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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


segunda-feira, maio 29, 2006

ADEUS, CONFINHAS... (by tt)
José Manuel Amaral de Freitas (1958-2006)


Quaisquer que fossem, as minhas palavras não seriam suficientemente poderosas para prestar devido tributo ao Confinhas.

Escolhi, por isso, um poema de Pessoa, que imagino possa transmitir muitos dos sentimentos que o nosso Amigo Confúcio experimentou nas últimas semanas.

Fernando Pessoa

Temor da Morte
Quarto Tema

I
Que a morte me desmembre em outro, e eu fique
Ou o nada do nada ou o de tudo
E acabo enfim esta consciência oca
Que de existir me resta.

Sinto um tropel esfuziante e quente
De propósitos-sombras, e de impulsos
Transbordando do cálix da consciência
Para cima da vida...

II
... só um sentimento
De desejar eterna quietação,
Ambição vaga de fechar os olhos
E vaga esp'rança de não mais abri-los.
Ânsia cansada de não mais viver;
Meu cérebro esvaído não lamenta
Nem sabe lamentar. Tumultuárias
Idéias mistas do meu ser antigo
E deste, surgem e desaparecem
Sem deixar rastos à compreensão.
.....................................................................
Já deslumbradas, vãs, incoerentes,
Amargas, [vagas] desorganizações
Que nem deixam sofrer. Vem pois, oh Morte!
Sinto-te os passos! Sinto-te! O teu seio
Deve ser suave e ouvir teu coração
Como uma melodia estranha e vaga
Que enleva até ao sono e passa o sono.
Nada. Já nada [passa] — nada, nada...
Vai-te, Vida!

III
Ah, o horror de morrer!
E encontrar o mistério frente a frente
Sem poder evitá-lo, sem poder...

IV
Gela-me a idéia de que a morte seja
O encontrar o mistério face a face
E conhecê-lo. Por mais mal que seja
A vida e o mistério de a viver
E a ignorância em que a alma vive a vida,
Pior me [relampeja] pela alma
A idéia de que enfim tudo será
Sabido e claro...
.....................................................................
Pudesse eu ter por certo que na morte
Me acabaria, me faria nada,
E eu avançara para a morte, pávido
Mas firme do seu nada.

V
...gela-me apenas, muda,
A presença da morte que triplica
O sentimento do mistério em mim.

VI
Mistério, vai-te, esmagas-me! Ah, partir
Esta cabeça contra aquele muro
E tombar morto. Mas a morte, a morte,
Ali, como a temo! Para onde fugir?
Na vida nem na morte tenho abrigo.
Maldita seja... Quem? Quem faz o mal,
Este que sinto! Ah, mas já [nem] posso
Amaldiçoar...

VII
Não é o horror à morte, porque raie
Nela o mistério em mim, nem venha nela
Ou o acabar-me ou o continuar-me
.....................................................................
Não. Não é minha alma que os sineiros
Rebatem medos pelo que hei de ser.
É a minha carne que em minha alma grita
Horror à morte, carnalmente o grita,
Grita-o sem consciência e sem propósito,
Grita-o sem outro medo do que o medo.
Um pavor corporado, um pavor frio
Como uma névoa, um pavor de todo eu
Subindo à tona intelectual de mim.

VIII
O animal teme a morte porque vive,
O homem também, e porque a desconhece;
Só a mim é dado com horror
Temê-la, por lhe conhecer a inteira
Extensão e mistério, por medir
O [infinito] seu de escuridão.
.....................................................................
Dor que transcende o verbo e o sentimento
Criando um sentimento para si
Do qual o Horror é apenas a aparência
Pensável e sensível do exterior.
.....................................................................
Uns têm — e é sofrer — o duvidar:
Há Deus ou não há Deus? Há alma ou não?
Eu não duvido, ignoro. E se o horror
De duvidar é grande, o de ignorar
Não tem nome nem entre os pensamentos.

IX
Medo da morte, não; horror da morte.
Horror por ela ser, pelo que é
E pelo inevitável.

X
... ao condenado
Inda no seu horror lhe luz ao menos
Uma sombra desesperada d'esperança;
Inda o horror que espera não é aquele
Horror da morte — não tem o intenso
Arrastar da inevitabilidade
Que a morte tem. A mim nem esperança
Nem suspeita de sombra de esperança
Ocorre, mas o horror completo e negro.
Isso que lhe aparece qual resgate
É o que eu temo!

XI
Ah, não me ofendas com palavras vãs
O horror do pensamento. Ninguém
Como eu teve este horror. Nem poderá
Nas veias e na alma do seu sangue
Tê-lo tão íntimo [...]
Tão feito um comigo.
.....................................................................
As figuras do sonho não conhecem
O sonho [...] de que são figuras,
Porque o mundo não só é [já] sonhado
Mas é dentro dum sonho um [sonho] real,
Em que sonhados são os sonhadores
Também.
.....................................................................
Não poder apagar esta tortura
Não poder despegar-me deste Ser;
Não poder esquecer-me desta vida ...

XII
Só uma cousa me apavora
A esta hora, a toda a hora:
É que verei a morte frente a frente
Inevitavelmente.
Ah, este horror como poder dizer!
Não lhe poder fugir. Não podê-lo esquecer.

E nessa hora em que eu e a Morte
Nos encontrarmos
O que verei? O que saberei? Horror!
A vida é má e é má a morte
Mas quisera viver eternamente
Sem saber nunca [...] isso que a morte traz [...]
.....................................................................
Que o tempo cesse!
Que pare e fique sempre este momento!
Que eu nunca me aproxime desse
Horror que mata o pensamento!

Envolvei-me, fechai-me dentro em vós
E que eu não morra nunca.


Jamais morrerás aqui, querido Amigo!
Até sempre.

Arrotos do Porco:

*


É bom ter-me cruzado com ele.
**





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