terça-feira, dezembro 13, 2005 |
...pegando na deixa do Guitarrista...
ENSAIO SOBRE A AUSÊNCIA
Tive uma namorada, em tempos, que me recriminava por não pensar. Ainda hoje não faço ideia em que raio queria ela que eu pensasse – o que, se calhar, só lhe vem dar razão. De facto, não penso muito em mim, nem no que quero, nem no que me apetece. Ausentar-me de mim para poder pensar melhor nos outros e para os outros é uma rotina mental que vou alimentando vai para 20 anos. Se faço bem ou mal, procedendo assim? Nunca pensei muito nisso.
Como é que eu podia ser diferente?... É assim que sou feliz e assim que me conheço – muito mais importante que isso, é assim que me conhecem as pessoas que gostam de mim. Que não haja qualquer mal-entendido: não me esforço nem me “anulo” para que as pessoas gostem de mim. Apenas tento ter toda a disponibilidade para elas. Gosto mais de pessoas que de rotinas: se às pessoas de quem gosto lhes apetece ir aqui ou ali, fazer isto ou aquilo, com fulano ou beltrano e se quiserem a minha companhia, eu vou sem que nunca me sinta contrariado, sem nunca pensar que me apetecia antes outra coisa ou outro ambiente. Eu gosto é de pessoas, que se lixem as coisas e os ambientes e os sítios e os planos.
Também gosto muito que gostem de mim. São pequenos milagres que me têm sido concedidos num número que me satisfaz muito; milagres que trazem com eles uma certa responsabilidade (mais leve e bem melhor que as demais) de fazer por merecer o afecto que me dispensam. E eu tento, tento o mais que posso. O pior é quando a distância se interpõe...
Eu explico: sou esquisito. Não sei se impute as culpas a uma preguiça atávica se a qualquer desordem fisiológica. Responder a emails não me é fácil, pronto – não o é, pelo menos, quando a distância entre remetente e destinatário é longa. Preciso de me sentir confortável para conseguir escrever às pessoas de quem gosto. Ora, para mim o computador é um instrumento de trabalho, com a carga negativa que isso lhe confere. Escrever aos outros tem o seu quê de cerimónia quase mística e, pelas razões que já enunciei atrás, só o consigo fazer quando me sinto completamente disponível – o que não é fácil, no horário de expediente.
E se responder a emails não me é fácil, muito menos é fácil não o fazer. Penalizo-me, mortifico-me, entristeço-me, culpo-me e reculpo-me quando deito contas aos dias, semanas ou meses que demoro a responder. Talvez seja legítimo que algumas pessoas tomem tal comportamento por falta de respeito e duvidem da solidez da minha amizade. Eu sei que, se assim pensarem, laboram em erro. Mas que argumentos tenho eu para me defender?... Nenhum.
Estou longe, longe da minha terra e das minhas pessoas. As pessoas que se vão esforçando por estar presentes (e sabe tão bem, isso...) mereciam melhor que um silêncio rasgado só a espaços. Não sei quantas dessas pessoas é que vão ler isto, mas a verdade é que não me consigo obrigar à regularidade, à constância. Posso garantir apenas uma coisa: eu nunca me esqueço. E a memória, à laia de Substral, vai nutrindo umas viçosas saudades, com folhagem larga e perene que se me funde com a mioleira.
Não consigo sentir-me sozinho. Nunca consegui deixar de gostar das pessoas de quem gosto. “Guardo-as” todas. Gosto de pensar que me guardam também, que gostam de mim mesmo que eu dê notícias a um ritmo pouco digno. Gosto de pensar nos outros: de pensar na minha casa onde poderei receber os outros, de comprar discos para poder partilhar com os outros, de escrever no Vareta onde vão parando vários dos outros, de estar aqui – longe – a tentar fazer o que posso pelo país onde vivem quase todos os outros. Talvez pareça bizarro mas é tal e qual: pensar nas pessoas que não estão aqui ajuda-me a não sofrer por não estarem aqui. Nenhuma delas está aqui – n e n h u m a – mas estão todas comigo.
A ausência não é leve. Mas a ausência não é dramática. É um dado adquirido, algo que escolhi para condição semi-permanente daqui para o futuro. Enquanto eu estiver presente, seja em Tóquio ou no ilhéu do Ataúro, vocês também estão presentes – todos os nomes em que me alicerço estão comigo onde eu estiver. É graças a isso que agora consigo ser disponível para os outros de cá.
Tenho dado sem restrições. Tenho recebido mais ainda. Vão quase 30 anos sem fantasmas ou arrependimentos. Já vão 3 meses de Tóquio e o balanço não mudou. Se há mérito nisto, ele é mais vosso que meu.
ENSAIO SOBRE A AUSÊNCIA
Tive uma namorada, em tempos, que me recriminava por não pensar. Ainda hoje não faço ideia em que raio queria ela que eu pensasse – o que, se calhar, só lhe vem dar razão. De facto, não penso muito em mim, nem no que quero, nem no que me apetece. Ausentar-me de mim para poder pensar melhor nos outros e para os outros é uma rotina mental que vou alimentando vai para 20 anos. Se faço bem ou mal, procedendo assim? Nunca pensei muito nisso.
Como é que eu podia ser diferente?... É assim que sou feliz e assim que me conheço – muito mais importante que isso, é assim que me conhecem as pessoas que gostam de mim. Que não haja qualquer mal-entendido: não me esforço nem me “anulo” para que as pessoas gostem de mim. Apenas tento ter toda a disponibilidade para elas. Gosto mais de pessoas que de rotinas: se às pessoas de quem gosto lhes apetece ir aqui ou ali, fazer isto ou aquilo, com fulano ou beltrano e se quiserem a minha companhia, eu vou sem que nunca me sinta contrariado, sem nunca pensar que me apetecia antes outra coisa ou outro ambiente. Eu gosto é de pessoas, que se lixem as coisas e os ambientes e os sítios e os planos.
Também gosto muito que gostem de mim. São pequenos milagres que me têm sido concedidos num número que me satisfaz muito; milagres que trazem com eles uma certa responsabilidade (mais leve e bem melhor que as demais) de fazer por merecer o afecto que me dispensam. E eu tento, tento o mais que posso. O pior é quando a distância se interpõe...
Eu explico: sou esquisito. Não sei se impute as culpas a uma preguiça atávica se a qualquer desordem fisiológica. Responder a emails não me é fácil, pronto – não o é, pelo menos, quando a distância entre remetente e destinatário é longa. Preciso de me sentir confortável para conseguir escrever às pessoas de quem gosto. Ora, para mim o computador é um instrumento de trabalho, com a carga negativa que isso lhe confere. Escrever aos outros tem o seu quê de cerimónia quase mística e, pelas razões que já enunciei atrás, só o consigo fazer quando me sinto completamente disponível – o que não é fácil, no horário de expediente.
E se responder a emails não me é fácil, muito menos é fácil não o fazer. Penalizo-me, mortifico-me, entristeço-me, culpo-me e reculpo-me quando deito contas aos dias, semanas ou meses que demoro a responder. Talvez seja legítimo que algumas pessoas tomem tal comportamento por falta de respeito e duvidem da solidez da minha amizade. Eu sei que, se assim pensarem, laboram em erro. Mas que argumentos tenho eu para me defender?... Nenhum.
Estou longe, longe da minha terra e das minhas pessoas. As pessoas que se vão esforçando por estar presentes (e sabe tão bem, isso...) mereciam melhor que um silêncio rasgado só a espaços. Não sei quantas dessas pessoas é que vão ler isto, mas a verdade é que não me consigo obrigar à regularidade, à constância. Posso garantir apenas uma coisa: eu nunca me esqueço. E a memória, à laia de Substral, vai nutrindo umas viçosas saudades, com folhagem larga e perene que se me funde com a mioleira.
Não consigo sentir-me sozinho. Nunca consegui deixar de gostar das pessoas de quem gosto. “Guardo-as” todas. Gosto de pensar que me guardam também, que gostam de mim mesmo que eu dê notícias a um ritmo pouco digno. Gosto de pensar nos outros: de pensar na minha casa onde poderei receber os outros, de comprar discos para poder partilhar com os outros, de escrever no Vareta onde vão parando vários dos outros, de estar aqui – longe – a tentar fazer o que posso pelo país onde vivem quase todos os outros. Talvez pareça bizarro mas é tal e qual: pensar nas pessoas que não estão aqui ajuda-me a não sofrer por não estarem aqui. Nenhuma delas está aqui – n e n h u m a – mas estão todas comigo.
A ausência não é leve. Mas a ausência não é dramática. É um dado adquirido, algo que escolhi para condição semi-permanente daqui para o futuro. Enquanto eu estiver presente, seja em Tóquio ou no ilhéu do Ataúro, vocês também estão presentes – todos os nomes em que me alicerço estão comigo onde eu estiver. É graças a isso que agora consigo ser disponível para os outros de cá.
Tenho dado sem restrições. Tenho recebido mais ainda. Vão quase 30 anos sem fantasmas ou arrependimentos. Já vão 3 meses de Tóquio e o balanço não mudou. Se há mérito nisto, ele é mais vosso que meu.