terça-feira, maio 09, 2006 |
Geopolítica emocional
i.
Como ainda não pertenço, passo a vida em regressos. Regresso a Tomar, sempre; regresso a Lisboa, regresso a Tóquio. Nunca “vou” a um sítio onde tenha estado; “volto”, sempre. Ao contrário de outros que só estão bem onde não estão, eu estou bem em qualquer lado. Os espaços e as diferenças não me desorganizam, talvez porque nada haja que mereça a pena desorganizar. O que eu sou é tão em nada absoluto, um tão grande caos de probabilidades – e o mais delas mutuamente exclusivas… Desorganizar o quê?…
Estou bem porque não estou – em definitivo, ainda. A maior perspectiva de estabilidade que a minha vida agora me oferece sou eu; agarro-me a isso sem custo ou arrependimentos, não escolheria outra nem que pudesse. Se eu fosse um país, seria a Suíça: estável, sem grande assunto, mas encantado por existir. E com mais amigos que a Suíça, todavia.
ii.
Tal como a Suíça, tendo a acantonar-me. Mais ainda: ponham-me a guardar o Vaticano, se querem ver o que é discrição. Agora, não me peçam é para descrever o que sinto, ou o que sou, ou o que sonho. Eu sou eu; só me vê quem olha para mim – eu, eu olho sempre para os outros e só conheço o pouco que me espelham.
De quando em vez, há quem me cerque e invada. Quase sempre o papel cabe a “potências” que não dão por isso – ou dão por tal tarde demais, quando a devastada Suíça já só guarda o segredo bancário. Como um país, fico mais pobre; mas reconstruo-me com igual ou maior vigor. Fico mais novo, mas fico sempre menos eu do que era – de fatia em fatia até que se acabe o emmental…
iii.
Também podia ser a Birmânia.
Construir uma capital secreta, uma fortaleza de mim, cheia de pequenos amores-funcionários-públicos a que ninguém pede contas nem mede a produtividade, a que não se questiona a razão de ser nem o impacto no “utente”.
Pária, acossado, encasulado e sozinho; Myanmar orgulhoso com fé insana num destino bizarro… – mas não; pareço-me mais talhado para o micro-estado. Vanuatu, quem sabe; ou até umas Ilhas Buganvília libertas da opressão da Papua Nova-Guiné. Ou São Marino! Giro, queridinho, ali no meio de tudo, sempre em último nos Jogos Sem Fronteiras, a levar abadas de toda a gente nos jogos de qualificação para o Europeu mas subsistindo (com modéstia, se me permitem) alcandorado em penedos maiores que ele, em portentos de solidez, em tempo e sangue e história. É isso: quando for mais pequeno – e isto deve estar por dias… – quero ser São Marino. A improbabilidade da minha subsistência e da minha felicidade é gémea da improbabilidade de São Marino – existem, como pequenos milagres que passam ao lado de D. Saraiva Martins. (por falar nisso: psscht!, ó Deus!, pediram-me para te dar o recado: se és tu que mandas nisto, arranja aí o pbx dos amores, a ver se não se volta a ouvir nem a dizer “Desculpe, foi engano…”)
iv.
Ele há p’ra cima de 190 países, dizem-me. Eu podia ser/estar (n)eles todos. Eu basto-me, só preciso das pessoas para gostar delas.
“somewhere i have never travelled,gladly beyond
any experience,your eyes have their silence: