segunda-feira, dezembro 13, 2004 |
i. porque se impõe uma palavrinha prévia
O que é que eu tenho feito? Não sei muito bem responder a isto.
Desde que me conheço que vivo da mesma maneira: a pensar que os outros têm mais direitos sobre mim que eu próprio. Tenho para mim o tempo que outros não reclamam, a disponibilidade que vai sobrando, a tranquilidade restante daquela que procuro oferecer às mãos cheias às pessoas a quem quero bem. Se me basta? Basta, pois. Sou um gajo feliz, tanto ou tão pouco que estava capaz de submeter a minha felicidade à certificação do Instituto de Soldadura e Qualidade. Mas ou deixo de dormir ou deixo de trabalhar ou lá terei que continuar a fazer actos de contrição uns atrás dos outros por não ter tempo para isto ou para aquilo.
Devo tempo a pessoas que estão longe, devo tempo a pessoas que não têm tido tempo para me procurar, devo tempo ao piano, devo tempo aos livros, devo tempo aos filmes, devo tempo – muito tempo – a este blog. Precisava que o meu relógio aceitasse umas condições parecidas com as das contas-ordenado das instituições financeiras mas o sacana é mais inflexível que o era a Dra. Ferreira Leite.
Depois há ainda aquela relação tramada entre tempo e meios. Quando tenho acesso aos meios que me permitiriam saldar algumas das dívidas enumeradas, falta-me o tempo. Quando consigo ter tempo, faltam-me os meios. Quando se juntam os dois, acredito em Deus Nosso Senhor.
ii. mania das grandezas
O gosto de escrever sempre o tive – e mal seria se assim não fosse, com a profissão que escolhi. Sempre gostei tanto que nunca me angustiei por desconhecer se o faço bem ou mal. Antigamente, quando não escrevia porque tinha que ser, escrevia porque me apetecia. Hoje, quando não escrevo porque tem que ser, escrevo porque gosto de pensar que vocês vão ler – não porque queira ser apreciado ou porque pretenda ver este ou aquele tema discutido mas só porque assim eu “estou cá” e porque esta é a maneira que conheço de demonstrar o meu apreço a por quem cá anda.
Da combinação entre esse apreço e a falta de disponibilidade resulta, de quando em vez, a “mania das grandezas”. Começa pela negação: não, eu não vou escrever só por escrever, eu não vou só brincar com o quotidiano porque eles merecem substância, conteúdo, forma, eles merecem o melhor. Passa-se depois à laboriosa construção do conceito: já sei, vou pegar nisto, chamo-lhe não-sei-o-quê, começa assim e depois torço aqui e acolá e… logo se vê. Finalmente, as primeiras contracções: uma página, dois parágrafos desinspirados, relê-se, risca-se, outra ideia, volta-se à primeira, põe-se o papel de lado e guarda-se para amanhã – tudo para que, no dia seguinte, se constate que era mais um nado-morto. Cuidam que fica por aqui? Desenganem-se. Segue-se a fase do desespero, das forçadas tentativas de reanimação, da vida artificial até ao momento da coragem em que se desliga a máquina e se fina a esperança em mais um projecto e se diminui a crença na capacidade de fazermos aquilo a que nos propomos.
Eu tentar até tentei mas a verdade é que não consegui dar corpo à ideia de transformar o “Código Da Vinci” nesse grande tributo à música moderna portuguesa que seria o “Código dos Da Vinci”.
iii. de maneiras que…
Se por esta altura ainda não perceberam que sou um bocado esquizóide, das duas uma: ou eu sou muito mais dissimulado do que penso ou vocês são muito lorpas. Posso assim afirmar sem medo de causar estranheza que o ano tem, para mim, três dias de Natal, a saber: 8 de Maio, 13 de Junho e 25 de Dezembro. Se o último é dia de Natal porque sim, os outros são-no porque neles nasceram os meus sobrinhos e, lá porque se não chamam Jesus (felizmente), são Meninos com maiúscula de pleno direito e ensinam-me tanto a mim como o Outro terá ensinado aos mestres no templo (com o devido respeito pelas hierarquias, claro).
Isto não quer dizer que “ligue pouco” ao dia 25, pelo contrário. Gosto mesmo do Natal, pronto. Gosto de quase todos os dias mas ainda gosto mais deste e de alguns outros. É artificial, concedo, é padronizado e mercantilizado e parece-se cada vez mais com uma refeição para micro-ondas – é só comprar a embalagem e pôr cinco minutos no forno e aí temos o Natal: vermelho, com luzinhas, com prendinhas, com presépiozinhos, com pinheirinhos, com docinhos… E depois? Hum? Qual é o problema? Se há coisa que me irrita são os discursos dos “pós-modernos-neo-tradicionalistas-pseudo-humanistas” que “abominam este Natal que é só marketing e consumo”. Façam outro, por Deus! Mas deixem-nos viver este como nos apetecer, sem moralismos requentados em panelinhas sem autoridade para tanto.
De maneiras que eu, Vareta, dou muito mais valor a uma arquivista que se embebeda no almoço de Natal do serviço e se passeia pelo local de trabalho com um gorro de São Nicolau do que a uma quarentona seráfica que acha que esta coisa do Natal é uma cãibra no estilo (tradução por homofonia de “cramps your style”).
O que é que eu tenho feito? Não sei muito bem responder a isto.
Desde que me conheço que vivo da mesma maneira: a pensar que os outros têm mais direitos sobre mim que eu próprio. Tenho para mim o tempo que outros não reclamam, a disponibilidade que vai sobrando, a tranquilidade restante daquela que procuro oferecer às mãos cheias às pessoas a quem quero bem. Se me basta? Basta, pois. Sou um gajo feliz, tanto ou tão pouco que estava capaz de submeter a minha felicidade à certificação do Instituto de Soldadura e Qualidade. Mas ou deixo de dormir ou deixo de trabalhar ou lá terei que continuar a fazer actos de contrição uns atrás dos outros por não ter tempo para isto ou para aquilo.
Devo tempo a pessoas que estão longe, devo tempo a pessoas que não têm tido tempo para me procurar, devo tempo ao piano, devo tempo aos livros, devo tempo aos filmes, devo tempo – muito tempo – a este blog. Precisava que o meu relógio aceitasse umas condições parecidas com as das contas-ordenado das instituições financeiras mas o sacana é mais inflexível que o era a Dra. Ferreira Leite.
Depois há ainda aquela relação tramada entre tempo e meios. Quando tenho acesso aos meios que me permitiriam saldar algumas das dívidas enumeradas, falta-me o tempo. Quando consigo ter tempo, faltam-me os meios. Quando se juntam os dois, acredito em Deus Nosso Senhor.
ii. mania das grandezas
O gosto de escrever sempre o tive – e mal seria se assim não fosse, com a profissão que escolhi. Sempre gostei tanto que nunca me angustiei por desconhecer se o faço bem ou mal. Antigamente, quando não escrevia porque tinha que ser, escrevia porque me apetecia. Hoje, quando não escrevo porque tem que ser, escrevo porque gosto de pensar que vocês vão ler – não porque queira ser apreciado ou porque pretenda ver este ou aquele tema discutido mas só porque assim eu “estou cá” e porque esta é a maneira que conheço de demonstrar o meu apreço a por quem cá anda.
Da combinação entre esse apreço e a falta de disponibilidade resulta, de quando em vez, a “mania das grandezas”. Começa pela negação: não, eu não vou escrever só por escrever, eu não vou só brincar com o quotidiano porque eles merecem substância, conteúdo, forma, eles merecem o melhor. Passa-se depois à laboriosa construção do conceito: já sei, vou pegar nisto, chamo-lhe não-sei-o-quê, começa assim e depois torço aqui e acolá e… logo se vê. Finalmente, as primeiras contracções: uma página, dois parágrafos desinspirados, relê-se, risca-se, outra ideia, volta-se à primeira, põe-se o papel de lado e guarda-se para amanhã – tudo para que, no dia seguinte, se constate que era mais um nado-morto. Cuidam que fica por aqui? Desenganem-se. Segue-se a fase do desespero, das forçadas tentativas de reanimação, da vida artificial até ao momento da coragem em que se desliga a máquina e se fina a esperança em mais um projecto e se diminui a crença na capacidade de fazermos aquilo a que nos propomos.
Eu tentar até tentei mas a verdade é que não consegui dar corpo à ideia de transformar o “Código Da Vinci” nesse grande tributo à música moderna portuguesa que seria o “Código dos Da Vinci”.
iii. de maneiras que…
Se por esta altura ainda não perceberam que sou um bocado esquizóide, das duas uma: ou eu sou muito mais dissimulado do que penso ou vocês são muito lorpas. Posso assim afirmar sem medo de causar estranheza que o ano tem, para mim, três dias de Natal, a saber: 8 de Maio, 13 de Junho e 25 de Dezembro. Se o último é dia de Natal porque sim, os outros são-no porque neles nasceram os meus sobrinhos e, lá porque se não chamam Jesus (felizmente), são Meninos com maiúscula de pleno direito e ensinam-me tanto a mim como o Outro terá ensinado aos mestres no templo (com o devido respeito pelas hierarquias, claro).
Isto não quer dizer que “ligue pouco” ao dia 25, pelo contrário. Gosto mesmo do Natal, pronto. Gosto de quase todos os dias mas ainda gosto mais deste e de alguns outros. É artificial, concedo, é padronizado e mercantilizado e parece-se cada vez mais com uma refeição para micro-ondas – é só comprar a embalagem e pôr cinco minutos no forno e aí temos o Natal: vermelho, com luzinhas, com prendinhas, com presépiozinhos, com pinheirinhos, com docinhos… E depois? Hum? Qual é o problema? Se há coisa que me irrita são os discursos dos “pós-modernos-neo-tradicionalistas-pseudo-humanistas” que “abominam este Natal que é só marketing e consumo”. Façam outro, por Deus! Mas deixem-nos viver este como nos apetecer, sem moralismos requentados em panelinhas sem autoridade para tanto.
De maneiras que eu, Vareta, dou muito mais valor a uma arquivista que se embebeda no almoço de Natal do serviço e se passeia pelo local de trabalho com um gorro de São Nicolau do que a uma quarentona seráfica que acha que esta coisa do Natal é uma cãibra no estilo (tradução por homofonia de “cramps your style”).