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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


quarta-feira, junho 28, 2006

Arlindo, o gay homófobo - 5º episódio

“Percebes?
Eu queria ser integralmente teu. Teu... tudo! Teu encarregado de educação, até... Queria ver-te viver os minutos todos da tua vida. Não te pedia mais nada; só que vivesses e me deixasses ver. E, se não te pedia mais nada, não era por não o querer... era só porque não me sentiria no direito...
Percebes?
Tens namorada... e isso deixa-me feliz por ti, acreditas? Eu não te peço nada, a não ser que me deixes ser teu amigo – ainda que amando-te unilateralmente, sofrendo a impossibilidade de te ter, roubando-te migalhas de esperança sem que dês por isso... tudo isto coisas que eu nunca fiz; tudo isto novo e exógeno e maior que eu e tudo isto na fronteira do indizível, sufocando na vontade de gritar que te... QUE TE AMO!!, pronto!...
Percebes?” - Arlindo estava encostado à porta da cozinha e pensava no que gostaria de ter dito a Ruben. Claro: não fora capaz de dizer nada do que queria. A conversa havia sido bem diferente, bem menos tranquila...

“Fooooda-ssse!!! Só me saem duques, hoje, ou o caralho!! Agora é este!... O que é que tu queres, pá?!”. Fora nestes termos que Arlindo recebera Ruben, com a cara vermelha de fúria ou vergonha ou... qualquer outra coisa. Vermelha, pronto.

Ruben, por seu turno, largara a caixa de ferramentas com estrondo, no chão, e fizera-se vermelho também, mais ainda que de costume. “Sou mesmo tanso, não haja dúvida!... Ainda me dou ao trabalho de vir trazer esta merda a este filho da puta!...”.
Arlindo cerrou os punhos, deu dois passos em frente e perguntou: “Queres café?...”.

“Ahn?!”.
“Café, pá! Queres café?”.
“Foda-se! Sei lá se quero café... Porra! Vou-me mas é embora. Está aí a merda das ferramentas!”
...
“Desculpa.”, murmurou Arlindo.
“O quê?”
“DES-CUL-PA! Não ouves, caralho? Desculpa, pronto. Desculpa.”

Arlindo virou costas, foi à cozinha e voltou com mais duas chávenas de café.
“Toma.”
“Obrigado.”
...
“Já está frio.”, comentou Ruben.
“Também não te vou fazer outro, podes ficar descansado...”
...
“Olha que tu és um gajo complicado... Deixas-me a casa de banho impecável, armas um espavento e chamas-me paneleiro, não cobras pelo trabalho, esqueces-te das ferramentas, recebes-me aqui com quatro pedras na mão... Foda-se... Não há quem te perceba!...”
“É para nos tratarmos por tu?”, perguntou Arlindo.
“O quê?!”
“Se nos vamos tratar por tu...”
“Sei lá!... Tu é que disseste ‘queres café’, não foi?”
“Sim, mas estava com os nervos.”
“Sei lá! Trata-me como te apetecer, pá! Bom, vou indo. Só queria saber se podemos acertar contas pelo trabalho. Não tem jeito nenhum teres ido lá reparar aquilo e não receberes. Quanto é que era?”
...
“Não vás.”, murmurou Arlindo.
“Fala como deve ser, caralho! Não percebo! O que é que disseste?”
“Que não precisas de ter pressa. Senta-te p’raí.”
“Tenho a minha namorada à espera lá em baixo.”
...
“Ai o menino tem namoradinha?!...”, atirou Arlindo.
“Começas outra vez ou quê?! Vê lá... Já te armaste em parvo vezes que chegassem!...”, retorquiu Ruben, caminhando para a porta.
...
“Não me deves nada. Vai lá, vai. Podes ir gozar o pratinho. ‘Vejam lá que conheci um canalizador que é paneleiro, hi hi hi!’... Vai lá ter com os teus amiguinhos da faculdade, fazer piadinhas sobre canos e desentupir e o que mais se lembrarem. Mas olha bem para eles, aviso-te eu. Olha bem para aqueles que menos te tocam, aqueles que lhes desce uma febre nos olhos quando te apertam a mão, os que parecem pouco à vontade quando te vêem... E olha bem para os outros, também, aqueles que são expansivos e muito machos e só falam de cona. Olha para todos, aviso-te eu. Mas agora não olhes para mim. Vai lá para o teu paraíso de normalidade que eu cá fico, aberrante e canalizador. Não olhes para mim com essa cara perfeita. Vai-te embora. Percebes?”

E Ruben percebeu, aparentemente, e foi-se embora, abanando a cabeça e deixando Arlindo encostado à porta da cozinha.


Arrotos do Porco:

Eu tenho para mim que o Rubem não percebeu.
Abracinho com saudades.



Coitadinho do paneleiro...




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