segunda-feira, dezembro 13, 2004 |
Fotografia a p&b by Violeta
Fotografia do Z, publicada sem autorização.
Há outros natais. Os que são a preto e branco.
Os sábados de manhã no mês de Dezembro são especiais. As cidades ficam muitíssimo mais bonitas, enfeitadas com laços e árvores coloridas, salpicadas por alguns casacos de pele com aroma a perfume, embrulhadas em sorrisos e palavras soltas de feliz natal.
O café habitual onde tomo o meu pequeno-almoço dos sábados de manhã fica muito mais cheio de gente que cumpre os rituais de Dezembro. Este sábado, espero ao balcão mais um pouco, o que não me aflige nada. Tenho tempo. Saboreio em silêncio nos lábios a frase… tenho tempo.
Ao meu lado no balcão, uma mulher de idade indefinida. Imóvel, espera algo. Penso que como eu, espera para ser atendida pela menina que vai tirando bicas e mandando obrigadas e faz favores aos clientes. Mas tenho tempo e foco melhor. Estudo o enquadramento. Serve-me o fundo repleto de vozes alegres, perfumado de café.
Faço zoom. Um xaile na cabeça e uns sapatos de pano fazem-me adivinhar o frio de quem vem de longe em busca de uma nova vida. Usa roupa de cores pardas, sem formas nem desenhos. Tem uma moeda de 50 cêntimos na mão e olha para o vidro onde se protegem os bolos da manhã. Trocamos silêncios e olhares. Com o suporte de uma palavra que oiço como ajuda, entendo que me pede dinheiro para comer. Fico terrivelmente envergonhada com estas situações. Como se eu fosse ela e ela eu. Crio uma empatia estranha com estes estranhos que se cruzam comigo na dor dos seus dias. Digo-lhe baixinho – O que quer? Qual quer? Aponto os folhados, os bolos, enquanto o meu pão com fiambre e abatanado surgem à minha frente. Ela aponta para um bolo pequeno, com creme. Deve ser o bolo mais pequeno da montra. Peço o bolo à menina do balcão que me atende e que já está dentro da minha estória e me diz com os olhos.. só isso?
- Só. Porra, ela não pediu mais nada. – Grito eu já cada vez mais baixinho.
A mulher que poderia ter sido tão bonita e que parece já velha, diz-me obrigada e senta-se na mesa ao lado da que eu tinha escolhido. Comemos as duas em silêncio. Olho para ela disfarçadamente, sinto-me mal, compreendo na satisfação com que ela como o bolo o significado da palavra fome.
Todo este episódio seria banal, não fora o momento que se seguiu. E que me persegue ainda. A mulher terminou o bolo, delicadamente limpou a boca a um guardanapo de papel, olhou-me nos olhos, abriu um sorriso lindo, onde faltavam alguns dentes e disse-me “xau”. Trago comigo este sorriso, como se fosse uma fotografia a preto e branco tirada num dia em que as cores são só dos outros…
Fotografia do Z, publicada sem autorização.
Há outros natais. Os que são a preto e branco.
Os sábados de manhã no mês de Dezembro são especiais. As cidades ficam muitíssimo mais bonitas, enfeitadas com laços e árvores coloridas, salpicadas por alguns casacos de pele com aroma a perfume, embrulhadas em sorrisos e palavras soltas de feliz natal.
O café habitual onde tomo o meu pequeno-almoço dos sábados de manhã fica muito mais cheio de gente que cumpre os rituais de Dezembro. Este sábado, espero ao balcão mais um pouco, o que não me aflige nada. Tenho tempo. Saboreio em silêncio nos lábios a frase… tenho tempo.
Ao meu lado no balcão, uma mulher de idade indefinida. Imóvel, espera algo. Penso que como eu, espera para ser atendida pela menina que vai tirando bicas e mandando obrigadas e faz favores aos clientes. Mas tenho tempo e foco melhor. Estudo o enquadramento. Serve-me o fundo repleto de vozes alegres, perfumado de café.
Faço zoom. Um xaile na cabeça e uns sapatos de pano fazem-me adivinhar o frio de quem vem de longe em busca de uma nova vida. Usa roupa de cores pardas, sem formas nem desenhos. Tem uma moeda de 50 cêntimos na mão e olha para o vidro onde se protegem os bolos da manhã. Trocamos silêncios e olhares. Com o suporte de uma palavra que oiço como ajuda, entendo que me pede dinheiro para comer. Fico terrivelmente envergonhada com estas situações. Como se eu fosse ela e ela eu. Crio uma empatia estranha com estes estranhos que se cruzam comigo na dor dos seus dias. Digo-lhe baixinho – O que quer? Qual quer? Aponto os folhados, os bolos, enquanto o meu pão com fiambre e abatanado surgem à minha frente. Ela aponta para um bolo pequeno, com creme. Deve ser o bolo mais pequeno da montra. Peço o bolo à menina do balcão que me atende e que já está dentro da minha estória e me diz com os olhos.. só isso?
- Só. Porra, ela não pediu mais nada. – Grito eu já cada vez mais baixinho.
A mulher que poderia ter sido tão bonita e que parece já velha, diz-me obrigada e senta-se na mesa ao lado da que eu tinha escolhido. Comemos as duas em silêncio. Olho para ela disfarçadamente, sinto-me mal, compreendo na satisfação com que ela como o bolo o significado da palavra fome.
Todo este episódio seria banal, não fora o momento que se seguiu. E que me persegue ainda. A mulher terminou o bolo, delicadamente limpou a boca a um guardanapo de papel, olhou-me nos olhos, abriu um sorriso lindo, onde faltavam alguns dentes e disse-me “xau”. Trago comigo este sorriso, como se fosse uma fotografia a preto e branco tirada num dia em que as cores são só dos outros…