<$BlogRSDUrl$>

Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


terça-feira, agosto 22, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 9º episódio

A disposição de Arlindo começou a azedar aí por volta das 18 horas. “Aquele cabrão bem que podia dizer alguma coisa. Não tinha que telefonar a agradecer, bastava dizer que estava bem…”. Passara o dia inteiro em pijama, Arlindo, andando de divisão em divisão, pegando no telemóvel, ligando e desligando a televisão, ouvindo música e irritando-se com o que ouvia.
Decidido a pôr fim à arrelia e a aproveitar o resto do dia, combinou jantar com dois amigos que conhecera no trabalho: Edmundo e Artur, “dois homens como deve ser, dos que praguejam, dos que se babam pelas gajas, dois gajos como eu!”.
Passou as mãos pela cara e notou que precisava de se barbear. Enquanto via o seu reflexo no espelho pensava: “Gosta de ti, rapaz. Cada sobrancelha, cada cabelo, cada dente menos branco é um testemunho dos teus anos de existência. Está bem… as sobrancelhas, os cabelos, os dentes talvez ainda não tenham 27 anos de existência mas deixa-te ser impreciso quando pensas sobre ti. Não há espartilhos no que pensas de ti. Conhece-te, rapaz. Olha bem para essa cara e memoriza-a. Não fiques espantado quando a vês em fotografias ou filmes. Guarda-te na memória. Ganha consciência de ti. Avalia-te. És bonito? Lá está. Sê impreciso. Convenciona-te bonito. És bonito, sim senhor. És o paradigma da tua beleza. Não te “sintas” bonito. Toma-te pelo conceito de beleza. Ama-te, rapaz.”
Assim pensou Arlindo – e até terá pensado menos mal. O pior foi o que fez a seguir.

Jantaram na Casa da Índia, na Calçada do Combro. Comeram, beberam e conversaram. Sobre quê? Bom, nada de especial. Umas graçolas, comentários vagos como “Esta merda dos incêndios… Há-de ser a mesma vergonha todos os anos até que não matem um ou dois…”, umas apreciações mais ou menos críticas às estrangeiras que demandavam o Bairro Alto e cercanias, e umas quantas banalidades sobre futebol – um elenco perfeitamente normal para quem nunca esperara mais do que isso, apenas um jantar de pessoas que se conhecem pela rama.
Edmundo era mais assertivo ao passo que Artur tendia para o calado. Arlindo andava pelo meio, espevitando a conversa mas deixando as despesas da mesma a Edmundo – que não se importava.
“Mulher minha que me fizesse isso, matava-a enquanto a fodia por trás! Era certinho!”, dizia Edmundo a propósito de uma qualquer história vulgar de baixa fidelidade, enquanto girava o balão de Famous Grouse.
“És pouco bruto!”, bramia Artur entre risadas. Era calado mas ria-se com facilidade e gosto.
“Pelo menos havia de partir em glória, a levar com ele no sim-senhor. Um homem dá-lhes tudo, quase que prescinde dos amigos, deixa de levar a vida que gosta e o que é que recebe de volta? Um valente par de cornos. A mim, não é tão cedo que me fazem boi preso…”, insistia Edmundo.
“Também há por aí muito gajo a dar a sua voltinha com quem não devia.”, instigava Arlindo.
“E fazem eles bem! Acabam com um par de cornos quer as dêem quer não!…”, retorquia Edmundo, satisfeito com a gargalhada cúmplice – ainda que ligeiramente inana – de Artur.
O diálogo é fraco, não é? Paciência, era o deles e não me deu para inventar outro.

Acabado o repasto, com largas quantidades de vinho barato e uísque a fermentar em pequenas – ou nem tanto – barricas de tecido orgânico, puseram-se os três a descer a Calçada do Combro, sem destino traçado, em conversa ébria de Verão que é igual à de Inverno mas ainda menos interessante. Entraram pelos Poiais de São Bento e viraram por umas ruazinhas estreitas, guiados por Arlindo, que conhecia a zona.
Apesar de ser Sábado, as ruas não tinham muita gente – a bem da verdade, aquela em que caminhavam agora estava deserta, à excepção dos três estarolas. Isto até que, de um dos prédios, saiu um rapazito aparentando 20 anos e aparentando mais qualquer coisa. Edmundo não se conteve:
“Olha-me a florzinha… Saiu agora de casa para apanhar o relento…”
Artur sentiu-se mais ousado:
“E deve apanhá-lo por trás, o paneleirão…”, e riu da sua tirada, olhando em volta em busca de apreciação.
O rapazito, talvez por isso mesmo, por ser só um rapazito e conhecer pouco da vida, decidiu responder:
“E vocês devem ser uns grandes garanhões, para andarem aí os três sozinhos…”
“Olha-me este!”, indignava-se Edmundo, “O rabicho de merda já quer parecer um homenzinho!…”
O rapazito escolheu mal as palavras com que retorquiu:
“Já tive muitos como tu a baixar as calças à minha frente…”

O primeiro estalo veio de Arlindo, que se mantivera um pouco à margem. E teve um efeito libertador: encostado a uma parede, na rua ainda deserta e mal iluminada, o rapazito sofreu. Edmundo concentrou-se na cara, com uns estaladões de cima para baixo com a sua larga mão direita, o sexto fazendo o sangue brotar do sobrolho esquerdo do miúdo. Artur, com um olhar esgazeado, desferia uns pontapés certeiros na perna direita do rapaz, fazendo-o perder o equilíbrio e quase escorregar ao longo da parede. Quase, porque Arlindo ia-o mantendo de pé com uma série precisa de socos no abdómen. Arlindo perdeu a noção de tempo. Estava absolutamente concentrado, procurando acertar sempre com o punho no mesmo sítio. E maravilhado por conseguir. Foi ficando fascinado com a forma como a carne parecia mudar de textura, de densidade, à medida que lhe ia betendo. Firme, de início; amolecendo, depois; quase encaroçando à medida que o seu braço direito se ia cansando. Apetecia-lhe furar a pele e bater na carne por dentro, esmagar a carne na palma da mão, sentir o interior do corpo, a temperatura, a viscosidade. Qualquer ruído numa janela despertou-os do transe. O rapazito deixou-se cair no passeio, a cara com fios de sangue, a perna direita numa posição esquisita. Edmundo abraçou-se a Arlindo, com uma notória erecção. Arlindo repeliu-o, sem ferir susceptibilidades e disse que era melhor irem apanhar um táxi. Artur estava ajoelhado na estrada, a chorar. Arlindo fê-lo levantar-se e lá os levou até à Rua de São Bento, onde cada um dos três apanhou o seu táxi.

Arlindo chegou a casa perfeitamente tranquilo e pacificado, depois de uma viagem de conversinha de merda com o taxista. Abriu as janelas, acendeu só o candeeiro da mesa de cabeceira e escreveu no seu diário:

“É justo e é belo o amor de um homem por outro homem. Ser paneleiro é uma doença.”

Arrotos do Porco:


<< Voltar ao repasto.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?