quinta-feira, maio 18, 2006 |
TETRAGRAMATON
Palmer Eldritch começou por ser uma toupeira. Através dos micro-implantes e dos interfaces neuro-cibernéticos instalados ilegalmente pelos neurocirurgiões alemães da Corporação Ziklon-B, o seu cérebro pôde transportar grande quantidade de software extremamente valioso, informação industrial e militar classificada através das fronteiras espaciais terrestres e descarregá-las nos computadores dos conspiradores sionistas, refugiados nas colonias mineiras abandonadas de Io. Os sionistas organizavam-se secretamente e conspiravam contra o Império Indo-Germânico, apostando poder um dia corromper o Império e urdir o seu fim, não pela via militar, mas atacando irremediavelmente a Rede, que geria desde as importantes bolsas de Varanasi e Berlim, ao mega-sistema de segurança e informações sobre os cidadãos imperiais. Mais eficiente que qualquer solução militar ou policial, tinha sido a monitorização e indexação pelo Império, com fins políticos declaradamente totalitários, de toda a informação disponível no primeiro século da Internet II, entretanto desactivada e transformada na Rede. Os sionistas forjaram um conjunto de programas que percorriam a Rede recolhendo informações cruciais sobre a sua estrutura básica para um dia a atacarem irremediavelmente nas suas próprias fragilidades. Socorriam-se do tráfico de software, com origem nos hackers da Rede na Terra, para através de mercenários, as toupeiras, com Palmer, iludir a apertada vigilância dos scanners alfandegários do Império e trazê-la para Io. O servidor principal dos sionistas localizava-se numa antiga mina de irídio já desactivada há muito pelo Império e a sua localização era o dado mais secreto entre todos. Munido de diversas fontes autónomas de energia e completamente desprovido de comunicações de rede com o exterior, este computador, correndo em Linux, tinha estado desde sempre isolado e continha todo o resultado do tráfico e da elaboração que dela faziam os informáticos sionistas. O cerne do software que esperava estar completo para, uma vez em contacto coma Rede, a destruir rapidamente, era conhecida como – Os Protocolos. A informação era tratada de modo não-convencional, através de computação neuronal no cérebro de indivíduos dotados de interfaces neuro-ciberneticos e implantes de software no cérebro, análogos aos das toupeiras. A informação era processada e programada no subconsciente dos indíviduos, escolhidos pelos sua capacidade de meditação ióguica profunda – os neuro-sidhis tipicamente antigos monges budistas, místicos cristãos ou mestres sufis. A maturação do software no processo de computação bio-informática era baseada no percurso ióguico clássico, Ida e Pingala dos Sete Chackras, começando no Chackra-base, o Muladhara, até atingir, já pronta para download, o Chackra Coroa – O Sahasrara – O Lótus Violeta das Mil Pétalas. Por fim, após um processo de compilação para a arcaica, mas robusta e segura linguagem Javascript, a informação era criptografada e armazenada no servidor, acrescentando-se assim aos Protocolos. Palmer estudara meditação Kundalini com mestres indianos e neuro-computação com os neurofisiologistas do CALTECH e tornara-se, também ele, um mestre neuro-sidhi. Os níveis profundos do absoluto silêncio e quietude da mente, a união sujeito-objecto i.e. observador e observado e a dissolução da dualidade pessoal entre o ego e o Mundo, para atingir e residir em beatitude na sede da alma pessoal – o Atman - foi o primeiro passo. “Atman é Brahman”, lera nos textos de Advaita Vedanta, ou seja a alma do homem e a alma universal - Deus -são idênticas. A alma imortal do homem é consunstancial e identica a Deus, que reside, para lá do Ego e da Personalidade, no mais íntimo do coração do Homem. Palmer levou as práticas meditativas ao limiar da Iluminação, do Nirvikalpa Samadhi, ou do Mahaparanirvana na terminologia budista e tornou-se um homem santo - um arhat. Ao reconhecer a sua própria identidade como a do Deus Uno e Absoluto, deixou cair a ilusão do Ego, mas os liames de lealdade com a organização sionista persistiam. Seria lícito levar Deus a executar as computações? Nunca ninguém ousara tão absoluta e sacrílega experiência. Ligou os interfaces neuro-cibernéticos, sentou-se em Padmasana e meditou profundamente. Tinha agora a plena e perfeita consciência que as computações dos Protocolos eram processadas pelo abismo do Vazio Absoluto e esperou. O software veio quase acto contínuo e era agora uma pura emanação divina, uma teofania de zeros e uns, infinitamente resplandescente, quase insuportável, que vibrava na sua cabeça e que era afinal o Universo inteiro. Vira a face do Senhor em Javascript.
Na sala da transducção, os peritos entreolhavam-se. O software mais precioso alguma vez obtido estava ali, à sua frente e fora baptizado Tetragramaton, como o santo, indizível e secreto nome de Deus. O servidor foi ligado à Rede. Altos dirigentes sionistas reuniram-se também na sala. O rabino Jerod, o mais venerando ancião da secreta organização, recitou uma breve passagem talmúdica e premiu “enter”. No monitor do servidor surgiu, em fundo azul um singelo texto:
“O trono de Deus e do Cordeiro estará na cidade e os seu servos hão-de adorá-lo e vêlo face a face, e hão-de trazer gravado nas suas frontes o nome do Cordeiro. Não mais haverá noite, nem terão necessidade de luz da lâmpada, nem da luz do Sol, porque o Senhor Deus irradiará sobre eles a sua luz e serão reis pelos séculos dos séculos.”
Nesse momento, simultaneamente em todos os computadores da Terra, que sem excepção corriam em Windows Vista CCXVI, surgiu uma mensagem no interior dum rectângulo: “A fatal system error in occured in imp4@.sys.dll: error 654 . Bios corrupt - no system disk”. E nesse dia o Império teve o seu fim.
FIM
Arrotos do Porco: