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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Microfábulas – IV

Havia, certa vez, um casal de camponeses remediados, vivendo na felicidade medíocre de quem entrega o destino aos humores da natureza e à certeza do foskamónio, que habitavam uma casinha humilde mas decente, de fachada caiada e telhado de duas águas, em cujo alpendre passavam boa parte do pouco tempo que roubavam à horta. “Lá estão os sovinas do caralho!”, diriam alguns vizinhos; “Lá está o Santos e a mulher!”, diriam os mais educados. No cão poucos reparavam: era um animalzito sem ar nem graça, pêlo ralo e baço na cor, olhos tristes e remelosos, porte discreto e sem autoridade no ladrar; um animal, portanto, que tanto poderia ter nascido cão como osga, desprovido de personalidade, mas fiel, seguindo cada passo dos donos – ou estacando no caminho a ganir se acaso os donos seguiam caminhos separados, ali ficando o tempo que fosse preciso até que algum deles regressasse.
Dos três, quem mais gostava do alpendre era o cão, tendo poiso na bancada de madeira tosca onde a mulher, ao serão, preparava a ceia, invariavelmente debulhando uma quantidade substancial de batatas para dentro de um largo alguidar de barro que o Santos enchera com água do poço. Numa prateleirita, directamente por cima do lugar destinado ao alguidar, estava a telefonia que o Santos comprara a um vizinho no dia ainda não muito distante em que a electricidade chegara a sua casa. Ligava-a duas vezes por dia: para ouvir as notícias à hora de almoço e para ouvir o terço, ao fim da tarde. E era ouvindo o terço e debulhando batatas que estava a mulher num dia em que o Santos voltou da lavoura particularmente enxofrado por ver as favas queimadas da geada. Entrou sem nada dizer e sentou-se a tirar carrapiços das calças e das ceroulas.
- Vai à adega buscar-me meio almude de vinho, anda.
- E não poderás ir lá tu? Não vês que estou a tratar da ceia?
- Catano da mulher!! Também já queres usar calças cá em casa?!
- Ó hóme’! Pois se és tu que o bebes que te custa ir buscá-lo?
Vai o Santos, pega numa bota cardada que entretanto descalçara e atira-a, fazendo pontaria à mulher mas acertando na prateleirita.
Nisto, vzzzzzzzzt!

Moral 1: sendo a água condutora de electricidade, não é conveniente ter aparelhos eléctricos por cima de alguidares de barro com água.

Moral 2: por maior que seja o charme gauché de umas botas cardadas, a verdade é que são uma péssima arma de arremesso – prova disso é o facto de nunca se ter jogado chinquilho com elas.

Arrotos do Porco:

Quem não tem pontaria não deve usar botas cardadas como arma de arremesso.
Quem tem talento deve usá-lo como tu, genialmente.





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