quinta-feira, fevereiro 10, 2005 |
Microfábulas – VI
Havia, certa vez, um maquinista galhofeiro, famoso desde Tui ao Entroncamento – passando pelo Espadanal da Azambuja ou por Alfarelos – por ser amigo da paródia, lesto na piada ou no dichote, amigo do seu amigo e das bebidas licorosas de qualquer proveniência. “Lá vai o Treco-Lareco!”, diriam uns; “Lá vai o Ramiro!”, diriam os mais educados. Distribuía sorrisos às mãos cheias, com um esgar um tanto idiota – idiota pelo menos aos olhos dos que não percebem como se pode ser feliz sem saber porquê. Ramiro também não percebia nem se esforçava para tanto. Gostava era de se rir e de fazer rir os outros – e também gostava de codornizes, de bucho, de maranhos, de morcela de arroz e de salada de pepino. “O diabo da esofagite é que é o pior!”, queixava-se ele entre fartos arrotos.
Quem também lucrava com a sua bonomia e com o seu apetite saudável era o cão, o Tremoço, assim chamado pelo amarelo vivo do seu pêlo – ou por qualquer outro motivo menos plausível. O Tremoço mostrava-se néscio mas luzidio, um pouco à imagem do dono, se bem que seja difícil aferir da sua popularidade entre os demais canídeos. Era a sombra de Ramiro, por várias vezes o fazendo tropeçar quando o sequioso maquinista emborcava uma composição de copos de três.
- Ai ‘tás-te a rir, alma de um raio?! Qualquer dia misturo-te pinga na reção e ó pois quero ver como é! – dizia Ramiro nessas alturas, entre umas risadas que se confundiam com expectoração.
Em certa noite, Ramiro e o seu Tremoço dirigiam-se aos tombos, mais o primeiro que o segundo, para o apeadeiro das Curvaceiras, no ramal de Tomar, depois de uma passagem pelo Pantanal, bar de alterne com licença de casa de fados.
- Ai, Tramoço, Tramoço… Tu vistes-me aquela Soraya? Aquilo é que era braseira para me esquecer o Inverno!
- Wof! – ladrou o Tremoço.
- Ah também guestastes, ahm?! És cão mas n’és parvo, poi não?!
- Wof! Wof!
- Aquilo não é p’rós teus beiços, animal! Aquilo era uma proméssia d’amor! Aquilo era lombinho do rim, não eram aparas para cão! Aquilo era…
- Wof! Wof! Wof! Wof!
- Mas que rai…
Nisto, vzzzzzzzzzt!
Moral 1: nas linhas de menor circulação a CP pode não ser tão lesta a reparar uma catenária caída no chão.
Moral 2: em situações de perigo, o comportamento dos animais pode ser um bom indicador quanto à proximidade do mesmo.
Havia, certa vez, um maquinista galhofeiro, famoso desde Tui ao Entroncamento – passando pelo Espadanal da Azambuja ou por Alfarelos – por ser amigo da paródia, lesto na piada ou no dichote, amigo do seu amigo e das bebidas licorosas de qualquer proveniência. “Lá vai o Treco-Lareco!”, diriam uns; “Lá vai o Ramiro!”, diriam os mais educados. Distribuía sorrisos às mãos cheias, com um esgar um tanto idiota – idiota pelo menos aos olhos dos que não percebem como se pode ser feliz sem saber porquê. Ramiro também não percebia nem se esforçava para tanto. Gostava era de se rir e de fazer rir os outros – e também gostava de codornizes, de bucho, de maranhos, de morcela de arroz e de salada de pepino. “O diabo da esofagite é que é o pior!”, queixava-se ele entre fartos arrotos.
Quem também lucrava com a sua bonomia e com o seu apetite saudável era o cão, o Tremoço, assim chamado pelo amarelo vivo do seu pêlo – ou por qualquer outro motivo menos plausível. O Tremoço mostrava-se néscio mas luzidio, um pouco à imagem do dono, se bem que seja difícil aferir da sua popularidade entre os demais canídeos. Era a sombra de Ramiro, por várias vezes o fazendo tropeçar quando o sequioso maquinista emborcava uma composição de copos de três.
- Ai ‘tás-te a rir, alma de um raio?! Qualquer dia misturo-te pinga na reção e ó pois quero ver como é! – dizia Ramiro nessas alturas, entre umas risadas que se confundiam com expectoração.
Em certa noite, Ramiro e o seu Tremoço dirigiam-se aos tombos, mais o primeiro que o segundo, para o apeadeiro das Curvaceiras, no ramal de Tomar, depois de uma passagem pelo Pantanal, bar de alterne com licença de casa de fados.
- Ai, Tramoço, Tramoço… Tu vistes-me aquela Soraya? Aquilo é que era braseira para me esquecer o Inverno!
- Wof! – ladrou o Tremoço.
- Ah também guestastes, ahm?! És cão mas n’és parvo, poi não?!
- Wof! Wof!
- Aquilo não é p’rós teus beiços, animal! Aquilo era uma proméssia d’amor! Aquilo era lombinho do rim, não eram aparas para cão! Aquilo era…
- Wof! Wof! Wof! Wof!
- Mas que rai…
Nisto, vzzzzzzzzzt!
Moral 1: nas linhas de menor circulação a CP pode não ser tão lesta a reparar uma catenária caída no chão.
Moral 2: em situações de perigo, o comportamento dos animais pode ser um bom indicador quanto à proximidade do mesmo.