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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


quinta-feira, março 03, 2005

ACTUALIDADES VIII

«Mas apareceram uns cabelos louros. Oh! E Macário veio logo salientemente para a varanda aparar um lápis. Era uma rapariga de vinte anos, talvez – fina, fresca, loura como uma vinheta inglesa: a brancura da pele tinha alguma coisa de transparência das velhas porcelanas, e havia no seu perfil uma linha pura., como de uma medalha antiga e os velhos poetas pitorescos ter-lhe-iam chamado – pomba, arminho, neve e ouro.
(…)
Como era singular e desusado achar-se o senhor guarda-livros vendendo ao balcão e o tio Francisco, com a sua crítica estreita e celibatária, escandalizar-se, Macário começou a subir vagarosamente a escada de caracol que levava ao escritório, e ainda ouviu a voz delicada da loura dizer brandamente:
– Agora queria ver lenços da Índia.
E o caixeiro foi buscar um pequenino pacote daqueles lenços, acamados e apertados numa tira de papel dourado.
Macário, tinha visto naquela visita uma revelação de amor, quase uma «declaração», esteve todo o dia entregue às impaciências amargas da paixão. Andava distraído abstracto, pueril, não deu atenção à escrituração, jantou calado, sem escutar o tio Francisco que exaltava as almôndegas, mal reparou no seu ordenado que lhe foi pago em pintos às três horas e não entendeu bem a recomendações do tio e a preocupação dos caixeiros sobre o desaparecimento de um pacote de lenços da Índia.
(…)
E trabalhou: pôs naquele trabalho a força criadora da sua paixão. Erguia-se de madrugada, comia à pressa, mal falava. À tardinha ia visitar Luísa. Depois voltava sofregamente para a fadiga, como um avaro para o seu cofre. Estava grosso, forte, duro, fero: servia-se com o mesmo ímpeto das ideias e dos músculos; vivia numa tempestade de cifras. Às vezes Luísa de passagem, entrava no seu armazém: aquele pousar de ave fugitiva dava-lhe alegria, valor, fé, reconforto para todo o mês cheiamente trabalhado.
(...)
Por esse tempo o amigo do chapéu de palha veio pedir a Macário que fosse seu fiador por uma grande quantia, que ele pedira para estabelecer uma loja de ferragens em grande. Macário, estava no vigor do seu crédito, cedeu com alegria. O amigo do chapéu de palha é que lhe dera o negócio providencial de Cabo Verde. Faltavam então seis meses para o casamento. Macário já sentia, por vezes, subirem-lhe ao rosto as febris vermelhidões da esperança. Já começava a tratar dos banhos mas um dia o amigo do chapéu de palha desapareceu com a mulher de um alferes. O seu estabelecimento estava em começo. Era uma confusa aventura não se pôde nunca precisar nitidamente aquele imbróglio doloroso. O que era positivo é que Macário era fiador, Macário devia reembolsar. Quando o soube, empalideceu e disse simplesmente:
– Liquido e pago.
E quando liquidou, ficou outra vez pobre.
(…)
– Sente-se ali! E o tio Francisco falava, com grandes passadas pelo quarto:
– O seu amigo é um canalha! Loja de ferragens! Não está má! O senhor é um homem de bem. Estúpido, mas homem de bem. Sente-se ali! Sente-se! O seu amigo é um canalha! O senhor é um homem de bem! Foi a Cabo Verde! Bem sei! Pagou tudo. Está claro! Também sei! Amanhã faz favor de ir para a sua carteira, lá para baixo. Mandei pôr palhinha nova na cadeira. Faz favor de pôr na factura Macário & Sobrinho. E case. Case, e que lhe preste! Levante dinheiro. O senhor precisa de roupa branca e de mobília. E meta na minha conta. A sua cama lá está feita.
Macário queria abraçá-lo, estonteado, com lágrimas nos olhos, radioso.
(…)
E Macário, pálido, com dentes cerrados, contraído, fitava o caixeiro colericamente. O caixeiro disse então:
– Essa senhora tirou dali o anel. – Macário ficou imóvel, encarando-o. – Um anel com dois brilhantes. Vi perfeitamente. – O caixeiro estava tão excitado, que a sua voz gaguejava, prendia-se espessamente. – Essa senhora não sei quem é. E tirou-o dali...
(…)
De repente, soltando o braço de Luísa, disse-lhe baixinho:
– Vai-te.
– Ouve!... – disse ela, com a cabeça toda inclinada.
– Vai-te. – E com voz abafada e terrível: – Vai-te. Olha que chamo. Mando-te para o Aljube. Vai-te.
– Mas houve, Jesus – disse ela.
– Vai-te! – E fez um gesto, com o punho cerrado.
– Pelo amor de Deus, não me batas aqui – disse ela, sufocada.
– Vai-te, podem reparar. Não chores. Olha que vêem. Vai-te.
E, chegando-se para ela, disse baixo:
– És uma ladra!
E, voltando-lhe as costas, afastou-se, devagar, riscando o chão com a bengala.
À distância, voltou-se: ainda viu, através dos vultos, o seu vestido azul.
Como partiu nessa tarde para a província, não soube mais daquela rapariga loura».

Singularidades de uma rapariga loura, Eça de Queiroz

Ora bem, neste belíssimo conto do nosso saudoso Eça temos a Honra a digladiar-se com o Amor.

Como homem de Honra que é, Macário, quando decide casar-se sem obter o consentimento de seu tio, parte à luta para fazer fortuna. Depois de árduos esforços, consegue juntar um pecúlio generoso. Simples e confiante, assegura a fiança de um seu amigo. Este acaba por desaparecer, ficando Macário empenhado e novamente pobre.

O seu tio dá-lhe a mão, admirando a perseverança e o carácter do sobrinho.

Nos preparativos para o enlace, Macário e Luísa (a loura) vão escolher o anel. É aqui que entra a Honra em desfavor do Amor. E bem, na minha opinião.

A loura não passa de uma ladra desavergonhada.

Pessoas com o verdadeiro sentido de Honra, ainda há algumas. Espero que em número crescente.

Devo referir que a expressão que está a bold me recorda uma outra expressão famosíssima de um frequentador desta Vara. Não sei se se inspirou neste conto ou se é da sua lavra. O que importa é que a expressão acima boldeada me faz lembrar deste bom Amigo. Simples, mas um bom Amigo.

Fodósofo, brindo à tua saúde.

Arrotos do Porco:

A mim ninguém me paga em pintos. É triste mas é verdade.

Se me pagassem em pintos eu teria alguns amealhados, se os cabrões não coubessem no meu “Porquinho mealheiro”, depenava-os e empurrava-os com jeitinho pela greta do porquinho.

De honra e falta dela, orgulho e falta dele, sei. Do Eça tenho que voltar a ler.

chOURIÇO, pá :)





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