quarta-feira, agosto 02, 2006 |
SUBSÍDIOS PARA A ARQUEOLOGIA DESTE BLOG, vol. 1
Z., de seu verdadeiro nome Z. mas também conhecido por O Belo Menir (e por Gisela, no Conde Redondo), é um fenómeno único na blogoesfera portuguesa. Deu mais a este blog do que alguma vez poderá receber de volta (sim: perde lá o sentido naqueles 15 contos de réis...). É um talento. É um portento. É um polemista acalorado. É rabugento quando lhe apetece e sabe ter graça ao sê-lo. É generoso. E escreve como o caraças.
Qualquer "best of" do Vareta Funda teria que começar por ele. Para quem já não se lembrava, eis a série das Alambridatia toda junta dentro de um balde...
Alambridatia, 1
- Espera...
- (arfando...) O quê?...
- Espera um pouco. Esta luz de fim de tarde...
- Queres correr os estores?
- Não. Mas a forma como incide assim, oblíqua e terna, no teu peito...
- Malandreco... eu também gostava muito que me desses mais atenção ao peito. Mas não pares, porra, continua...
- Não é nada disso, querida. Mas o teu peito desenha-se com um vigor todo novo a esta luz. É uma deusa que se ergue imponente quando as sombras invadem a terra. É uma nova religião que a mim se revela.
- Oh pá, pul'amor de Deus... continua mas é, não sejas mau...
- Mau? A tua silhueta prostra-me, em respeitosa devoção. É um momento mágico e dolorosamente eterno. Uma epifania.
- (suspirando) Uma epifania não direi. Mas se queres mesmo rezar, então contenta-te com uma epiveania, que já me tiraste a vontade...
Alambridatia, 2
- Sabes...
- hummm... o quê?...
- Não conheci mulheres suficientes para ter por certo isto ser do teu agrado.
- Como? Que história é essa de mulheres suficientes?
- Estarmos aqui é o resultado de um processo indutivo. As poucas a quem eu o fiz, gostaram. Logo, tomei-o abusivamente como um sinal de que a generalidade do sexo feminino gosta.
- Errrr... é uma coisa esquisita para tu te lembrares agora...
- Mas não é tudo. A maioria toma esse conhecimento fragmentário de cada um, amalgamado num certo ideário masculino, como se de uma generalidade se tratasse para concluir o mesmo por um processo pseudo-dedutivo, ferido nos pressupostos.
- Tu estás, realmente, a pensar nisso agora?
- Sim. No fundo, a lógica não é nossa amiga, nestes momentos.
- Então deixa-me ajudar-te. Se eu fizesse fé no amalgamado ideário feminino, deduziria que, apesar de tudo, tive muito azar contigo. Se, por outro lado, usasse o teu exemplo particular, seria obrigada a induzir que os homens não sabem lamber e comprava um cão. Sai lá, que me estás a babar o sofá.
Alambridatia, 3
- Diz-me uma coisa bonita.
- As coisas que eu podia dizer...
- Tenta, vá lá.
- Podia dizer como me dói o peito, inchado de amor por ti...
- ...
- ... de como me vejo um viajante, errando pelos montes em demanda da mais bela criatura que pisa a terra.
- Tão... lindo...
- De como me apetece subir ao mais alto cume e gritar o teu nome ao vazio.
- Bem...
- De como és o meu secreto e fresco vale, onde descanso e me exalto.
- Vale?
- De como bebo em teu olhar o leite que alimenta o meu sonho.
- Olhar, né? Ouve lá, tu gostas de mim ou das minhas mamas?
- Disparate! Onde é que foste buscar essa idéia?
Alambridatia, 4
(vagamente inspirada pelo meu casadoiro favorito, que já deixou saudades)
(ao telefone)
- Sim?
- Foi tão bonito...
- O quê?
- O que me mandaste. A mensagem.
- Ah! Obrigado...
- "...levo-te ao infinito depois das 20:45..."
- ...
- Sabes, vesti aquela lingerie de renda que me ofereceste...
- Ficas de morrer com ela.
- ... e abri uma garrafa de "Tapada de Coelheiros". Está a arejar em cima da lareira. Quando cá chegares já deve estar no ponto exacto. Estás à espera de quê?
- Desculpa, mas só depois das 20:45.
- O quê???
- Eu disse-te...
- Está bem, mas era uma expressão poética, porra!
- Não era nada. É o Benfica, na Sport TV.
Alambridatia, 5
- Senhora, porque desdenhais assim deste vosso servo?
- Eu, gentil cavaleiro?
- Sim, vós. Notastes, por certo, como o meu olhar vos procura, incessante e furtivo.
- Senhor, cobris de rubor o meu embaraço...
- Asseguro-vos, senhora, que nada há nas minhas intenções que justifique tal embaraço.
- Mas é tudo tão súbito... mal vos conheço. Que digo eu!, mal me conheceis. Como podeis estar tão seguro de vossas intenções?
- Senhora, vejo-vos tão clara em meu coração quanto o mago espreita o porvir no seu cristal amaldiçoado.
- Blasfemais, senhor!
- Perdoai-me, minha adorada, mas se for o inferno dos danados a punição para este amor, tépida brisa de Abril me parecerá a sulfurosa eternidade.
- Senhor!...
- Ah, cruel destino! Não me deixeis assim, senhora, por vossa alma. Quereis realmente ser o algoz da minha alegria? Dizei-mo agora. Selai com uma palavra o féretro onde encerrarei meu coração em vida.
- Sabei então, nobre cavaleiro, que ao vosso penhor não sou indiferente.
- Deveras? É do coração que falais?
- Pois sim. Também eu - permiti-me a confissão - vos observo há muito.
- Senhora! Sabei que hoje é o dia do meu segundo nascimento, pois que hoje o Sol começa, para mim, a brilhar com nova luz.
- Também eu, senhor, rejubilo com vosso amor.
- Ah, feliz fortuna! Vejo a minha vida a escrever-se em douradas páginas. Como anseio pelo momento de tocar vossos lábios, vosso corpo, vossa virtude...
- Minha virtude?!?
- Perdoai. Foi o entusiasmo. Tal não deveria ter ousado.
- Não se trata disso, meu fogoso cavaleiro, mas julgais que ainda carrego esse injusto fardo da virtuosidade?
- Por Deus! Fostes assaltada, minha dama? Viveis em silenciosa vergonha?
- Assalto? Vergonha? Meu pobre e baralhado cavaleiro, estamos no séc. XVI. Cuidais que ainda vivemos na Idade das Trevas?
NOTA: este texto foi originalmente postado prenhe de incorrecções, assacáveis única e exclusivamente à inépcia do autor. Está agora ligeiramente menos ofensivo, obra do insigne Fodósofo, incansável vigilante e tenaz caçador das misérias linguísticas do autor, que assim publicamente manifesta o seu agradecimento.
Alambridatia, 6
Casal na casa dos 30, deitados em extensa cama. Lençóis de cetim, velas. Ela, em provocante camisa de seda, ele em boxers de algodão, justos. É uma quente noite de verão.
- O desenho dos teus músculos é digno de um Rodin.
- Pintor nenhum seria capz de reproduzir o teu contorno suave e a tua pele diáfana. Vejo a tua alma à transparência, tremeluzente.
- A tua serenidade é a minha enseada, o mármore do teu rosto, a minha fundação.
- O som da tua voz é como a semente que rasga a rocha, o fio de água que divide a montanha, o murmúrio do magma que se espreguiça no centro da Terra.
- Sinto o teu calor, daqui. A minha carne amolece, a minha vontade liquefaz-se, a minha pele enrubesce, o meu desejo vaporiza-se e envolve-nos em volutas de inevitabilidade, torce e rodopia num avassalador vulcão de sentidos.
- O teu cheiro é o da terra molhada na primeira noite de Primavera, é o do estuário fértil no virar da maré, o odor adocicado que sobe ao entardecer das matas virgens do Brasil, dos pântanos cálidos onde se corrompe a matéria e renasce a vida em novas e prodigiosas formas.
- A tua força é a do Sol impiedoso que nenhuma sombra aplaca, da primeira onda a quebrar sobre a primeira rocha, do primeiro feixe de luz da primeira estrela, eco do Big Bang que ressoa no final do Universo.
- És nuvem, terra e energia, sismo libertador, vulcão vingador da Terra decidida a reclamar-se, és o Génesis e o Apocalipse, és Deus saindo dos Infernos, morte sem redenção!
- És Nemésis reclamando a minha alma, supernova que me engole e incinera, explosão que me dilacera a carne e a arranca dos ossos!
- És doença insidiosa e pérfida que em meu âmago cravou as garras e me consome em pasta de sangue e pus!
- ... (com ar alarmado)...
- ... (com ar embaraçado)...
- Bem...
- Hum...
- Vou ver um bocadinho de televisão, importas-te?
- Não, mas põe baixinho que amanhã levanto-me cedo.
Alambridatia, 7
- Desculpe...
- Sim?
- Não me contive, e tive que vir falar-lhe.
Ela sorriu um sorriso levemente amargo e cansado.
- Vê? É esse mistério. Esse sorriso delicioso e radiante, essa indefinível sombra que lhe vela o rosto...
- Não há nada a esconder, garanto-lhe.
- Mas claro que há! É todo o mistério da condição feminina que eu vejo nesse sorriso, nesse porte orgulhoso e impecavelmente devastador de mulher que sabe a impressão que causa, na volúpia ousadamente sugerida pela sua roupa.
- Tu és um galanteador...
- Por favor, não reduzas a importância que tens. Quero conhecer o que te tolhe a fruição de toda essa generosidade física. Quero perceber porque não reinas tu sobre todo o espaço que iluminas.
- E então, que sugeres?
- Deixa-me estar aqui contigo. Vamos falar um dia inteiro, vamos deixar escapar sinais da nossa humanidade, vamos tocar nas nossas almas.
- Um dia inteiro? Tás louco? Meia horita e já gozas. 150 Euros, mais o quarto e só com preservativo. E nem penses em vir pra cá com porcarias.
Alambridatia, 8
- E Budapeste?
- Budapeste? Que é que há em Budapeste?
- Ora, que pergunta! É uma das cidades mais bonitas do mundo. As avenidas, os palácios, a arquitectura. Respira-se erudição.
- Não me parece... e se fosse Ibiza?
- Ibiza?!? Que nojo! Montes de ingleses semi-analfabetos e ruidosos a comportarem-se como se estivessem em casa...
- Mas tem praias lindas. E imensa animação.
- Praias temos nós por cá, para quê gastar um dinheirão indo lá para fora?
- Boa ideia! Podíamos ir para o Algarve!
- O Algarve é um caos turístico completamente descaracterizado. Antes irmos para o litoral alentejano, Odeceixe ou Aljezur. Há lá uns tipos giríssimos a recuperar moínhos e estilos de vida tradicionais.
- Mas as praias ficam longíssimo!
- Podíamos ir de bicicleta, ou caminhar. A beleza rude daquelas falésias é devastadora.
- E, além disso, não há mais nada para fazer.
- Se queres fazer “coisas”, porque não Viena? Temos os concertos, a ópera, os museus...
- Porra, mas não há mais ninguém, e o meu conceito de diversão em férias não é bem esse...
- Em contrapartida, passávamos as férias com pessoas que nos são culturalmente afins.
- Pois. O meu medo é mesmo esse.
Alambridatia, 9
- Tu tens outra.
- O quê?
- Tu tens outra.
- De onde é que te veio essa ideia?
- Já não me desejas.
- Que parvoíce!
- É? Então porque é que já não fazemos amor com a mesma frequência com que fazíamos?
- Não?
- Claro que não. Dantes era sempre que podíamos. Agora passam dias sem que me procures.
- Bem, a novidade tem um efeito afrodisíaco que se perde...
- Ah, queres então dizer que agora estou usada?
- Nada disso! Mas sabes que a atracção sexual funda-se muito na novidade, no desejo não satisfeito. Após algum tempo de convivência desvanece-se esse efeito e fica o afecto pela tua companhia, pela tua inteligência, a tua perspicácia, a tua capacidade de análise, o teu humor, etc...
- Queres dizer que só a minha personalidade te atrai, neste momento?
- Claro que não. Mas, a prazo, é essa que vai segurar a nossa relação. Eu amo-te pelo que tu és, não pelo que me fazes ou pelo que eu te posso fazer na cama.
- Então o sexo não entra nessa tua contabilidade?
- Entra, mas não é fundamental. O resto é muito mais importante.
- Agora percebo como me enganei.
- Claro que te enganaste.
- Tu não tens outra. Tu és paneleiro e nem sabes.
Alambridatia, 10
- Gostaste?
- Tonto. Claro que gostei.
- Tu sabes que eu não sou muito experiente...
- Mal se notou.
- De certeza que houve algumas coisas que não te agradaram por aí além...
- Deixa-te de parvoíces.
- Estou a falar a sério. Por exemplo, não me pareceu que tivesses gostado muito quando te acariciei o peito.
- Bem... foste um bocadinho bruto...
- Desculpa, foi a excitação.
- Eu sei. Esquece, não tem importância.
- Tem sim! Imensa! E também não gostaste que te beijasse as orelhas.
- O beijar era como o outro... agora, escusavas era de ter enfiado a língua daquela maneira.
- Agora estás-me a deprimir. Ao menos gostaste das dentadas no pescoço?
- Ah, esquece essas merdas...
- Nem isso?
- (suspirando)
- Isto está muito pior do que eu pensava, porra...
- Pára com isso. Queres saber das dentadas? Dá cá o teu pescocinho, para ver se gostas que eu te ferre daquela maneira.
- Está bem, já percebi. Mas dos beijinhos gostaste!
- Claro que gostei.
- Nisso sou bom.
- Bem... na verdade, podias passear um bocadinho mais com a língua. Sempre no mesmo sítio cansa um bocadito, sabes?
- Merda, também não gostaste...
- Não disse isso! Mas ninguém nasce ensinado e leva tempo até que duas pessoas aprendam os truques uma da outra.
- Agora estás a ser condescendente. Não é preciso achincalhar, Ok?
- Irra! Não é nada disso!
- Não me estás a ajudar nada com essa falsa compreensão.
- Grrrrr...
- A honestidade é muito mais importante numa relação que o amor-próprio de um ou do outro.
- Já chega. Já me estás a irritar.
- Tu é que és desonesta e dissimulada.
- Ah, é? Então, escuta bem: sabes que há outras posições além do missionário? E sabes que as mulheres também gostam de ter orgasmos? E mais uma dica: enquanto fodemos, há coisas bem mais agradáveis para fazer com a boca, além de atirar perdigotos para cima da parceira. Porra, nem um linguado sabes dar!
- (abrindo e fechando a boca, com ar incrédulo) Mas afinal, de que é que tu gostaste?
- Que tivesse acabado! Foda-se, que além de não ter jeitinho nenhum é chato!
Alambridatia, 11
- Não foi nada disso que eu disse!
- Mas pensaste.
- AH! Agora és telepata?
- Não preciso. Conheço-te bem demais.
- Julgas, realmente, ser possível conhecer alguém assim tão bem?
- Esquece os conceitos. Não se trata do que eu julgo ser possível ou não, é uma constatação de um facto. Tu és transparente para mim.
- Transparente? Achas que toda a minha densidade é visível do exterior?
- Só falo por mim. Eu já te conheço há muito tempo. O teu corpo, a tua cara, as tuas mãos, a maneira como respiras, são coisas que me falam tão claramente como as tuas palavras. Mais claramente, até, porque me dizem aquilo que tu queres esconder.
- Presumes, então, que eu não controlo o meu corpo. Que eu não uso à tua frente a pose que todos – tu, inclusive - ensaiamos até à exaustão e que corresponde à imagem que queremos projectar de nós próprios.
- Não se trata disso. Tu és tão composta quanto outro qualquer, mas eu aprendi a ler os sinais ténues que deixas cair de vez em quando. Um ligeiro arquear de sobrolho, uma súbita frieza na voz, um pé impaciente… coisas dessas.
- E quem te disse que mesmo essas coisas não fazem parte da minha pose? Que não são mensagens que te estou a fazer chegar, sabendo que tu vais prestar-lhes mais atenção que às minhas próprias palavras?
- Ora, deixa-te disso. Não és assim tão tortuosa.
- Pois claro! Eu, no fundo, sou uma alma simples, quase imbecil.
- Não foi nada disso que eu disse!
- Mas pensaste…
Z., de seu verdadeiro nome Z. mas também conhecido por O Belo Menir (e por Gisela, no Conde Redondo), é um fenómeno único na blogoesfera portuguesa. Deu mais a este blog do que alguma vez poderá receber de volta (sim: perde lá o sentido naqueles 15 contos de réis...). É um talento. É um portento. É um polemista acalorado. É rabugento quando lhe apetece e sabe ter graça ao sê-lo. É generoso. E escreve como o caraças.
Qualquer "best of" do Vareta Funda teria que começar por ele. Para quem já não se lembrava, eis a série das Alambridatia toda junta dentro de um balde...
Alambridatia, 1
- Espera...
- (arfando...) O quê?...
- Espera um pouco. Esta luz de fim de tarde...
- Queres correr os estores?
- Não. Mas a forma como incide assim, oblíqua e terna, no teu peito...
- Malandreco... eu também gostava muito que me desses mais atenção ao peito. Mas não pares, porra, continua...
- Não é nada disso, querida. Mas o teu peito desenha-se com um vigor todo novo a esta luz. É uma deusa que se ergue imponente quando as sombras invadem a terra. É uma nova religião que a mim se revela.
- Oh pá, pul'amor de Deus... continua mas é, não sejas mau...
- Mau? A tua silhueta prostra-me, em respeitosa devoção. É um momento mágico e dolorosamente eterno. Uma epifania.
- (suspirando) Uma epifania não direi. Mas se queres mesmo rezar, então contenta-te com uma epiveania, que já me tiraste a vontade...
Alambridatia, 2
- Sabes...
- hummm... o quê?...
- Não conheci mulheres suficientes para ter por certo isto ser do teu agrado.
- Como? Que história é essa de mulheres suficientes?
- Estarmos aqui é o resultado de um processo indutivo. As poucas a quem eu o fiz, gostaram. Logo, tomei-o abusivamente como um sinal de que a generalidade do sexo feminino gosta.
- Errrr... é uma coisa esquisita para tu te lembrares agora...
- Mas não é tudo. A maioria toma esse conhecimento fragmentário de cada um, amalgamado num certo ideário masculino, como se de uma generalidade se tratasse para concluir o mesmo por um processo pseudo-dedutivo, ferido nos pressupostos.
- Tu estás, realmente, a pensar nisso agora?
- Sim. No fundo, a lógica não é nossa amiga, nestes momentos.
- Então deixa-me ajudar-te. Se eu fizesse fé no amalgamado ideário feminino, deduziria que, apesar de tudo, tive muito azar contigo. Se, por outro lado, usasse o teu exemplo particular, seria obrigada a induzir que os homens não sabem lamber e comprava um cão. Sai lá, que me estás a babar o sofá.
Alambridatia, 3
- Diz-me uma coisa bonita.
- As coisas que eu podia dizer...
- Tenta, vá lá.
- Podia dizer como me dói o peito, inchado de amor por ti...
- ...
- ... de como me vejo um viajante, errando pelos montes em demanda da mais bela criatura que pisa a terra.
- Tão... lindo...
- De como me apetece subir ao mais alto cume e gritar o teu nome ao vazio.
- Bem...
- De como és o meu secreto e fresco vale, onde descanso e me exalto.
- Vale?
- De como bebo em teu olhar o leite que alimenta o meu sonho.
- Olhar, né? Ouve lá, tu gostas de mim ou das minhas mamas?
- Disparate! Onde é que foste buscar essa idéia?
Alambridatia, 4
(vagamente inspirada pelo meu casadoiro favorito, que já deixou saudades)
(ao telefone)
- Sim?
- Foi tão bonito...
- O quê?
- O que me mandaste. A mensagem.
- Ah! Obrigado...
- "...levo-te ao infinito depois das 20:45..."
- ...
- Sabes, vesti aquela lingerie de renda que me ofereceste...
- Ficas de morrer com ela.
- ... e abri uma garrafa de "Tapada de Coelheiros". Está a arejar em cima da lareira. Quando cá chegares já deve estar no ponto exacto. Estás à espera de quê?
- Desculpa, mas só depois das 20:45.
- O quê???
- Eu disse-te...
- Está bem, mas era uma expressão poética, porra!
- Não era nada. É o Benfica, na Sport TV.
Alambridatia, 5
- Senhora, porque desdenhais assim deste vosso servo?
- Eu, gentil cavaleiro?
- Sim, vós. Notastes, por certo, como o meu olhar vos procura, incessante e furtivo.
- Senhor, cobris de rubor o meu embaraço...
- Asseguro-vos, senhora, que nada há nas minhas intenções que justifique tal embaraço.
- Mas é tudo tão súbito... mal vos conheço. Que digo eu!, mal me conheceis. Como podeis estar tão seguro de vossas intenções?
- Senhora, vejo-vos tão clara em meu coração quanto o mago espreita o porvir no seu cristal amaldiçoado.
- Blasfemais, senhor!
- Perdoai-me, minha adorada, mas se for o inferno dos danados a punição para este amor, tépida brisa de Abril me parecerá a sulfurosa eternidade.
- Senhor!...
- Ah, cruel destino! Não me deixeis assim, senhora, por vossa alma. Quereis realmente ser o algoz da minha alegria? Dizei-mo agora. Selai com uma palavra o féretro onde encerrarei meu coração em vida.
- Sabei então, nobre cavaleiro, que ao vosso penhor não sou indiferente.
- Deveras? É do coração que falais?
- Pois sim. Também eu - permiti-me a confissão - vos observo há muito.
- Senhora! Sabei que hoje é o dia do meu segundo nascimento, pois que hoje o Sol começa, para mim, a brilhar com nova luz.
- Também eu, senhor, rejubilo com vosso amor.
- Ah, feliz fortuna! Vejo a minha vida a escrever-se em douradas páginas. Como anseio pelo momento de tocar vossos lábios, vosso corpo, vossa virtude...
- Minha virtude?!?
- Perdoai. Foi o entusiasmo. Tal não deveria ter ousado.
- Não se trata disso, meu fogoso cavaleiro, mas julgais que ainda carrego esse injusto fardo da virtuosidade?
- Por Deus! Fostes assaltada, minha dama? Viveis em silenciosa vergonha?
- Assalto? Vergonha? Meu pobre e baralhado cavaleiro, estamos no séc. XVI. Cuidais que ainda vivemos na Idade das Trevas?
NOTA: este texto foi originalmente postado prenhe de incorrecções, assacáveis única e exclusivamente à inépcia do autor. Está agora ligeiramente menos ofensivo, obra do insigne Fodósofo, incansável vigilante e tenaz caçador das misérias linguísticas do autor, que assim publicamente manifesta o seu agradecimento.
Alambridatia, 6
Casal na casa dos 30, deitados em extensa cama. Lençóis de cetim, velas. Ela, em provocante camisa de seda, ele em boxers de algodão, justos. É uma quente noite de verão.
- O desenho dos teus músculos é digno de um Rodin.
- Pintor nenhum seria capz de reproduzir o teu contorno suave e a tua pele diáfana. Vejo a tua alma à transparência, tremeluzente.
- A tua serenidade é a minha enseada, o mármore do teu rosto, a minha fundação.
- O som da tua voz é como a semente que rasga a rocha, o fio de água que divide a montanha, o murmúrio do magma que se espreguiça no centro da Terra.
- Sinto o teu calor, daqui. A minha carne amolece, a minha vontade liquefaz-se, a minha pele enrubesce, o meu desejo vaporiza-se e envolve-nos em volutas de inevitabilidade, torce e rodopia num avassalador vulcão de sentidos.
- O teu cheiro é o da terra molhada na primeira noite de Primavera, é o do estuário fértil no virar da maré, o odor adocicado que sobe ao entardecer das matas virgens do Brasil, dos pântanos cálidos onde se corrompe a matéria e renasce a vida em novas e prodigiosas formas.
- A tua força é a do Sol impiedoso que nenhuma sombra aplaca, da primeira onda a quebrar sobre a primeira rocha, do primeiro feixe de luz da primeira estrela, eco do Big Bang que ressoa no final do Universo.
- És nuvem, terra e energia, sismo libertador, vulcão vingador da Terra decidida a reclamar-se, és o Génesis e o Apocalipse, és Deus saindo dos Infernos, morte sem redenção!
- És Nemésis reclamando a minha alma, supernova que me engole e incinera, explosão que me dilacera a carne e a arranca dos ossos!
- És doença insidiosa e pérfida que em meu âmago cravou as garras e me consome em pasta de sangue e pus!
- ... (com ar alarmado)...
- ... (com ar embaraçado)...
- Bem...
- Hum...
- Vou ver um bocadinho de televisão, importas-te?
- Não, mas põe baixinho que amanhã levanto-me cedo.
Alambridatia, 7
- Desculpe...
- Sim?
- Não me contive, e tive que vir falar-lhe.
Ela sorriu um sorriso levemente amargo e cansado.
- Vê? É esse mistério. Esse sorriso delicioso e radiante, essa indefinível sombra que lhe vela o rosto...
- Não há nada a esconder, garanto-lhe.
- Mas claro que há! É todo o mistério da condição feminina que eu vejo nesse sorriso, nesse porte orgulhoso e impecavelmente devastador de mulher que sabe a impressão que causa, na volúpia ousadamente sugerida pela sua roupa.
- Tu és um galanteador...
- Por favor, não reduzas a importância que tens. Quero conhecer o que te tolhe a fruição de toda essa generosidade física. Quero perceber porque não reinas tu sobre todo o espaço que iluminas.
- E então, que sugeres?
- Deixa-me estar aqui contigo. Vamos falar um dia inteiro, vamos deixar escapar sinais da nossa humanidade, vamos tocar nas nossas almas.
- Um dia inteiro? Tás louco? Meia horita e já gozas. 150 Euros, mais o quarto e só com preservativo. E nem penses em vir pra cá com porcarias.
Alambridatia, 8
- E Budapeste?
- Budapeste? Que é que há em Budapeste?
- Ora, que pergunta! É uma das cidades mais bonitas do mundo. As avenidas, os palácios, a arquitectura. Respira-se erudição.
- Não me parece... e se fosse Ibiza?
- Ibiza?!? Que nojo! Montes de ingleses semi-analfabetos e ruidosos a comportarem-se como se estivessem em casa...
- Mas tem praias lindas. E imensa animação.
- Praias temos nós por cá, para quê gastar um dinheirão indo lá para fora?
- Boa ideia! Podíamos ir para o Algarve!
- O Algarve é um caos turístico completamente descaracterizado. Antes irmos para o litoral alentejano, Odeceixe ou Aljezur. Há lá uns tipos giríssimos a recuperar moínhos e estilos de vida tradicionais.
- Mas as praias ficam longíssimo!
- Podíamos ir de bicicleta, ou caminhar. A beleza rude daquelas falésias é devastadora.
- E, além disso, não há mais nada para fazer.
- Se queres fazer “coisas”, porque não Viena? Temos os concertos, a ópera, os museus...
- Porra, mas não há mais ninguém, e o meu conceito de diversão em férias não é bem esse...
- Em contrapartida, passávamos as férias com pessoas que nos são culturalmente afins.
- Pois. O meu medo é mesmo esse.
Alambridatia, 9
- Tu tens outra.
- O quê?
- Tu tens outra.
- De onde é que te veio essa ideia?
- Já não me desejas.
- Que parvoíce!
- É? Então porque é que já não fazemos amor com a mesma frequência com que fazíamos?
- Não?
- Claro que não. Dantes era sempre que podíamos. Agora passam dias sem que me procures.
- Bem, a novidade tem um efeito afrodisíaco que se perde...
- Ah, queres então dizer que agora estou usada?
- Nada disso! Mas sabes que a atracção sexual funda-se muito na novidade, no desejo não satisfeito. Após algum tempo de convivência desvanece-se esse efeito e fica o afecto pela tua companhia, pela tua inteligência, a tua perspicácia, a tua capacidade de análise, o teu humor, etc...
- Queres dizer que só a minha personalidade te atrai, neste momento?
- Claro que não. Mas, a prazo, é essa que vai segurar a nossa relação. Eu amo-te pelo que tu és, não pelo que me fazes ou pelo que eu te posso fazer na cama.
- Então o sexo não entra nessa tua contabilidade?
- Entra, mas não é fundamental. O resto é muito mais importante.
- Agora percebo como me enganei.
- Claro que te enganaste.
- Tu não tens outra. Tu és paneleiro e nem sabes.
Alambridatia, 10
- Gostaste?
- Tonto. Claro que gostei.
- Tu sabes que eu não sou muito experiente...
- Mal se notou.
- De certeza que houve algumas coisas que não te agradaram por aí além...
- Deixa-te de parvoíces.
- Estou a falar a sério. Por exemplo, não me pareceu que tivesses gostado muito quando te acariciei o peito.
- Bem... foste um bocadinho bruto...
- Desculpa, foi a excitação.
- Eu sei. Esquece, não tem importância.
- Tem sim! Imensa! E também não gostaste que te beijasse as orelhas.
- O beijar era como o outro... agora, escusavas era de ter enfiado a língua daquela maneira.
- Agora estás-me a deprimir. Ao menos gostaste das dentadas no pescoço?
- Ah, esquece essas merdas...
- Nem isso?
- (suspirando)
- Isto está muito pior do que eu pensava, porra...
- Pára com isso. Queres saber das dentadas? Dá cá o teu pescocinho, para ver se gostas que eu te ferre daquela maneira.
- Está bem, já percebi. Mas dos beijinhos gostaste!
- Claro que gostei.
- Nisso sou bom.
- Bem... na verdade, podias passear um bocadinho mais com a língua. Sempre no mesmo sítio cansa um bocadito, sabes?
- Merda, também não gostaste...
- Não disse isso! Mas ninguém nasce ensinado e leva tempo até que duas pessoas aprendam os truques uma da outra.
- Agora estás a ser condescendente. Não é preciso achincalhar, Ok?
- Irra! Não é nada disso!
- Não me estás a ajudar nada com essa falsa compreensão.
- Grrrrr...
- A honestidade é muito mais importante numa relação que o amor-próprio de um ou do outro.
- Já chega. Já me estás a irritar.
- Tu é que és desonesta e dissimulada.
- Ah, é? Então, escuta bem: sabes que há outras posições além do missionário? E sabes que as mulheres também gostam de ter orgasmos? E mais uma dica: enquanto fodemos, há coisas bem mais agradáveis para fazer com a boca, além de atirar perdigotos para cima da parceira. Porra, nem um linguado sabes dar!
- (abrindo e fechando a boca, com ar incrédulo) Mas afinal, de que é que tu gostaste?
- Que tivesse acabado! Foda-se, que além de não ter jeitinho nenhum é chato!
Alambridatia, 11
- Não foi nada disso que eu disse!
- Mas pensaste.
- AH! Agora és telepata?
- Não preciso. Conheço-te bem demais.
- Julgas, realmente, ser possível conhecer alguém assim tão bem?
- Esquece os conceitos. Não se trata do que eu julgo ser possível ou não, é uma constatação de um facto. Tu és transparente para mim.
- Transparente? Achas que toda a minha densidade é visível do exterior?
- Só falo por mim. Eu já te conheço há muito tempo. O teu corpo, a tua cara, as tuas mãos, a maneira como respiras, são coisas que me falam tão claramente como as tuas palavras. Mais claramente, até, porque me dizem aquilo que tu queres esconder.
- Presumes, então, que eu não controlo o meu corpo. Que eu não uso à tua frente a pose que todos – tu, inclusive - ensaiamos até à exaustão e que corresponde à imagem que queremos projectar de nós próprios.
- Não se trata disso. Tu és tão composta quanto outro qualquer, mas eu aprendi a ler os sinais ténues que deixas cair de vez em quando. Um ligeiro arquear de sobrolho, uma súbita frieza na voz, um pé impaciente… coisas dessas.
- E quem te disse que mesmo essas coisas não fazem parte da minha pose? Que não são mensagens que te estou a fazer chegar, sabendo que tu vais prestar-lhes mais atenção que às minhas próprias palavras?
- Ora, deixa-te disso. Não és assim tão tortuosa.
- Pois claro! Eu, no fundo, sou uma alma simples, quase imbecil.
- Não foi nada disso que eu disse!
- Mas pensaste…