segunda-feira, julho 10, 2006 |
Arlindo, o gay homófobo - 7º episódio
Arlindo saiu desiludido de casa dos pais, depois da derrota de Portugal frente à Alemanha. Nunca corriam bem os jogos que via ao lado do pai. Ficava com uma raiva fininha com a atitude do Ramos Sénior, que passava boa parte do jogo a insultar os jogadores da equipa – qualquer equipa – que Arlindo apoiasse. “Cambada de coxos; cepos; troncos; burros; se isto se admite a um profissional; até eu fazia melhor; mulas cegas; parecem umas meninas; olha-me para isto; pffff!; ó benza-me Deus!; e ganham eles fortunas; bela merda; levanta-te, filho da puta!” era o vocabulário corrente do pai de Arlindo durante os jogos e o deste Sábado não fora excepção.
Como ponto de fuga, Arlindo agarrara-se a uma garrafa de abafado à qual dera um bom desbaste. Portugal perdera mas Arlindo ganhara: cor nas faces e um início bem construído de bebedeira. Ainda assim, a derrota deixara-o desiludido e sem vontade de regressar a casa.
Um vez saído do lar paterno, ao pé de São Bento, Arlindo decidiu passar pelo Bairro Alto e beber mais qualquer coisinha para ajudar a enterrar o Mundial. Parou no Clube da Esquina e ficou a beber na rua, sozinho. Era nestas altura que se arrependia de não fumar. Faltava-lhe o que fazer. Não se importava de estar ali sozinho, mas ajudaria ter o que fazer às mãos que não fosse levar o copo à boca. Até porque assim bebia mais depressa. E era mais despesa. E Arlindo também sabia pensar com a carteira.
De repente, sentiu uma palmada nos seus jeans Wearplay. Era um rapazola um pouco mais novo que Arlindo cuja cara não lhe era estranha. Como estava bêbedo, Arlindo decidiu relevar a questão da palmada...
“Não me estás a reconhecer?”, perguntou o outro.
“Estou-te a reconhecer mas não me lembro de onde.”
“Sou o Tiago. Andámos no mesmo ginásio durante uns tempos.”
“Ah, sim! Tiago! Claro! Desculpa! ‘Tás bom? Já não te via há que tempos!”, começou Arlindo, com a sensação clara de que nunca antes falara com ele.
Tiago parecia estar ainda mais bebido que Arlindo. Com um passo trôpego, aproximou-se mais de Arlindo.
“Estás grande! Tens treinado muito?”, perguntou Tiago passando a mão sobre os peitorais de Arlindo – que não gostou, mas não lhe apeteceu barafustar. O álcool deixava-o estranhamente apático.
“Só em casa. Não curto ginásios.”, respondeu, com certo orgulho.
“Mas o pessoal do ginásio curtia-te! Havia muitos a olhar para isto!”, disse Tiago, pontuando a frase com mais uma palmada no traseiro de Arlindo.
“Não faças isso.”, disse Arlindo secamente.
“Porquê? Estás na rua... ninguém te conhece...”, Tiago tentava sorrir com ar lânguido mas o excesso de álcool desfigurava-lhe o esforço.
Arlindo começava a sentir o sangue em ebulição:
“Põe-te a andar, vá.”, soprou, ainda entre dentes.
“Vem até minha casa...”, sugeriu Tiago, quase em desequilíbrio.
“Tanto te parto os cornos aqui como em tua casa, ou pensas que não?!”, apesar da fúria, Arlindo conseguia conter o tom de voz.
“Eu notava como tu olhavas para mim no ginásio, quando me vias no duche...”, insistia Tiago.
“Eras o único que não corria a cortina, paneleiro de merda!”
“Mas tu gostavas...”
Num gesto bem calculado e discreto, Arlindo encostou Tiago à parede:
“Ouve-me bem, ó larilas de merda! Eu amo, percebes? E não é a ti. Como não te amo, tenho nojo de ti. Como tenho nojo de ti, tenho vontade de te dar uma carga de porrada. Mas eu tenho nojo de todos os corpos que não o do meu amado. E não posso andar a bater em toda a gente. Mas podia-te escolher para exemplo. Dar-te tanto soco nessa boca que nunca mais conseguisses dizer o teu nome. Como é que tens coragem de me tentar engatar, putéfia de merda?! O meu corpo é um altar que só admite um oficiante. O meu corpo é dele sem que ele o precise de tomar. E tu és uma merda e vais-te embora inteiro porque eu deixo. Lembra-te disso antes de ires ter com o próximo que te queira caiar a tripa cagueira...”
Arlindo virou costas e seguiu rua abaixo, resmungando em surdina contra os males do mundo. Estava com a noite estragada e decidiu ir apanhar táxi. Um vulto ajoelhado, a vomitar, na Rua do Grémio Lusitano, chamou-lhe a atenção. Arlindo teria as suas dificuldades na sociabilização mas era amigo de ajudar.
“Estás bem? Precisas de ajuda?”, perguntou.
“Não. Estou bem.”, respondeu uma voz masculina entre golfadas de... qualquer coisa.
Arlindo sentiu um calafrio. Dois, até. Arlindo fez-se de todas as cores – supõe-se; afinal, era de noite e estava escuro. Arlindo recuou um passo e rodou sobre si e tornou a rodar e deu um passo em diante. Arlindo encheu os pulmões de ar e perguntou:
“Ruben? És tu?”
Era Ruben, sim senhor.
“Sou. E quem és tu?”, perguntou ele, a custo, tentando virar a cabeça para a luz.
“Arlindo. O canalizador.”
“Foda-se... com tanta gente que podia passar por aqui...”, murmurou Ruben, sentando-se a poucos centímetros do que expelira.
“Se quiseres vou-me embora...”, disse Arlindo, em voz contida e magoada.
“Não. Honra te seja feita, foste o único que parou.”
“Bebeste demais?”
“Sei lá... bebi vinho, comi moelas... alguma coisa correu mal... ajudas-me a ir até ao táxi? Sinto as pernas a tremer.”
Arlindo levantou Ruben sem dificuldade. O choque de adrenalina limpara todo o álcool da sua corrente sanguínea.
“Então e a namoradinha? Não estava aqui para te pôr a mão na testa?”, causticou Arlindo.
“Não, não estava. Não quis ver o jogo. E que tens tu a ver com isso? Apetece-te chatear-me?!”, resmungou, a custo, Ruben.
“Não. Sabes o que me apetecia?”
“Não. Nem quero...”
“Ver-te dormir, a noite inteira”, cortou Arlindo, “e ver-te acordar. Ficar deitado ao pé de ti, sem te tocar, a ouvir-te respirar, a sentir-te existir. Talvez te mexesse no cabelo, uma vez ou outra. Ou traçasse o contorno dos teus lábios com os dedos. Mas não mais do que isso. E acordavas, via a tua desorientação dos primeiros segundos do dia, e ia-me embora. Feliz.”
“Fod...”
“E, se durante o sono, um braço teu ficasse sobre mim, eu não moveria um músculo e centrar-me-ia todo na carne que suportaria o teu peso. Eu seria apenas onde o teu braço estivesse.”
“Espe...”
“Passar a noite inteira a combater a vontade de te tomar nos braços e de te beijar as pálpebras, muito ao de leve. Passar a noite inteira a amar-te, ao pé de ti, sem te o mostrar. Passar a noite inteira a contrariar as mãos, a ser maior que a vontade, a ser tão puro como tu mereces.”
De repente, Arlindo sentiu um puxão: era Ruben que se ajoelhava novamente para vomitar...
Como ponto de fuga, Arlindo agarrara-se a uma garrafa de abafado à qual dera um bom desbaste. Portugal perdera mas Arlindo ganhara: cor nas faces e um início bem construído de bebedeira. Ainda assim, a derrota deixara-o desiludido e sem vontade de regressar a casa.
Um vez saído do lar paterno, ao pé de São Bento, Arlindo decidiu passar pelo Bairro Alto e beber mais qualquer coisinha para ajudar a enterrar o Mundial. Parou no Clube da Esquina e ficou a beber na rua, sozinho. Era nestas altura que se arrependia de não fumar. Faltava-lhe o que fazer. Não se importava de estar ali sozinho, mas ajudaria ter o que fazer às mãos que não fosse levar o copo à boca. Até porque assim bebia mais depressa. E era mais despesa. E Arlindo também sabia pensar com a carteira.
De repente, sentiu uma palmada nos seus jeans Wearplay. Era um rapazola um pouco mais novo que Arlindo cuja cara não lhe era estranha. Como estava bêbedo, Arlindo decidiu relevar a questão da palmada...
“Não me estás a reconhecer?”, perguntou o outro.
“Estou-te a reconhecer mas não me lembro de onde.”
“Sou o Tiago. Andámos no mesmo ginásio durante uns tempos.”
“Ah, sim! Tiago! Claro! Desculpa! ‘Tás bom? Já não te via há que tempos!”, começou Arlindo, com a sensação clara de que nunca antes falara com ele.
Tiago parecia estar ainda mais bebido que Arlindo. Com um passo trôpego, aproximou-se mais de Arlindo.
“Estás grande! Tens treinado muito?”, perguntou Tiago passando a mão sobre os peitorais de Arlindo – que não gostou, mas não lhe apeteceu barafustar. O álcool deixava-o estranhamente apático.
“Só em casa. Não curto ginásios.”, respondeu, com certo orgulho.
“Mas o pessoal do ginásio curtia-te! Havia muitos a olhar para isto!”, disse Tiago, pontuando a frase com mais uma palmada no traseiro de Arlindo.
“Não faças isso.”, disse Arlindo secamente.
“Porquê? Estás na rua... ninguém te conhece...”, Tiago tentava sorrir com ar lânguido mas o excesso de álcool desfigurava-lhe o esforço.
Arlindo começava a sentir o sangue em ebulição:
“Põe-te a andar, vá.”, soprou, ainda entre dentes.
“Vem até minha casa...”, sugeriu Tiago, quase em desequilíbrio.
“Tanto te parto os cornos aqui como em tua casa, ou pensas que não?!”, apesar da fúria, Arlindo conseguia conter o tom de voz.
“Eu notava como tu olhavas para mim no ginásio, quando me vias no duche...”, insistia Tiago.
“Eras o único que não corria a cortina, paneleiro de merda!”
“Mas tu gostavas...”
Num gesto bem calculado e discreto, Arlindo encostou Tiago à parede:
“Ouve-me bem, ó larilas de merda! Eu amo, percebes? E não é a ti. Como não te amo, tenho nojo de ti. Como tenho nojo de ti, tenho vontade de te dar uma carga de porrada. Mas eu tenho nojo de todos os corpos que não o do meu amado. E não posso andar a bater em toda a gente. Mas podia-te escolher para exemplo. Dar-te tanto soco nessa boca que nunca mais conseguisses dizer o teu nome. Como é que tens coragem de me tentar engatar, putéfia de merda?! O meu corpo é um altar que só admite um oficiante. O meu corpo é dele sem que ele o precise de tomar. E tu és uma merda e vais-te embora inteiro porque eu deixo. Lembra-te disso antes de ires ter com o próximo que te queira caiar a tripa cagueira...”
Arlindo virou costas e seguiu rua abaixo, resmungando em surdina contra os males do mundo. Estava com a noite estragada e decidiu ir apanhar táxi. Um vulto ajoelhado, a vomitar, na Rua do Grémio Lusitano, chamou-lhe a atenção. Arlindo teria as suas dificuldades na sociabilização mas era amigo de ajudar.
“Estás bem? Precisas de ajuda?”, perguntou.
“Não. Estou bem.”, respondeu uma voz masculina entre golfadas de... qualquer coisa.
Arlindo sentiu um calafrio. Dois, até. Arlindo fez-se de todas as cores – supõe-se; afinal, era de noite e estava escuro. Arlindo recuou um passo e rodou sobre si e tornou a rodar e deu um passo em diante. Arlindo encheu os pulmões de ar e perguntou:
“Ruben? És tu?”
Era Ruben, sim senhor.
“Sou. E quem és tu?”, perguntou ele, a custo, tentando virar a cabeça para a luz.
“Arlindo. O canalizador.”
“Foda-se... com tanta gente que podia passar por aqui...”, murmurou Ruben, sentando-se a poucos centímetros do que expelira.
“Se quiseres vou-me embora...”, disse Arlindo, em voz contida e magoada.
“Não. Honra te seja feita, foste o único que parou.”
“Bebeste demais?”
“Sei lá... bebi vinho, comi moelas... alguma coisa correu mal... ajudas-me a ir até ao táxi? Sinto as pernas a tremer.”
Arlindo levantou Ruben sem dificuldade. O choque de adrenalina limpara todo o álcool da sua corrente sanguínea.
“Então e a namoradinha? Não estava aqui para te pôr a mão na testa?”, causticou Arlindo.
“Não, não estava. Não quis ver o jogo. E que tens tu a ver com isso? Apetece-te chatear-me?!”, resmungou, a custo, Ruben.
“Não. Sabes o que me apetecia?”
“Não. Nem quero...”
“Ver-te dormir, a noite inteira”, cortou Arlindo, “e ver-te acordar. Ficar deitado ao pé de ti, sem te tocar, a ouvir-te respirar, a sentir-te existir. Talvez te mexesse no cabelo, uma vez ou outra. Ou traçasse o contorno dos teus lábios com os dedos. Mas não mais do que isso. E acordavas, via a tua desorientação dos primeiros segundos do dia, e ia-me embora. Feliz.”
“Fod...”
“E, se durante o sono, um braço teu ficasse sobre mim, eu não moveria um músculo e centrar-me-ia todo na carne que suportaria o teu peso. Eu seria apenas onde o teu braço estivesse.”
“Espe...”
“Passar a noite inteira a combater a vontade de te tomar nos braços e de te beijar as pálpebras, muito ao de leve. Passar a noite inteira a amar-te, ao pé de ti, sem te o mostrar. Passar a noite inteira a contrariar as mãos, a ser maior que a vontade, a ser tão puro como tu mereces.”
De repente, Arlindo sentiu um puxão: era Ruben que se ajoelhava novamente para vomitar...