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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


sexta-feira, agosto 18, 2006

Microfábulas – especial Verão 2006

Havia, certa vez, uma mulher solteira e conformada com essa situação, que se esforçava por esconder, ainda que sem grande sucesso, um carinho desmedido pelas bebidas brancas que consumia vorazmente no recato do seu pequeno apartamento. “Lá vai a Mariana Bezana!”, diriam uns; “Lá vai a Dona Mariana!”, diriam os mais educados. E Mariana lá ia, geralmente de carro, até qualquer grande superfície suficientemente longe do seu bairro onde se pudesse abastecer daquilo que tanto apreciava a salvo do julgamento sumário dos olhares dos vizinhos.

Mulher educada e reservada, a quem nem o álcool conferia particular vivacidade, Mariana habituara-se a passar férias sozinha, entre Peniche e a Consolação, encarando esses 15 dias – impreterivelmente na primeira quinzena de Agosto e sempre na mesma residencial – como uma oportunidade de fazer o que lhe apetecia sem restrições de maior. Que é como quem diz: podia beber durante o dia e durante a noite, beber à frente das outras pessoas sem receio do que poderiam dizer os colegas de trabalho ou a vizinha de baixo.

Com algum aprumo ainda que sem beleza de nota, Mariana aproveitava a bonomia veraneante para parar num ou noutro bar já seu conhecido – era um cordão que se partia no seu espartilho mental e sabia-lhe bem o arrojo, a prevaricação de beber em sociedade. Mulher volumosa e bem lançada, fora aprendendo a interagir com o álcool e a resistir aos seus efeitos. Mesmo se bem bebida – e o seu trabalho numa companhia de seguros permitia-lhe não pensar nas implicações financeiras do consumo – conseguia manter a dignidade, uma dignidade aparente, pelo menos, que é sempre a mais importante.

Nesses bares, pouca gente a abordava. Mariana conseguia ter um ar severo, mesmo se olhando deleitada para uma boa garrafeira. Ora certa noite, estando a sua alma em êxtase com um Cognac Leyrat X.O. Elite, abeira-se da sua mesa um indivíduo sensivelmente da mesma idade e de aspecto regular que, numa voz que traía apenas ao de leve a forte presença de álcool no sangue, lhe disse: “Não pude deixar de reparar que escolheu o Leyrat. Aprecia o Francis Abécassis?”.
Nisto, vzzzzzzzzzzzt!

Moral 1: os amores de Verão não escolhem idade.

Moral 2: as paragens de digestão também não.

Arrotos do Porco:

não admite comentos anonimos, granda malha!

kelones fatelas já dá, fiche!
è!!



mais vale um pedro reis a moderar, nao?
daÇe :]



... e se faltar Peniche, ter-se-á sempre a Consolação.


Le Grand Macabre

Morreu a mulher mais velha do Mundo. Obviamente, senti, ao mesmo tempo, pena e contentamento. Pena, porque cento e vinte e tal anos a assistir a isto, não há velha que aguente; contentamente, porque deve ter levado a barriga cheia de homens, aliás a única coisa que uma senhora leva, e deve levar, deste terrível vale de lágrimas.
Mas... mas... mas não levou tantos homens como a Dona Julieta, que morava numa transversal do Desterro, ali, bem paralela à Almirante Reis, por alturas do Intendente. Soube dela tão-só porque era a vizinha de baixo da Katia, menina.

A Dona Julieta alugava quartos à hora, quartos a pretos que ali passavam, somente para humilhar a branca. Tinha a Dona Julieta a particularidade de ficar a espreitar, pelo buraco da fechadura, aquelas guerras dos Bastões dos Dembos, todos filhos do Rei do Congo, e herdeiros do Rei do Malho. Havia muitos gritos. A Dona Julieta, que era uma mulher de sangue quente, apesar dos seus oitenta anos -- uma espécie de Agustina, mas mais virada para o deboche do que para o papel manchado de tretas -- a Dona Julieta, sempre que a mulata chegava à fase do "hi!... hi!... hi!...", e o negrão ao ritmo do "Hã!.., Hã!... Hã!...", abria muito devagarinho a porta e entrava por ali dentro, ajoelhando-se perto do divã, naquela adrenalina, misturada com ranger de molas, cheiro a pó de cocó de ratos, que saltava por tudo o que era estofo coçado, catinga, e urrar de canibal: era o angolar que, em esplendor, comia a ratinha da sua cabinda.

Dona Julieta, uma senhora, alçava então as saias, puxava um pouco para baixo as "cullottes", compradas, 40 anos antes, na espartilheira, a Dª. Selanira -- que deus tenha --, e enfiava o dedinho no seu grelo enrugado, titilando-o com a ponta, num masturbar de velha debochada, a viver, por procuração, a canzanada de preto, naquela sua insaciável derme octogenária.

Isto durou anos: a Katia adorava, sempre que subia um novo casal de ocasião, ela ia-se pôr à porta, a escutar aquele misto de gemido de cadelas com um cio primitivo, que vinha do tempo em que a Lucy tinha copulado, no Lago Tanganica, com o primeiro chimpanzé de tora grossa.

Um dia, a coisa deu para o torto: a Dona Julieta, com a mão inteirinha metida dentro da boca da servidão -- toda ela era salivas, por cima e por baixo... -- empolgou-se, passou-se dos carretos, e jogou a boca ao mangalho do preto. O preto não gostou, e deu-lhe com uma moca na cabeça.

Foram meses de silêncio naquela escada, a Katia sem divertimento, os vizinhos sem novos escândalos para comunicar.

Quando os bombeiros finalmente arrombaram a porta, já só estava, a meio do quarto, a silhueta enrugada da Dona Julieta, uma espécie de mãe do "Psycho", mas com a mão ainda toda enterrada na rata, à mesma, de joelhos, mas já em redor das suas rótulas todo o sobrado se encontrava manchado da feroz decomposição do corpo daquela "bonne-vivante", enfim, carbonetos, sulfuretos e... e umas aguadilhas pestilentas, a recordar aquela morte santa, com o olhar contemplante, e fixo, de uma derradeira grande cena de foda, por procuração.





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