sexta-feira, outubro 28, 2005 |
O Vareta não gosta de americanos bêbedos e explica porquê...
Vocês devem pensar que é fácil...
Vocês devem pensar que é fácil...
Esta menina toca harpa e guincha
Este senhor toca guitarra e geme
Um gajo sai do trabalho, cansado, sem jantar, mal almoçado e cansado, não sei se já tinha dito. Ora este gajo cansado sai a correr do trabalho às seis e pouco da tarde, ultrapassando freneticamente os micro-japonos na caminhada para o metro, alimentado pela convicção de que às sete da tarde começa o concerto da Joanna Newson no Shibuya O-West, a que se seguirá o Sr. Bill Callahan, vulgo SMOG. Este gajo cansado, que se cansa a correr para o metro para ir a casa trocar de farpela, sai a correr do apart-hotel a que chama casa para ir para Shibuya, rogando pragas aos pastelões que encontra pela frente e que mais parecem estar na Procissão do Senhor dos Passos, em Dornes, que nos passeios de uma capital. Este gajo cansado do trabalho chega ainda mais chegado a Shibuya e ainda se cansa mais porque se engana na rua em que corta, perdendo assim preciosos minutos de música e muitas energias. Já cansado, este gajo cansado chega à porta desse prostíbulo musical chamado Shibuya O-West já pelas 19h20, desdizendo da sua vida, pensando que a essa altura já a menina Joanna espraiasse os dedos langorosos pela harpa. Consideravelmente cansado, este gajo que já se vinha sentindo cansado há mais de uma hora lá compra o bilhete (depois de andar quase 10 minutos a tentar dar com a merda da porta da baiuca) e entra para uma sala pouco maior que um quarto de arrumos onde, no palco, quatro japoneses e uma japoninha engraçadinha iam tocando e cantando umas cantigas modernas, bonitinhas, Sigur Ros do Sol Nascente com uns laivos de TuxedoMoon. Fixe. O gajo cansado fica feliz por ver que o esforço valeu a pena, que a menina Joanna ainda não passeia o langor dos dedos e da voz e do colo bem arrumado no vestido vermelho pelo palco. Já mais bem disposto, o gajo ainda cansado começa a ficar com os calores... o letreiro à porta dizia que aquilo tinha capacidade para 500 pessoas e talvez nem estivessem as 500 – fosse como fosse, posso garantir-vos que a capacidade estimada tem um zero a mais. O gajo cansado (não, não vou sair disto nem vou fazer parágrafos tão cedo) vê o grupo japonês sair do palco, vê mudarem o palco e não vê nenhuma harpa, levando-o a pensar de si para consigo: “Ó catano!... Mas tu queres ver que o filho da mãe da bilheteira me mandou para a sala errada?!...”. Preocupado, o gajo cansado olha à sua volta e fica tranquilo quando vê um paneleirote com uma t-shirt dos SMOG... pfff!... ainda se fosse uma langorosa t-shirt da langorosa menina langorosa Joanna, tão langorosa... Posto isto, aparecem outros japoneses irrelevantes, tipo Jimi Tenor dos pobrezinhos, com pouco ar e pouca graça quando comparados com a fabulosa matriz inicial. E eles vão-se embora e o gajo cansado bebe uma jola e aparece no palco a harpa e depois a menina de vermelho. E que faz ela? Senta-se à harpa, ajusta o suporte do micro, levanta-se e desata a cantar, a capella e sem micro, uma bonita cantiga. Corajosa – mas pouco langorosa, ainda. Quando se escarrancha no banco e ataca a harpa com uma doçura infinita, que transformam aquele instrumento grande numa coisa ora melódica, ora groovy, ora rock, aí sim: aí o cansaço e os calores perdem importância e tudo se cristalizou naqueles dedos e naquela voz, naquele artesanato tão perfeito que só dá vontade de... bom... de pegar na langorosa Joanna... e... enfim, pois... logo ali assim, em cima da harpa... bom... só dá vontade que aquilo nunca acabe. Mas acaba. Não há mal que sempre dure nem bem que não se acabe, diz um japonês meu amigo, e assim é. Acabou, o gajo cansado olha à volta e já se via gente um bocadinho entornada. Em particular dois americanos, grandes e broncos como convém à preservação do estereótipo. Eis que chega ao palco o Sr. Bill Callahan, vulgo SMOG, de guitarra acústica em punho, e desata para ali, plóim plóim plóim, a tocar umas coisas muito simples na guitarra e a cantar. E o senhor canta mas canta. É irritante – especialmente para gajos cansados – porque aquela voz é sem falha, é robusta, é profunda. E o que canta é lento, é pesado, é sofrido. E, no meio disto, os palhaços dos americanos iam gritando umas bocas para o palco, iam andando aos tombos pela sala aos encontrões em toda a gente e, quando um bife fanchono lhes pediu para fazerem menos barulho começaram a gritar “We’re tax payers! We can say whatever we want!”… Pois sim… Eles que pagassem impostos lá na terra deles que aquilo, para um gajo cansado, já era demais. Quando o Sr. Callahan saiu do palco senti-me com as baterias carregadas de música e decidi não esperar pelo encore. Eu queria mesmo era o langor perpétuo daqueles dedos da menina Joanna...
quinta-feira, outubro 27, 2005 |
SEMI-DEPRESSÃO
De repente sentiu-se desamparado. Nada havia a fazer. Todo o seu mundo tinha ruído.
O desespero assaltou-o enquanto arrumava as coisas. Para onde iria?
Abriu a porta e saiu. Uma leve neblina escondia as formas que constituíam o ambiente que o rodeava. Um universo branco à sua volta.
Lembrou-se dos seus cinco anos de idade e de quando acompanhava a sua mãe às compras na Feira de Agosto. Esta feira realizava-se em Setembro. Como tudo no seu país, quando se fazia, fazia-se tarde. Olhava as galinhas dentro das gaiolas. Tinham um ar adoentado e espirravam de uma maneira que nunca tinha visto. Devia ser um resfriado qualquer, porque ainda faltavam muitos anos para a Pandemia.
Pensou duas vezes e embrenhou-se em si mesmo. Queria ser veterinário. Tinha amor pelos animais, mas estes detestavam-no. Qualquer cão, gato, grilo, formiga ou gafanhoto tinha especial predilecção por mordê-lo, arranhá-lo, picá-lo ou simplesmente ignorá-lo.
Estavam todos contra ele. Até sua mãe, mulher da vida numa pequena aldeia, não o tinha recebido de braços abertos. Todos sabem que foi de pernas abertas, pelo método natural. Ela suportava-o, apenas.
Recordava o estaladão que levara nesse dia na feira, por se ter aproximado dos animais doentes. Afinal, talvez ela gostasse um bocadinho dele. Mas não, vendo bem e atendendo aos parcos recursos económicos de que usufruíam, a reacção dela devia-se tão-somente ao tentar evitar gastos supérfluos na botica. Já bem lhe bastava todos os anti-fúngicos e um ou outro antibiótico de vez em quando.
Ser mulher da vida é fodido. Ou melhor, ser mulher da vida é fodida. Resume-se a isto e a dois dedos de conversa, um carinho na orelha do «amigo» de ocasião e passa para cá umas verdinhas. Que, no caso, não eram propriamente verdes. Verdes eram as de vinte escudos e, tanto quanto se lembrava, vinte escudos nem sequer davam direito a uma aspiração. No mínimo, cinquenta. E as de cinquenta eram acastanhadas ou da cor do barro.
Tudo quanto o rodeava era pérfido e mal-intencionado. Todos se uniam contra ele. Não tinha amigos nem brinquedos, nem carinhos nem muito que comer.
E cresceu nestas condições, sub nutrido e a viver à sombra da giesta. Que, como toda a gente sabe, não é o mesmo que viver à sombra da bananeira. A bananeira é, desde logo, uma árvore. A giesta não. Podia ter dito que tinha crescido à sombra do morangueiro, planta de baixo porte, mas com um ar simpático e que dá frutos vermelhos. Mas seria desenquadrar o espírito depressivo da sua fase de desenvolvimento e assim não seria um retrato fiel.
Aliás, a sua subnutrição era devida a alimentar-se dos frutos da giesta - que eu desconfio que não existem e, caso existam, não deverão ser vermelhos como os morangos - e das ervas que crescem em volta dos ribeiros, acrescidas de uma ou outra rã.
Perninhas de rã ainda hoje lhe viravam o estômago do avesso. Principalmente por causa daqueles ossos pontiagudos que lhe perfuravam as paredes do órgão digestivo. Isto para não mencionar os problemas de evacuação. Mas dava-lhe gosto trincar a seu bel-prazer as cartilagens dos bichos.
(a depressão vai continuar, talvez haja algum prozac pelo meio, quem sabe…)
De repente sentiu-se desamparado. Nada havia a fazer. Todo o seu mundo tinha ruído.
O desespero assaltou-o enquanto arrumava as coisas. Para onde iria?
Abriu a porta e saiu. Uma leve neblina escondia as formas que constituíam o ambiente que o rodeava. Um universo branco à sua volta.
Lembrou-se dos seus cinco anos de idade e de quando acompanhava a sua mãe às compras na Feira de Agosto. Esta feira realizava-se em Setembro. Como tudo no seu país, quando se fazia, fazia-se tarde. Olhava as galinhas dentro das gaiolas. Tinham um ar adoentado e espirravam de uma maneira que nunca tinha visto. Devia ser um resfriado qualquer, porque ainda faltavam muitos anos para a Pandemia.
Pensou duas vezes e embrenhou-se em si mesmo. Queria ser veterinário. Tinha amor pelos animais, mas estes detestavam-no. Qualquer cão, gato, grilo, formiga ou gafanhoto tinha especial predilecção por mordê-lo, arranhá-lo, picá-lo ou simplesmente ignorá-lo.
Estavam todos contra ele. Até sua mãe, mulher da vida numa pequena aldeia, não o tinha recebido de braços abertos. Todos sabem que foi de pernas abertas, pelo método natural. Ela suportava-o, apenas.
Recordava o estaladão que levara nesse dia na feira, por se ter aproximado dos animais doentes. Afinal, talvez ela gostasse um bocadinho dele. Mas não, vendo bem e atendendo aos parcos recursos económicos de que usufruíam, a reacção dela devia-se tão-somente ao tentar evitar gastos supérfluos na botica. Já bem lhe bastava todos os anti-fúngicos e um ou outro antibiótico de vez em quando.
Ser mulher da vida é fodido. Ou melhor, ser mulher da vida é fodida. Resume-se a isto e a dois dedos de conversa, um carinho na orelha do «amigo» de ocasião e passa para cá umas verdinhas. Que, no caso, não eram propriamente verdes. Verdes eram as de vinte escudos e, tanto quanto se lembrava, vinte escudos nem sequer davam direito a uma aspiração. No mínimo, cinquenta. E as de cinquenta eram acastanhadas ou da cor do barro.
Tudo quanto o rodeava era pérfido e mal-intencionado. Todos se uniam contra ele. Não tinha amigos nem brinquedos, nem carinhos nem muito que comer.
E cresceu nestas condições, sub nutrido e a viver à sombra da giesta. Que, como toda a gente sabe, não é o mesmo que viver à sombra da bananeira. A bananeira é, desde logo, uma árvore. A giesta não. Podia ter dito que tinha crescido à sombra do morangueiro, planta de baixo porte, mas com um ar simpático e que dá frutos vermelhos. Mas seria desenquadrar o espírito depressivo da sua fase de desenvolvimento e assim não seria um retrato fiel.
Aliás, a sua subnutrição era devida a alimentar-se dos frutos da giesta - que eu desconfio que não existem e, caso existam, não deverão ser vermelhos como os morangos - e das ervas que crescem em volta dos ribeiros, acrescidas de uma ou outra rã.
Perninhas de rã ainda hoje lhe viravam o estômago do avesso. Principalmente por causa daqueles ossos pontiagudos que lhe perfuravam as paredes do órgão digestivo. Isto para não mencionar os problemas de evacuação. Mas dava-lhe gosto trincar a seu bel-prazer as cartilagens dos bichos.
(a depressão vai continuar, talvez haja algum prozac pelo meio, quem sabe…)
quarta-feira, outubro 26, 2005 |
Vareta, modestamente contrariado, reconhece o brilhantismo alheio...
Levado pelos linques da Querida Guitarra, encontrei um fabuloso exercício de crítica literária, creio que o primeiro verdadeiramente sério sobre a "obra" de Margarida Rebelo Pinto, no blog Esplanar, de João Pedro George. É de leitura obrigatória.
Levado pelos linques da Querida Guitarra, encontrei um fabuloso exercício de crítica literária, creio que o primeiro verdadeiramente sério sobre a "obra" de Margarida Rebelo Pinto, no blog Esplanar, de João Pedro George. É de leitura obrigatória.
Puxando a brasa à minha cavala, ainda que ostentando uma cara de goraz com todos, pouco fresco e já frio (leiam, leiam o Esplanar que perceberão o meu fascínio piscícola...), esforcei a minha cabeça (de garoupa) e, escavando nos arquivos deste blog, encontrei, qual robalo debaixo da capa de sal, um post de 2003 em que tentei emular o "estilo" Rebelo Pinto sem nunca ter lido uma linha - diria mesmo uma alforreca - escrita pela senhora. Modestamente afirmo que não andei lá muito longe: sensivelmente a distância a que o carapau anda da costa...
Ora recordai...
E X C L U S I V O ! ! !
E X C L U S I V O ! ! !
Honrando a recente mas fulminante tradição nacional da "trash literature", orgulhamo-nos de apresentar, em pré-publicação, o primeiro capítulo do mais recente lançamento do género no nosso país. A autora, por razões óbvias, pretende manter o anonimato mas dispõe-se a dar a cara. Assim, só avisa as amigas do café e as vizinhas invejosas nem se chegam a dar conta de que é ela a mulher por detrás do esperado sucesso de...
SOU TÃO CABRA COMO AS OUTRAS
CAPÍTULO I - Aquele filho da puta...
"Estou-me bem a foder!", pensou Carmo enquanto limpava as axilas e os seios com uma pequena toalha de turco humedecida. Gostava daquela toalha. Comprara-a nos Armazéns Paris em Lisboa, nuns saldos, há dois ou três anos. Não tinha sido barata, mas o turco era bom, fofo, não largava pêlo, e os seus tons de laranja e verde casavam na perfeição com o mosaico de pastilha da Roca que, por capricho, mandara instalar na casa de banho contígua ao seu quarto de dormir. Achava-se malandra e moderna ao formular aquele pensamento cru mas genuíno. "Estou-me bem a foder!", repetiu para consigo e não conseguiu reprimir uma pequena risada. "Ai, Carmo, Carmo!", pensou ela e agora excuso de escrever mais isto porque a leitora já se deve ter apercebido de que quando eu ponho uma frase entre aspas isso quer dizer que é a protagonista a pensar. Portanto: "Ai, Carmo, Carmo!", pensou ela, mas isto já nem era preciso eu escrever. "Tens 37 anos, mulher, e ainda coras um bocadinho quando a palavra foder te vem ao espírito..." As reticências, claro, ela não pensou, mas permitem à leitora imaginar que a palavra espírito ficara a ecoar na mente da protagonista. Assim: espírito, espírit, espír, pír, pír, pí. E pí-pí-pí fez nesse preciso momento o seu relógio despertador, uma peça bem patusca em plexiglás que comprara por tuta e meia num daqueles desvarios consumistas que a levara à Habitat do Colombo numa tarde de chuva. Agora, a minha editora disse-me para fazer aqui um parágrafo.
(parágrafo)
"Ainda bem que ponho o despertador para me lembrar de tomar a melatonina. Como sou uma mulher muito viajada e sofro constantemente com o jet-lag por causa das viagens que faço à América do Sul e à Ásia para escolher produtos assim típicos e giros e não muito caros para depois vender na minha loja que é ali na Alta de Lisboa, vocês sabem, ao Lumiar?, uns prédios novos?, pois, e depois vendo-os aí mas antes viajo para os ir comprar e aquilo cansa-me muito e antes que me dê para aqui uma fibromialgia tomo mas é uns comprimidinhos que me indicou a Caetana e que diz que são de melatonina e que o marido que passa o tempo entre Lisboa e NY toma e que diz que fazem um mar de bem e que uma pessoa nem sente as horas de sono que perde." No fim deste longo pensamento, e jogando a toalha no cesto da roupa - uma coisa amorosa, em palhinha, que se tinha vendido muito bem na loja, neste Verão - avançou até ao quarto de dormir, abriu o seu closet e fez a sua escolha da roupa que iria levar para o jantar dessa noite. Sim, porque era de noite. Quer dizer, se ía jantar, devia ser de noite. A menos que fosse no pino do Verão, daqueles dias que nunca mais acabam, chega-se às dez horas da noite e vai-se a ver e ainda é de dia e é uma grande maçada porque uma pessoa vai de férias carregada com vestidos de noite e passa dias e dias sem usar mais nada senão uma saída de praia. Mas o que interessa é que a Carminho, a personagem que criei para protagonista e que, vão ver quando chegarem ao fim do livro, é parecedíssima com uma amiga minha que concerteza não conhecem, a Carminho, dizia, ía jantar. "Não acredito que aceitei este jantar com o Salvador Lorvão d'Albuquerque. Ele é um amor, é civilizadíssimo, as nossas famílias conhecem-se desde sempre, as nossas mães passavam férias juntas em São Martinho do Porto, e a irmã dele, a Lenicha, foi minha colega no Sagrado Coração de Maria, e isso tudo. Mas é um traste. Só não penso mais nisso agora para não antecipar o diálogo que vai acontecer a seguir." É para fazer parágrafo outra vez, não é?
(outro parágrafo)
Bom. A Carmo saiu de casa, desceu à garage (pronunciar gá-rá-ge, que é como diz a gente que é como a gente), entrou no seu carro - e isso, minha rica leitora que me desculpe, mas para marcas de carro é que eu não tenho cabeça - e lá foi ao restaurante. E no caminho pensou: "Aquele Salvador... Combinar num restaurante da Linha com vista para o mar só para dar uma de romântico...". O restaurante, posso-vos adiantar, era o Porto de Santa Maria. À entrada, cumprimentou o Francisco Pinto Balsemão e a Mercedes.
- Tita!, mas você 'tá óptima! E o Chico também está com um ar estupendo!
O casal Balsemão não lhe respondeu porque não a conheciam e a Carmo lá viu o Salvador, já sentado à mesa, e caminhou até à mesa onde estava sentado o Salvador que esperava por ela.
- Olé, Salvador!
- Carmo! Viva!Um beijinho.
- E então, Salvador? Que desculpa é que arranjou para que a Inez, a sua mulher, não desconfiasse deste jantar fora de casa?
- Ouça, Carmo. Você nem acredita. Não sabia muito bem o que havia de dizer e lembrei-me duma coisa que nunca falha: disse-lhe que tinha uma reunião no escritório e que depois íamos todos jantar.
- Mas desde quando é que você trabalha num escritório?!
- Carmo, ouça. Isso também não tem importância. A Inez não é pessoa de reparar e se perguntar alguma coisa digo-lhe que foi p'aí num escritório qualquer.
- E o que é que você tem p'a me dizer, Salvador?
- Carmo, ouça. Não sei. Apeteceu-me estar consigo.
- Você é um charme, Salvador! As coisas que você diz!...
- Não, ouça, Carmo. É que foi mesmo assim. Lembrei-me de si e tive que lhe tufonar no momento. Assim uma coisa género saudade, percebe?
- Desde a última vez que foi lá a casa nunca mais disse nada...
- Carmo, ouça. Isto é complicado. A Inez, a quinta dos pais, os cães...
- Eu percebo, Salvador. Mas fiquei à espera duma palavra, sei lá. Que me tivesse tufonado a dizer que foi bom, que me queria voltar a ver.
- Mas ouça, Carmo. Isto nunca pode ser nada de sério, não é?
- P'amor de Deus, Salvador! Até me faz rir! Ah ah ah! E acha, você acha, que eu queria algo de sério? Consigo? P'amor de Deus...Nesse momento, deram-se as mãos por cima da mesa e com as postas de cherne ainda mal debicadas, saíram os dois e entraram cada um em seu carro rumo à casa de Carmo. E, no caminho, Carmo pensava: "Estou-me bem a foder! Vou para mais uma noite de cama com este querido que encorna uma das minhas melhores amigas... Se não fosse comigo, eu era a primeira a ir-lhe contar... Onde é que já se viu! Aquele filho da puta... (pausa) Carmo! Tu hoje estás uma ordinareca nos teus pensamentos!" E soltou mais uma risadinha...
Este é o livro que pode mudar a sua vida. E lembre-se: foi aqui que você leu primeiro!
terça-feira, outubro 18, 2005 |
NO MONSANTO
Um senhor pensionista foi adquirir os serviços de uma trabalhadora sexual no Monsanto. Seguiu a senhora pela mata até que chegaram a uma clareira que tinha uns cartões, um rolo de papel higiénico e poucos montículos de fezes. O pensionista baixou as calças e as truces mas teve um episódio de disfunção eréctil pelo que a profissional decidiu enveredar pelo sexo oral. Nisto, aproximou-se um camionista que, desmotivado do sexo convencional, decidiu sodomizar o pensionista com brutalidade. A meretriz zarpou a toda a velocidade dali e o pensionista viu-se penetrado pela verga descomunal quanto insalubre do camionista que lhe cevava o canal rectal já de si com pouca saúde. O pensionista sofria de fissuras, fístulas, pólipos, hemorróidas, cancro duro, processo supurativo peri-anal, abcesso anal, verrugas anais, incontinência fecal, proctalgia fugax, doença pilonidal, proctite, prolapso anal, rectocelo, criptite e prurido anal. O camionista, alheado do perigo para a saúde pública que o pensionista constituía, não sabia que corria o risco de se ver infectado com síflis, gonorreia, blenorragia, donovanose, uretrite gonorreica, herpes, vírus do papiloma humano, sindroma de imunodeficiência adquirida, hepatite C, bilharziose, candidíase, giardíase e chatos. A cortesã, entretanto e malgrado os seu vários dentes incisivos podres, a gengivite, a pioestomatite e o carcinoma escamoso, ainda logrou chamar o seu proxeneta em socorro do pensionista. O rufia não se estava em estado de socorrer o pensionista pois encontrava-se sob o estupor de substâncias intoxicantes. A seringa intravenosa pendia ainda da sua veia cava superior. Pululavam ainda na seringa mal desinfectada, os vírus, as bactérias gram-negativas, os micoplasmas, os priões e os protozoários. Nisto, o camionista atingiu o clímax sexual no canal rectal do pensionista e foi-se embora.
O pensionista, ficou traumatizado e começou a apresentar sinais de desorientação passageira. A prática sexual tinha-lhe estimulado o cólon descendente e mor desse facto o seu trânsito intestinal melhorou bastante, pois de ordinário sofria de prisão de ventre. Um salutar espasmo incitou-o a defecar junto ao cartão enquanto a rameira lograva descobrir uma nota de vinte euros para efectuar o pagamento da aquisição de serviços. No entanto, na carteira apenas encontrou um cartão da Liga dos Combatentes, um safa-calos, um recibo da pensão de reforma da Caixa de Previdência dos Calafates, uma fotografia da neta amblíope, uma do Salazar e outra do Padre Cruz. Ainda, um preservativo lubrificado com pó-de-talco, um cartão de sócio do vídeo-clube “A Borda de Prata” e um Cartão de Utente dos serviços médico-sociais de Moscavide já caducado. Intimando o pensionista a entregar-lhe, sob coação, um valioso relógio Timex, voltou a ausentar-se em direcção à Meia-Laranja. O pensionista, um pouco dorido, mas refeito do transe em que se vira dirigiu-se à padaria do Alvito onde adquiriu duas carcaças e um pão de forma após ter demorado uma hora e meia a contar as moedas de cêntimo com que saldou, em numerário, a transacção. Saiu da padaria e dirigiu-se à paragem do autocarro nº 24, onde escarrou, infectando o passeio com bronquite, fibrose cística, legionellose, efisema pulmonar, asbestose, tuberculose, gripe aviaria, asma, displasia bronco-pulmonar, histoplasmose e gosma.
FIM
Um senhor pensionista foi adquirir os serviços de uma trabalhadora sexual no Monsanto. Seguiu a senhora pela mata até que chegaram a uma clareira que tinha uns cartões, um rolo de papel higiénico e poucos montículos de fezes. O pensionista baixou as calças e as truces mas teve um episódio de disfunção eréctil pelo que a profissional decidiu enveredar pelo sexo oral. Nisto, aproximou-se um camionista que, desmotivado do sexo convencional, decidiu sodomizar o pensionista com brutalidade. A meretriz zarpou a toda a velocidade dali e o pensionista viu-se penetrado pela verga descomunal quanto insalubre do camionista que lhe cevava o canal rectal já de si com pouca saúde. O pensionista sofria de fissuras, fístulas, pólipos, hemorróidas, cancro duro, processo supurativo peri-anal, abcesso anal, verrugas anais, incontinência fecal, proctalgia fugax, doença pilonidal, proctite, prolapso anal, rectocelo, criptite e prurido anal. O camionista, alheado do perigo para a saúde pública que o pensionista constituía, não sabia que corria o risco de se ver infectado com síflis, gonorreia, blenorragia, donovanose, uretrite gonorreica, herpes, vírus do papiloma humano, sindroma de imunodeficiência adquirida, hepatite C, bilharziose, candidíase, giardíase e chatos. A cortesã, entretanto e malgrado os seu vários dentes incisivos podres, a gengivite, a pioestomatite e o carcinoma escamoso, ainda logrou chamar o seu proxeneta em socorro do pensionista. O rufia não se estava em estado de socorrer o pensionista pois encontrava-se sob o estupor de substâncias intoxicantes. A seringa intravenosa pendia ainda da sua veia cava superior. Pululavam ainda na seringa mal desinfectada, os vírus, as bactérias gram-negativas, os micoplasmas, os priões e os protozoários. Nisto, o camionista atingiu o clímax sexual no canal rectal do pensionista e foi-se embora.
O pensionista, ficou traumatizado e começou a apresentar sinais de desorientação passageira. A prática sexual tinha-lhe estimulado o cólon descendente e mor desse facto o seu trânsito intestinal melhorou bastante, pois de ordinário sofria de prisão de ventre. Um salutar espasmo incitou-o a defecar junto ao cartão enquanto a rameira lograva descobrir uma nota de vinte euros para efectuar o pagamento da aquisição de serviços. No entanto, na carteira apenas encontrou um cartão da Liga dos Combatentes, um safa-calos, um recibo da pensão de reforma da Caixa de Previdência dos Calafates, uma fotografia da neta amblíope, uma do Salazar e outra do Padre Cruz. Ainda, um preservativo lubrificado com pó-de-talco, um cartão de sócio do vídeo-clube “A Borda de Prata” e um Cartão de Utente dos serviços médico-sociais de Moscavide já caducado. Intimando o pensionista a entregar-lhe, sob coação, um valioso relógio Timex, voltou a ausentar-se em direcção à Meia-Laranja. O pensionista, um pouco dorido, mas refeito do transe em que se vira dirigiu-se à padaria do Alvito onde adquiriu duas carcaças e um pão de forma após ter demorado uma hora e meia a contar as moedas de cêntimo com que saldou, em numerário, a transacção. Saiu da padaria e dirigiu-se à paragem do autocarro nº 24, onde escarrou, infectando o passeio com bronquite, fibrose cística, legionellose, efisema pulmonar, asbestose, tuberculose, gripe aviaria, asma, displasia bronco-pulmonar, histoplasmose e gosma.
FIM
AINDA DURA
A minha demanda por uma casa em Tóquio dava um livro. Mas aqui, quem quer livros compra-os! - não se dá nada a ninguém, a não ser uns pacotes de lenços de papel a fazer publicidade a coisas que eu não sei ler e que tanto podem ser armazéns de materiais de construção como desodorizantes íntimos para senhora. Felizmente o meu muco não se queixa da minha iliteracia...
Mas, nisto das casas, deixem-me contextualizar. No nosso Portugal, usufruo desse estatuto tão raro e estranho que é o de ter contraído empréstimo bancário para a aquisição de habitação própria permanente. Quanto ao empréstimo, nada a dizer. Quanto à procura do imóvel até encontrar um que valesse a pena adquirir, aí, meus amigos, aí haveria lugar a sermão e missa cantada, tivesse eu tempo. Dos felizmente poucos agentes imobiliários que me foram mostrando casas guardei uma imagem pouco positiva. Pareciam-me todos navegar num mar opaco de interesses duvidosos - duvidosos, essencialmente, porque nunca senti que correspondessem aos meus. Quando falavam com quem queria comprar, pareciam só defender os interesses de quem queria vender – e, ao que me dizem, a inversa é igualmente verdadeira. Daí que, desde cedo, tenha dito aos meus sobrinhos: “antes sejais refractários que agentes imobiliários!”. Depois deixei cair o assunto, mais ou menos pela altura em que o mais velho começou a aprender a falar – mas penso que a mensagem tenha ficado.
Era esta a moldura mental que eu trazia para lidar com essa gente que ganha p’ra cima de um dinheirão a alcovitar paredes, tectos e chão: os dois pés atrás e uma grossa vergasta à frente. Mas cedo lancei a vergasta para incineração (salvo seja) e avancei os dois pés – um a seguir ao outro, que esta gente não gosta de gestos repentinos.
Já contactei quatro agências imobiliárias, todas elas reputadas por trabalharem com clientes estrangeiros. Estou convencido de que houve intervenção directa do governo japonês para garantir a matemática perfeita do assunto: duas enviaram agentes do sexo masculino, uma enviou uma agente do sexo feminino e a outra enviou uma senhora mais velha. “Fifuti-fifuti”, como diriam os locais, ensaiando uma igualdade de oportunidades entre géneros que outras estatísticas teimam em desmentir.
O mais estranho é que os quatro agentes imobiliários partilham um perturbador traço comum: a existência de uma qualquer característica que apela à piedade cristã e desarma eventuais tentações de animosidade. Um usa fatos descosidos; outro tem os dentes podres, uma tem a carta de condução apreendida mercê de um somatório de manobras perigosas que espelham a sua dispersão mental e a senhora mais velha usa uns óculos com lentes espessas como toucinho do mais gordo e ainda tem que olhar para as plantas dos apartamentos com uma lupa para conseguir distinguir a casa de banho da sala de estar.
A franqueza e a seriedade de qualquer um dos quatro é desarmante. Ouvir comentários como “o senhoria está a pedir não-sei-quanto mas é um preço disparatado para o estado actual do mercado e é provável que venha a descer para não-sei-quanto”, ou “o inquilino anterior pagava x mas o senhorio já deve estar convencido de que não vai conseguir encontrar outro tonto que esteja disposto a pagar o mesmo”, era algo de que não estava à espera. Há um cuidado genuíno em tentar saber o que eu quero e preciso – e não apenas o quanto eu posso pagar, coisa que faria esmorecer o mais dedicado samaritano.
Tenho aprendido mais sobre o Japão com o senhor dos fatos descosidos e com a senhora de quem os volantes fogem com medo do que aprendi em tudo o que tenho lido – Ginas e Tânias à parte. São boas pessoas e querem mesmo arranjar uma casa de que eu goste e esteja dentro do orçamento. Eu é que sou o cliente; as casas e os seus donos são um recurso que me pode satisfazer, quando não são um obstáculo. Não há o amiguismo português do “olhe que isto já é um grande favor que lhe estou a fazer” nem as tentativas espúrias de dourar pardieiros dizendo que têm imenso cachet e que é a casa perfeita para mim ou a única que posso pagar. Apenas me mostram as casas – que eu escolho pela planta e não pela profissão de fé no critério do agente - e aguardam que eu diga sim, não ou quem sabe. Não são intrusivos, não me telefonam, não me pressionam e têm aquele ar de esperança na redenção de cada vez que abrem a porta de uma nova casa – ou de um novo buraco de merda, que a esperança é cega e por isso imorredoira.
Talvez esta seja a principal razão porque ainda não escolhi casa: o processo tem sido tão agradável e a pressão é quase inexistente, permitindo-me aprender tanta coisa. E digam-me que agência imobiliária portuguesa teria o “desplante” de dizer ao cliente “a nossa comissão é de tanto mas se quiser também pode negociar esse valor”? Nenhuma que eu conheça, pelo menos.
Era esta a moldura mental que eu trazia para lidar com essa gente que ganha p’ra cima de um dinheirão a alcovitar paredes, tectos e chão: os dois pés atrás e uma grossa vergasta à frente. Mas cedo lancei a vergasta para incineração (salvo seja) e avancei os dois pés – um a seguir ao outro, que esta gente não gosta de gestos repentinos.
Já contactei quatro agências imobiliárias, todas elas reputadas por trabalharem com clientes estrangeiros. Estou convencido de que houve intervenção directa do governo japonês para garantir a matemática perfeita do assunto: duas enviaram agentes do sexo masculino, uma enviou uma agente do sexo feminino e a outra enviou uma senhora mais velha. “Fifuti-fifuti”, como diriam os locais, ensaiando uma igualdade de oportunidades entre géneros que outras estatísticas teimam em desmentir.
O mais estranho é que os quatro agentes imobiliários partilham um perturbador traço comum: a existência de uma qualquer característica que apela à piedade cristã e desarma eventuais tentações de animosidade. Um usa fatos descosidos; outro tem os dentes podres, uma tem a carta de condução apreendida mercê de um somatório de manobras perigosas que espelham a sua dispersão mental e a senhora mais velha usa uns óculos com lentes espessas como toucinho do mais gordo e ainda tem que olhar para as plantas dos apartamentos com uma lupa para conseguir distinguir a casa de banho da sala de estar.
A franqueza e a seriedade de qualquer um dos quatro é desarmante. Ouvir comentários como “o senhoria está a pedir não-sei-quanto mas é um preço disparatado para o estado actual do mercado e é provável que venha a descer para não-sei-quanto”, ou “o inquilino anterior pagava x mas o senhorio já deve estar convencido de que não vai conseguir encontrar outro tonto que esteja disposto a pagar o mesmo”, era algo de que não estava à espera. Há um cuidado genuíno em tentar saber o que eu quero e preciso – e não apenas o quanto eu posso pagar, coisa que faria esmorecer o mais dedicado samaritano.
Tenho aprendido mais sobre o Japão com o senhor dos fatos descosidos e com a senhora de quem os volantes fogem com medo do que aprendi em tudo o que tenho lido – Ginas e Tânias à parte. São boas pessoas e querem mesmo arranjar uma casa de que eu goste e esteja dentro do orçamento. Eu é que sou o cliente; as casas e os seus donos são um recurso que me pode satisfazer, quando não são um obstáculo. Não há o amiguismo português do “olhe que isto já é um grande favor que lhe estou a fazer” nem as tentativas espúrias de dourar pardieiros dizendo que têm imenso cachet e que é a casa perfeita para mim ou a única que posso pagar. Apenas me mostram as casas – que eu escolho pela planta e não pela profissão de fé no critério do agente - e aguardam que eu diga sim, não ou quem sabe. Não são intrusivos, não me telefonam, não me pressionam e têm aquele ar de esperança na redenção de cada vez que abrem a porta de uma nova casa – ou de um novo buraco de merda, que a esperança é cega e por isso imorredoira.
Talvez esta seja a principal razão porque ainda não escolhi casa: o processo tem sido tão agradável e a pressão é quase inexistente, permitindo-me aprender tanta coisa. E digam-me que agência imobiliária portuguesa teria o “desplante” de dizer ao cliente “a nossa comissão é de tanto mas se quiser também pode negociar esse valor”? Nenhuma que eu conheça, pelo menos.
quarta-feira, outubro 12, 2005 |
VEM O INVERNO CINZENTÃO
Já pensávamos que éramos um povo esquecido por Deus, talvez amaldiçoado. Uma sucessão de governos frouxos, populistas, rascas e o défice. Até o clima estava contra nós. Via-se tudo seco e poeirento. Isto já andava a parecer um país do Sahel. Bom, em ileteracia, nível de corrupção, ignorância atávica e orgulhosa não andamos muito longe. Valha-nos, dizem uns, a Cristandade. O não andarmos com trapos enrolados na cabeça e chinelas. Mas malhamos nos nossos burros e zurzimos os pedais das nossas zundaps. Somos tristes e espalhafatosos. Andamos de preto, cabisbaixos e a remoer sebastiões. Somos viúvos de quem? Quem nos morreu?
Mas veio a chuva, tchhhh, ping, ping, ploc, ploc, veio a Redenção.
Espevita a couve no quintal, abrolha o gomo do pinheiro, arrebitam a urze e a giesta para arderem melhor no Verão.
Cai a chuva na cinzenta azinheira
Vai engordando rotunda bolota
Trigo rijo, mocho e mole
Malha o milho, liga a mota.
Cebolas, alhos e courgettes
Luzem túrgidas ao sol
Metem-se em camionettes
Não valem um caracol
Vai descalço o petiz
Pela neve muito fria
Cai-lhe o ranho do nariz
E o pardal já não pia.
Sape, sape, pica o pinto
Poças, lama, caruncho na Madeira
As saudades que eu já sinto,
Do Afonso Lopes Vieira
Afinal, Deus talvez ainda nos ame um bocadinho. Queira Deus. Oxalá. Inch Alah.
Já pensávamos que éramos um povo esquecido por Deus, talvez amaldiçoado. Uma sucessão de governos frouxos, populistas, rascas e o défice. Até o clima estava contra nós. Via-se tudo seco e poeirento. Isto já andava a parecer um país do Sahel. Bom, em ileteracia, nível de corrupção, ignorância atávica e orgulhosa não andamos muito longe. Valha-nos, dizem uns, a Cristandade. O não andarmos com trapos enrolados na cabeça e chinelas. Mas malhamos nos nossos burros e zurzimos os pedais das nossas zundaps. Somos tristes e espalhafatosos. Andamos de preto, cabisbaixos e a remoer sebastiões. Somos viúvos de quem? Quem nos morreu?
Mas veio a chuva, tchhhh, ping, ping, ploc, ploc, veio a Redenção.
Espevita a couve no quintal, abrolha o gomo do pinheiro, arrebitam a urze e a giesta para arderem melhor no Verão.
Cai a chuva na cinzenta azinheira
Vai engordando rotunda bolota
Trigo rijo, mocho e mole
Malha o milho, liga a mota.
Cebolas, alhos e courgettes
Luzem túrgidas ao sol
Metem-se em camionettes
Não valem um caracol
Vai descalço o petiz
Pela neve muito fria
Cai-lhe o ranho do nariz
E o pardal já não pia.
Sape, sape, pica o pinto
Poças, lama, caruncho na Madeira
As saudades que eu já sinto,
Do Afonso Lopes Vieira
Afinal, Deus talvez ainda nos ame um bocadinho. Queira Deus. Oxalá. Inch Alah.
terça-feira, outubro 11, 2005 |
VARETA REAL ESTATE
Sinto-me cada vez mais um conhecedor profundo do mercado imobiliário de Tóquio, dentro e em redor da Yamanote Line. Sinto-me cada vez mais espantado com o desplante dos senhorios de Tóquio que não são nada meigos a pedir quando lhes cheira que o inquilino é estrangeiro. Sinto-me cada vez mais revoltado com os empreiteiros de Tóquio que desperdiçam o que poderiam ser honestos apartamentos com dois quartos para fazer miseráveis cochichos com três quartos em que apenas um tem as dimensões mínimas para o efeito (leia-se albergar uma cama de casal). Sinto-me cada vez mais fascinado por uma cidade em que o bom gosto parece andar de mão dada com os acabamentos mais atrozes de que a construção civil tem memória.
Mais noovidades sobre a Maison Vareta a Tokyo para breve. Estão formalmente convidados a aparecer - o preçário será afixado dentro de dias...
Sinto-me cada vez mais um conhecedor profundo do mercado imobiliário de Tóquio, dentro e em redor da Yamanote Line. Sinto-me cada vez mais espantado com o desplante dos senhorios de Tóquio que não são nada meigos a pedir quando lhes cheira que o inquilino é estrangeiro. Sinto-me cada vez mais revoltado com os empreiteiros de Tóquio que desperdiçam o que poderiam ser honestos apartamentos com dois quartos para fazer miseráveis cochichos com três quartos em que apenas um tem as dimensões mínimas para o efeito (leia-se albergar uma cama de casal). Sinto-me cada vez mais fascinado por uma cidade em que o bom gosto parece andar de mão dada com os acabamentos mais atrozes de que a construção civil tem memória.
Mais noovidades sobre a Maison Vareta a Tokyo para breve. Estão formalmente convidados a aparecer - o preçário será afixado dentro de dias...
sexta-feira, outubro 07, 2005 |
Eh miserável fartura!
Tinha prometido umas linhas sobre dois concertos, esta semana. Pfff!... Ilusões de quem pensava poder dispor do seu tempo! O meu tempo não é meu: é de quem o paga – e pagamos todos! Se “onde todos pagam, ninguém se queixa”, queixo-me eu de me ter visto privado da fruição cultural por um motivo tão espúrio como o é o trabalho – palavra feia que rima com... pois.
Nem a Aimee nem os Maximo. Nada. Música só a que tenho na cabeça. Ainda não tenho onde ouvir os 296 cd’s que trouxe na bagagem de mão e quase sinto as mãos a tremer por estas semanas de privação. Mão e privação também rimam e são palavras tristes se o contexto for a vida sexual do sujeito...
Tudo isto não obsta a que venha fruindo (é o meu verbo de Outono, não sei se já notaram) de manifestações de outra natureza. Esta megalópolis em que me encontro está prenhe, meus amigos, prenhe de oito meses!, de fenómenos merecedores da nossa atenção. Andar de metro, por exemplo. Passear à superfície terá mais atractivos, é bem certo. Mas no metro – quiçá pela privação de oxigénio nas quantidades recomendadas? – as pessoas ficam mais genuínas e atreitas a extravasar uma fase escondida. Essa face pode ser hedionda, bizarra ou simplesmente cândida, mas garanto que anda escondida à superfície.
Desde os “salary men” de pasta em punho que se aproveitam da hora de ponta para ganharem alguma (ponta), colando a mão que segura a pasta ao traseiro de alguma jovem executiva, até pessoas que ensaiam fictícias tacadas de golfe observando o seu reflexo – e a qualidade do seu swing – nas portas de vidro das plataformas da estação de Nagatachō, não faltam distracções a quem anda de – ou a quem espera por – metro.
Três semanas depois da chegada o fascínio só aumenta. Ser tão completamente português como eu sou só ajuda a este “embevecimento pouco ou nada esclarecido” de quem admira os outros sem nunca querer ser como eles. No meio da correria, do frémito, do formigar desta massa inescapável de milhões de pessoas, há uma serenidade tão “aportuguesa” que é quase chocante. Se uma cidade-país – que é, parece-me, o que Tóquio representa – alguma vez se gerasse em Portugal, ela seria, estou em crer, um aglomerado nado-morto, sem hipóteses de viabilidade ou sustentabilidade. Lisboa, às vezes, já me parecia rebentar pelas costuras da disponibilidade mental dos seus habitantes. Aqui, cabe sempre mais um. E outro. E outros tantos mil. Desde que não fiquem parados no lado direito das escadas rolantes!
Se nos abstrairmos do elemento humano, Tóquio é só mais uma mega-capital como outras pelo mundo fora (sendo que esta tem mais MacDonald’s que qualquer outra...). Mas eu, pelo menos, não me consigo abstrair do elemento humano. E Tóquio é como nenhuma outra capital por ser feita destas pessoas que se deliciam por fazer fila seja onde e para o que for e que não se importam de pagar pequenas fortunas para almoçar num restaurante francês com vista para o cemitério de Aoyama que tem no menu uma salada de cogumelos que dão pelo nome de “Trompes des Morts”...
Mais novas do fascínio para breve. E concertos de Kaiser Chiefs, Franz Ferdinand, Joanna Newson, Smog, Pixies, ..., ..., .........
Nem a Aimee nem os Maximo. Nada. Música só a que tenho na cabeça. Ainda não tenho onde ouvir os 296 cd’s que trouxe na bagagem de mão e quase sinto as mãos a tremer por estas semanas de privação. Mão e privação também rimam e são palavras tristes se o contexto for a vida sexual do sujeito...
Tudo isto não obsta a que venha fruindo (é o meu verbo de Outono, não sei se já notaram) de manifestações de outra natureza. Esta megalópolis em que me encontro está prenhe, meus amigos, prenhe de oito meses!, de fenómenos merecedores da nossa atenção. Andar de metro, por exemplo. Passear à superfície terá mais atractivos, é bem certo. Mas no metro – quiçá pela privação de oxigénio nas quantidades recomendadas? – as pessoas ficam mais genuínas e atreitas a extravasar uma fase escondida. Essa face pode ser hedionda, bizarra ou simplesmente cândida, mas garanto que anda escondida à superfície.
Desde os “salary men” de pasta em punho que se aproveitam da hora de ponta para ganharem alguma (ponta), colando a mão que segura a pasta ao traseiro de alguma jovem executiva, até pessoas que ensaiam fictícias tacadas de golfe observando o seu reflexo – e a qualidade do seu swing – nas portas de vidro das plataformas da estação de Nagatachō, não faltam distracções a quem anda de – ou a quem espera por – metro.
Três semanas depois da chegada o fascínio só aumenta. Ser tão completamente português como eu sou só ajuda a este “embevecimento pouco ou nada esclarecido” de quem admira os outros sem nunca querer ser como eles. No meio da correria, do frémito, do formigar desta massa inescapável de milhões de pessoas, há uma serenidade tão “aportuguesa” que é quase chocante. Se uma cidade-país – que é, parece-me, o que Tóquio representa – alguma vez se gerasse em Portugal, ela seria, estou em crer, um aglomerado nado-morto, sem hipóteses de viabilidade ou sustentabilidade. Lisboa, às vezes, já me parecia rebentar pelas costuras da disponibilidade mental dos seus habitantes. Aqui, cabe sempre mais um. E outro. E outros tantos mil. Desde que não fiquem parados no lado direito das escadas rolantes!
Se nos abstrairmos do elemento humano, Tóquio é só mais uma mega-capital como outras pelo mundo fora (sendo que esta tem mais MacDonald’s que qualquer outra...). Mas eu, pelo menos, não me consigo abstrair do elemento humano. E Tóquio é como nenhuma outra capital por ser feita destas pessoas que se deliciam por fazer fila seja onde e para o que for e que não se importam de pagar pequenas fortunas para almoçar num restaurante francês com vista para o cemitério de Aoyama que tem no menu uma salada de cogumelos que dão pelo nome de “Trompes des Morts”...
Mais novas do fascínio para breve. E concertos de Kaiser Chiefs, Franz Ferdinand, Joanna Newson, Smog, Pixies, ..., ..., .........
quinta-feira, outubro 06, 2005 |
segunda-feira, outubro 03, 2005 |
Eh fartura!...
Hoje e amanhã, Aimeee Mann no LiquidRoom.
5ª e 6ª, os Maximo Park na mesma sala...
Se Deus me der força, saúde e dinheiro, é de prever que escreva umas linhas sobre os dois concertos. Se Deus não der, é reclamarem junto a quem de direito.
Hoje e amanhã, Aimeee Mann no LiquidRoom.
5ª e 6ª, os Maximo Park na mesma sala...
Se Deus me der força, saúde e dinheiro, é de prever que escreva umas linhas sobre os dois concertos. Se Deus não der, é reclamarem junto a quem de direito.