estás bem? Precisas de ajuda?”, perguntou.
“Não. Estou bem.”, respondeu uma voz masculina entre golfadas de... qualquer coisa.
Arlindo sentiu um calafrio. Dois, até. Arlindo fez-se de todas as cores – supõe-se; afinal, era de noite e estava escuro. Arlindo recuou um passo e rodou sobre si e tornou a rodar e deu um passo em diante. Arlindo encheu os pulmões de ar e perguntou:
“Ruben? És tu?”


Era Ruben, sim senhor.
“Sou. E quem és tu?”, perguntou ele, a custo, tentando virar a cabeça para a luz.
“Arlindo. O canalizador.”
“Foda-se... com tanta gente que podia passar por aqui...”, murmurou Ruben, sentando-se a poucos centímetros do que expelira.
“Se quiseres vou-me embora...”, disse Arlindo, em voz contida e magoada.
“Não. Honra te seja feita, foste o único que parou.”
“Bebeste demais?”
“Sei lá... bebi vinho, comi moelas... alguma coisa correu mal... ajudas-me a ir até ao táxi? Sinto as pernas a tremer.”
Arlindo levantou Ruben sem dificuldade. O choque de adrenalina limpara todo o álcool da sua corrente sanguínea.
“Então e a namoradinha? Não estava aqui para te pôr a mão na testa?”, causticou Arlindo.
“Não, não estava. Não quis ver o jogo. E que tens tu a ver com isso? Apetece-te chatear-me?!”, resmungou, a custo, Ruben.
“Não. Sabes o que me apetecia?”
“Não. Nem quero...”
“Ver-te dormir, a noite inteira”, cortou Arlindo, “e ver-te acordar. Ficar deitado ao pé de ti, sem te tocar, a ouvir-te respirar, a sentir-te existir. Talvez te mexesse no cabelo, uma vez ou outra. Ou traçasse o contorno dos teus lábios com os dedos. Mas não mais do que isso. E acordavas, via a tua desorientação dos primeiros segundos do dia, e ia-me embora. Feliz.”
“Fod...”
“E, se durante o sono, um braço teu ficasse sobre mim, eu não moveria um músculo e centrar-me-ia todo na carne que suportaria o teu peso. Eu seria apenas onde o teu braço estivesse.”
“Espe...”
“Passar a noite inteira a combater a vontade de te tomar nos braços e de te beijar as pálpebras, muito ao de leve. Passar a noite inteira a amar-te, ao pé de ti, sem te o mostrar. Passar a noite inteira a contrariar as mãos, a ser maior que a vontade, a ser tão puro como tu mereces.”
De repente, Arlindo sentiu um puxão: era Ruben que se ajoelhava novamente para vomitar...


quinta-feira, julho 06, 2006

FIZEMOS COISAS BONITAS

Eu, por mim, gostei. Foi a primeira vez que vi Portugal nas meias-finais de um Mundial e gostei. Também gostei do jogo, que ganhámos com clareza e justiça - pena que o resultado não tenha sido a nosso favor. A outra equipa que jogou ontem, não cheguei a reparar quem era.

Fomos bons. Somos bons. Arrume-se uma ou outra bandeira e ganhe-se nova confiança. Somos portugueses, conseguimos fazer coisas (bonitas...) e não devemos nada a ninguém (fora dos mercados financeiros, claro). É motivo mais que suficiente para celebrar.


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