quarta-feira, dezembro 22, 2004 |
O Natal explicado às crianças
Há muitos, muitos anos, havia uma mulher e um homem e um burro. A mulher estava grávida, o homem era carpinteiro e o burro não. Chamavam-se respectivamente Maria, José e Burro. Estavam em Belém mas era antes de haver o Palácio. Já havia pastéis mas eram vendidos em bancas toscas por umas mulheres andrajosas a quem chamavam “judeias”. O burro não comia pastéis e os donos também não porque eram pobrezinhos. Ainda assim, Maria parecia menos andrajosa que as outras – a gravidez trazia-a luzidia e usava uns panos leves, próprios para a viagem, muito fashion. Tinham viajado porque se iam recensear para as eleições de 20 de Fevereiro, mês que na altura ainda não se chamava Fevereiro porque os antigos não tinham calendários como os nossos. Nem telemóveis. Maria, José e o Burro estavam para Belém como estão para Portugal os jogadores brasileiros que se casam com madeirenses.
Maria, José e o burro chegaram a Belém já pela noitinha, a 24 de Dezembro, vindos da Praça da Figueira no 15 que vai para Algés mas que naquele tempo ia para a Cruz Quebrada. O burro vinha mascarado de espantalho para não haver chatices com o revisor. Quando chegaram a Belém, estavam cansados e com fome e ainda não havia Royco Cup-a-Soup. Foram à Pensão Setubalense apreçar os quartos mas estava tudo esgotado por causa do pessoal que vinha fazer a inspecção militar ao quartel da Ajuda. Como eram pobrezinhos e a Caixa Geral de Depósitos já lhes tinha cancelado o cartão de crédito, Maria, José e o burrinho não puderam ir para o Hotel da Torre e acabaram por passar a noite numa exploração pecuária onde hoje é o Jardim Museu Agrícola do Ultramar. José amigou-se de uma vaca que por ali andava e instalaram-se os quatro nuns futons por cima de umas esteiras de palhinha que deixavam escoar o bostedo dos bichos. Quem teve azar foi o burro, que estava mascarado de espantalho com um corta-vento cor de laranja – como a manjedoura era pertinho do Colégio Pina Manique, houve um cavalo que o confundiu com o Carlos Silvino.
Aos gemidos do asno ninguém ligou, porque os antigos não estavam sensibilizados para os direitos dos animais – aliás, o Álvaro Braga Júnior ainda era jornalista desportivo, na altura! Mas mal a doidivanas da Maria começou a estrebuchar com as primeiras contracções foi um desassossego. José estava um bocado carrancudo porque ainda não compreendia muito bem a origem daquela gravidez. Estava casado com Maria há oito meses e ela tinha-o levado à certa para não fazerem acordo pré-nupcial. Ainda não a tinha conhecido carnalmente quando ela lhe anunciou a boa nova: “José, vou parir para Dezembro!”. Ele era um bom carpinteiro de limpos mas não sabia ler nem escrever e ela lá o convenceu que o pai era ele ainda que o filho não fosse dele mas do Pai. Como não tinha ideia do que eram maiúsculas e minúsculas, José lá engoliu – sim, este engolia – a história como sendo mais um sinal da mania das grandezas da sua jovem esposa. Certo certo é que ele ainda não tinha molhado a sopa desde o enlace e que a sua Maria continuava a fazer olhinhos doces a um mariola da família Espírito Santo em casa de quem trabalhara. “Inda lh’aplaino o caralho, ou o caralho!”, desabafava às vezes José na taberna, enquanto via a bola.
Mas destes amores desencontrados não versa a bonita história do Natal. Maria começou com contracções na manjedoura de Belém e José lá foi pedir toalhas e água quente a casa de Paulo Lowndes Marques, que ficava ali à beira. Deram-lhe um rolo de papel de cozinha, uma lata de salsichas industrial com água e um Yorkshire Pudding para estancar eventuais hemorragias. José lá foi a correr e quando chegou já lá estava o Alexandre Frota a ajudar a aparteirar a criança. Não, minto. Quando José lá chegou, Maria uivava e arfava e o menino já estava quase de fora. Sim, que era um menino que Maria carregava no ventre. Uma vez saído e dada a placenta de comer aos animais, Maria disse: “Foda-se! Agora deixa-me dormir um bocadinho!”. José embrulhou o menino no saiote da esposa e foi lavá-lo à Fonte Luminosa da Praça do Império, que se chamava assim porque no tempo dos antigos isto era um império.
Bem tornando à manjedoura, José viu uma grande agitação. À sua espera estava um Mercedes com uma estrela bem areada, três camelos e o Manuel Luís Goucha, o Jorge Gabriel e o Bonga. Estava também um camião do Modelo, uma furgoneta da Sobrinca e uma viatura do estado ao serviço do ACIME – Alto Comissariado para a Integração das Minorias Étnicas. Enquanto o Jorge Gabriel dizia para taparem as vergonhas ao menino e o Manuel Luís Goucha dizia que não, que fazia bem que aquilo respirasse, lá apertaram as bochechas à criança, fizeram barulhos infantis e disseram “Onde é que a galinha põe o ovo, pequerrucho?”. Depois deram presentes aos pais e ao menino: brinquedos, um ano de compras no Modelo e um cheque miserável. E foram-se todos embora, comer espetadas na Tasca do Gordo em Algés, enquanto Maria e José ficavam com o menino nos braços e a vaca e o burro pensavam numa vida a dois.
Ao menino chamaram Jesus, foi guarda-redes do Varzim e do Guimarães e a 25 de Dezembro comemora-se o seu aniversário e trocam-se prendas e enviam-se postais e dão-se esmolas. Também há missa mas só vai quem quer.
Há muitos, muitos anos, havia uma mulher e um homem e um burro. A mulher estava grávida, o homem era carpinteiro e o burro não. Chamavam-se respectivamente Maria, José e Burro. Estavam em Belém mas era antes de haver o Palácio. Já havia pastéis mas eram vendidos em bancas toscas por umas mulheres andrajosas a quem chamavam “judeias”. O burro não comia pastéis e os donos também não porque eram pobrezinhos. Ainda assim, Maria parecia menos andrajosa que as outras – a gravidez trazia-a luzidia e usava uns panos leves, próprios para a viagem, muito fashion. Tinham viajado porque se iam recensear para as eleições de 20 de Fevereiro, mês que na altura ainda não se chamava Fevereiro porque os antigos não tinham calendários como os nossos. Nem telemóveis. Maria, José e o Burro estavam para Belém como estão para Portugal os jogadores brasileiros que se casam com madeirenses.
Maria, José e o burro chegaram a Belém já pela noitinha, a 24 de Dezembro, vindos da Praça da Figueira no 15 que vai para Algés mas que naquele tempo ia para a Cruz Quebrada. O burro vinha mascarado de espantalho para não haver chatices com o revisor. Quando chegaram a Belém, estavam cansados e com fome e ainda não havia Royco Cup-a-Soup. Foram à Pensão Setubalense apreçar os quartos mas estava tudo esgotado por causa do pessoal que vinha fazer a inspecção militar ao quartel da Ajuda. Como eram pobrezinhos e a Caixa Geral de Depósitos já lhes tinha cancelado o cartão de crédito, Maria, José e o burrinho não puderam ir para o Hotel da Torre e acabaram por passar a noite numa exploração pecuária onde hoje é o Jardim Museu Agrícola do Ultramar. José amigou-se de uma vaca que por ali andava e instalaram-se os quatro nuns futons por cima de umas esteiras de palhinha que deixavam escoar o bostedo dos bichos. Quem teve azar foi o burro, que estava mascarado de espantalho com um corta-vento cor de laranja – como a manjedoura era pertinho do Colégio Pina Manique, houve um cavalo que o confundiu com o Carlos Silvino.
Aos gemidos do asno ninguém ligou, porque os antigos não estavam sensibilizados para os direitos dos animais – aliás, o Álvaro Braga Júnior ainda era jornalista desportivo, na altura! Mas mal a doidivanas da Maria começou a estrebuchar com as primeiras contracções foi um desassossego. José estava um bocado carrancudo porque ainda não compreendia muito bem a origem daquela gravidez. Estava casado com Maria há oito meses e ela tinha-o levado à certa para não fazerem acordo pré-nupcial. Ainda não a tinha conhecido carnalmente quando ela lhe anunciou a boa nova: “José, vou parir para Dezembro!”. Ele era um bom carpinteiro de limpos mas não sabia ler nem escrever e ela lá o convenceu que o pai era ele ainda que o filho não fosse dele mas do Pai. Como não tinha ideia do que eram maiúsculas e minúsculas, José lá engoliu – sim, este engolia – a história como sendo mais um sinal da mania das grandezas da sua jovem esposa. Certo certo é que ele ainda não tinha molhado a sopa desde o enlace e que a sua Maria continuava a fazer olhinhos doces a um mariola da família Espírito Santo em casa de quem trabalhara. “Inda lh’aplaino o caralho, ou o caralho!”, desabafava às vezes José na taberna, enquanto via a bola.
Mas destes amores desencontrados não versa a bonita história do Natal. Maria começou com contracções na manjedoura de Belém e José lá foi pedir toalhas e água quente a casa de Paulo Lowndes Marques, que ficava ali à beira. Deram-lhe um rolo de papel de cozinha, uma lata de salsichas industrial com água e um Yorkshire Pudding para estancar eventuais hemorragias. José lá foi a correr e quando chegou já lá estava o Alexandre Frota a ajudar a aparteirar a criança. Não, minto. Quando José lá chegou, Maria uivava e arfava e o menino já estava quase de fora. Sim, que era um menino que Maria carregava no ventre. Uma vez saído e dada a placenta de comer aos animais, Maria disse: “Foda-se! Agora deixa-me dormir um bocadinho!”. José embrulhou o menino no saiote da esposa e foi lavá-lo à Fonte Luminosa da Praça do Império, que se chamava assim porque no tempo dos antigos isto era um império.
Bem tornando à manjedoura, José viu uma grande agitação. À sua espera estava um Mercedes com uma estrela bem areada, três camelos e o Manuel Luís Goucha, o Jorge Gabriel e o Bonga. Estava também um camião do Modelo, uma furgoneta da Sobrinca e uma viatura do estado ao serviço do ACIME – Alto Comissariado para a Integração das Minorias Étnicas. Enquanto o Jorge Gabriel dizia para taparem as vergonhas ao menino e o Manuel Luís Goucha dizia que não, que fazia bem que aquilo respirasse, lá apertaram as bochechas à criança, fizeram barulhos infantis e disseram “Onde é que a galinha põe o ovo, pequerrucho?”. Depois deram presentes aos pais e ao menino: brinquedos, um ano de compras no Modelo e um cheque miserável. E foram-se todos embora, comer espetadas na Tasca do Gordo em Algés, enquanto Maria e José ficavam com o menino nos braços e a vaca e o burro pensavam numa vida a dois.
Ao menino chamaram Jesus, foi guarda-redes do Varzim e do Guimarães e a 25 de Dezembro comemora-se o seu aniversário e trocam-se prendas e enviam-se postais e dão-se esmolas. Também há missa mas só vai quem quer.
Arrotos do Porco:
Já te tinha dito que te acho genial? Já? Mas digo outra vez. És genial, coisinho! Bom Natal para ti. Também já te tinha desejado? Ora... |
Olha, desejo-te um grande Natal na companhia de todos e obrigado por tudo. Para a semana cá nos encontramos. |
Vareta, môm. Ri-me à fartazana com esta versão da Natividade. Está fabulosa. Bom Natal e boas "Enterradas" como diz o Super. |