segunda-feira, agosto 07, 2006 |
SUBSÍDIOS PARA A ARQUEOLOGIA DESTE BLOG, vol. 2
"A título de curiosidade, descrevo algumas das privações a que os Conimbricenses vão estar sujeitos no dia do espectáculo:
Sobre gatos e violência infantil:
"Isto passou-se quando tinha 4 anos ( e a partir de agora, aconselho os susceptíveis a não lerem o resto!...). Andava a ler umas revistas do Patinhas, que eram do Peninha e do Biquinho ( nunca percebi a generalização de chamar a estes livros de “Patinhas” quando é este, porventura, “o personagem” com menor interesse! ). Resumindo:
Sobre "O Jardim dos Suplícios", de Octave Mirabeau, e os Manic Street Preachers e a vida em geral:
"Comprei-o ( o livro ) numa livraria ( em 98 ), por mero acaso e depois de consultar umas revistas de especialidade.
Sobre o gosto, uma Professora e uma tipa casada com um burgesso:
"Obviamente que o “gosto” não passa por nada de demasiado erudito.
Mimalho, Mimo, Vacôncio, Bezerro, Charolesa, Frísia... - muito apodo calhou ao bovino coimbrão. De seu verdadeiro nome Mimosa, a.k.a. "arquivaca" - não tanto por ser ou ter uma grande vaca mas sim por ser uma vaca arquivada e asseadinha -, o rapaz (dúbia classificação...) trouxe uma animação desusada a este blog: escrevia como quem conversava e cuspia cascas de tremoços ao mesmo tempo. Nos seus textos, havia mais ideias que palavras. E pontos de exclamação. E reticências. E o preito inflamado de um parlamentar de oitocentos. Num estilo só seu, a que poderíamos chamar ante-pós-camiliano-vertido-em-fado-de-Coimbra, o Mimôncio foi-nos deixando, debaixo do estuque das opiniões, vislumbres de um profundo humanismo (que nele reside à revelia, claro, que eu não estou aqui para elogiar ninguém... pffff!). Como estes:
Sobre o concerto dos Rolling Stones em Coimbra:
"A título de curiosidade, descrevo algumas das privações a que os Conimbricenses vão estar sujeitos no dia do espectáculo:
- Entram 60 camiões de espectáculos numa cidade com 100 mil habitantes, o que vai obrigar ao corte de trânsito nas principais vias de acesso ao estádio;
- Irá receber 30 mil pessoas ( um terço da população residente ) na sua cidade, implicando a lotação a um Sábado à noite de restaurantes, bares e cafés... hotéis, residenciais, motéis e bordéis;
- Irão ser cortadas, das 16 horas às 00:00 de Domingo quase todas as principais vias estruturantes da cidade;
- Os autocarros serão preferencialmente destinados aos portadores do tal bilhete que lhes dará o ingresso no espectáculo.
No entanto, ainda não registei qualquer tipo de crítica, aborrecimento ou ingratidão de um único habitante desta cidade ( mesmo os que não vão ao concerto ). Porque não se importam de andar a pé ( a cidade até é pequena, apesar de topograficamente instável ), de demorar 3 horas para jantar e esperar 30 minutos para arranjar mesa num café, de regressar de autocarro ( lotado ) do emprego ( os que trabalham ao sábado ), de não poder ir brincar com os filhos ao parque da cidade ou levá-los ao centro comercial... Porque sabem, querem e desejam isto! Sempre souberam, sabem e continuarão a saber receber os visitantes do Porto e de Lisboa que agora terão que desembolsar quantias astronómicas para “fazerem a festa”.
Agora são os habitantes do Porto e de Lisboa que serão as pedras a rolar pelo país, em busca da “centralidade” de Coimbra.
Ficamos ( todos sem excepção ) embevecidos quando, por exemplo, o Zé Pedro dos Xutos ( que tocam de graça para poderem estar ao lado dos Stones, que têm o cachet inacreditável de 1 milhão de euros ) afirma que: “Para mim, como amigo de Coimbra, sócio da Académica e na inauguração do novo estádio, tudo isto é um prazer enorme”. Para mim também, mas não sou o Zé...
Por tudo isto este concerto vai deixar saudades... porque é o último... porque é em Coimbra. E porque Coimbra é também minha!"
Sobre gatos e violência infantil:
"Isto passou-se quando tinha 4 anos ( e a partir de agora, aconselho os susceptíveis a não lerem o resto!...). Andava a ler umas revistas do Patinhas, que eram do Peninha e do Biquinho ( nunca percebi a generalização de chamar a estes livros de “Patinhas” quando é este, porventura, “o personagem” com menor interesse! ). Resumindo:
O Biquinho tinha um gato – o Ronron – e atirava-o sistematicamente ao ar! O gato, como todos sabem, caía sempre direito, com as quatro patas ao mesmo tempo no chão! Passa um amigo que ia com o irmão ao colo e que, ao ver estas habilidades, propõe ao Biquinho a troca do gato pelo irmão, ao qual, obviamente, não poderia atirar ao ar. Nisto, o Biquinho explica-lhe que só poderia fazer isto 7 vezes ( o número de vidas do Ronron, obviamente! ).
O final da história não sei… O que se passou foi que, logo por azar, tinham-me oferecido um gato ( não tinha mais de 2 meses ). Escusado será dizer que o atirei 7 vezes ao ar…e lembro-me perfeitamente que ele cumpriu a história na íntegra!... A não ser o facto de ter partido a espinha. E de o colocar no caixote do lixo, porque o gajo não queria brincar… enfim!, pomenores…
Se estivéssemos no mundo do Michael Moore, ou no seu país, poderíamos, sem dúvida nenhuma e com justa causa, processar a Disney. Claro: porque o Biquinho é, de facto, um assassino em potência - pelo menos de gatos - e a Disney uma produtora incansável de serial-killers. Sempre desconfiei que o tio Patinhas era o padrinho! E eu soube isso durante duas décadas… Mas o meu pai não tinha tempo para processos porque andava mais preocupado em me arranjar o último exemplar do “Patinhas” do Zé Carioca – o dealer das favelas brasileiras!"
Sobre "O Jardim dos Suplícios", de Octave Mirabeau, e os Manic Street Preachers e a vida em geral:
"Comprei-o ( o livro ) numa livraria ( em 98 ), por mero acaso e depois de consultar umas revistas de especialidade.
Estou a falar de um livro de "bolso" 16x12 cm, azul escuro do tipo calças de ganga ( não gastas ), e com letras a dourado.
Basicamente descreve a história de um tipo solitário que conhece, numa festa ( acho eu! ), uma rapariga por quem se apaixona. Decide partir com ela numa viagem à China, num cruzeiro.
O livro, de uma forma mordaz, fantasia exaustivamente sobre os jardins chineses, e introduz-lhe o factor campos de concentração. Ou seja, era nestes espaços que se praticavam, na sua história, os actos de tortura. Entre relatos fabulosos, onde, por oposição, está presente a maravilha e o esplendor da natureza a par do horror dos actos de barbárie, eis que me deparo com um diálogo entre as personagens em que, a certa altura, não compreendendo - o gajo - como uma mulher poderia elogiar tais actos de tortura, obteve como resposta:
"(...) És obrigado a demonstrar respeito por pessoas e instituições que pensas serem absurdas. Vives preso num estilo cobarde a convenções morais e sociais que desprezas, condenas, e que sabes não terem qualquer tipo de fundamento. É essa permanente contradição entre as tuas ideias e desejos e todas as formalidades em desuso e vãs pretensões da tua civilização que te fazem triste, preocupado e desequilibrado. Nesse intolerável conflicto tu perdes toda a alegria da vida e todo o sentimento da personalidade, porque em todos os momentos eles suprimem e restringem e verificam toda a liberdade dos teus poderes. É essa a venenosa e mortal ferida do nosso mundo civilizado.(...)"
Sou um desrespeitador por natureza. Estou-me nas tintas para as convenções morais que desprezo e condeno, e que sei não terem qualquer tipo de fundamento.
Até hoje, tento viver cada momento como se fosse o último, alegremente, sentindo sempre que posso, e tentando “gritar” o mais alto que consigo."
Sobre o gosto, uma Professora e uma tipa casada com um burgesso:
"Obviamente que o “gosto” não passa por nada de demasiado erudito.
Na gastronomia, por exemplo, não temos necessariamente que gostar do aspecto exterior de “onde se come” mas, sobretudo, teremos que gostar “do que se come”.
Na arte, não temos que gostar ( deveríamos, mas pronto! ) de Kandinsky mas, sobretudo, devemos tentar entender em que sentido aquilo é produzido - quanto mais não seja por “gostarmos de” tentar entender e compreender.
O gosto deveria, desta forma, ser entendido como um traço da personalidade de um indivíduo, do carácter de um ser, que posteriormente o levasse a determinado rumo mas que se incumbisse de o exacerbar a limites para os quais não se encontrava anteriormente direccionado.
Lembro-me perfeitamente de uma escultura que a minha professora de História das Artes me mostrou, numa das primeiras aulas ( tinha eu 16 anos ). Era um Cristo, sem braços, com um aspecto tosco, escuro, degradado, de uma escultora qualquer conhecida (não cultivo o “gosto por” decorar “nomes de”).
Perguntou-nos o que achávamos!... De entre muitas respostas ( a melhor foi “Credo, não tem braços!” ), ela esperava: “É belo” – a resposta, passados 30 minutos, veio de um tal de Mimosa!
Não giro, não bonito, não engraçado, não feio... belo! E “belo” porque, apesar do aspecto deformado, mostrava possuir um valor intrínseco e um entendimento muito superior ao do aspecto exterior. Era Cristo, ou antes: uma imagem que O tentava representar. Feita por alguém que, com empenho, sentido imaginativo, trabalho, critério... e “gosto”, tentou deixar um legado para as pessoas, quanto mais não fosse, para lhes explicar o que é o “gosto”... o que é belo!
E não cabia na cabeça de ninguém ( mesmo na do que se admirou... ) colocar braços na peça, porque ela deixava de fazer qualquer tipo de sentido... Era o “gosto” a ser educado.
Vem a propósito todo este paleio por causa de uma cliente do escritório que veio há dias pedir umas telas finais ( vulgo projecto de alterações ) de uma habitação que teve a honra de ter sido concebida por um tal de arquitecto.
Já por lá tinha passado, eu, num dia chuvoso ( daqueles em que não se dá por nós numa obra ), e tinha visto a excelente merda que tinham construído. Alteraram tudo! Esperei pacientemente porque sabia que, mais dia menos dia, teriam que me vir pedir o projecto de alterações e justificar tal falta de respeito pelo meu trabalho.
O dia chega; ela entra e pede-me ( com um sorriso nos lábios ) o tal projecto de alterações, porque... “Sr. Arquitecto, o meu marido fez lá umas alteraçõezinhas!”
Não sei porque me lembrei daquilo, mas disse-lhe mais ou menos o seguinte:
“Imagine que vai a uma galeria de arte. Vê o retrato de um Homem, pintado a lápis, por um pintor qualquer. Esse quadro representa um ser idoso, de chapéu,com óculos e...sem bigode.Compra o quadro. Pendura-o, num lugar de destaque na sua casa. Há algo que não gosta! Você, por acaso pegava num lápis e pintava-lhe um bigode?”
Responde-me que não.
“Agora imagine o que era se você transformasse o velhote numa miúda de 6 anos!”
Foi-se embora! Senti que tinha explicado à minha professora que tinha compreendido aquela lição. E que tinha gostado..."