sexta-feira, outubro 08, 2004 |
Folhetim - dia 3
Carlos levantou-se de repente e limpou as mãos às calças de ganga.
- Bem, vou chamar a polícia. Isto assim não pode ser.
- Vai chamar quem?
- A polícia. Alguém tem que tomar conta da ocorrência.
- Eu se fosse a si, não fazia isso...
- Então porquê?
- Bem... não se sabe de que é que ele morreu. E a polícia vai fazer perguntas, afinal foi você que o "descobriu".
- Ei! Que é que você quer dizer com isso?
Nesse momento, abriu-se a porta do rés-do-chão B e saíu o sr. Jorge. Amestiçado, pai de um rancho de filhos já crescidos (cujo número total nunca consegui determinar, mesmo ao fim de seis anos), agarrado a uma bengala por força de uma qualquer incapacidade nas pernas, libertava o típico fedor a tinto de má qualidade que sempre o seguia. Sorriu o seu habitual sorriso de menino traquinas, disse um "bom dia" meio cantado no seu sotaque angolano, evitou as minhas pernas com alguma dificuldade e desapareceu na madrugada ainda escura. Carlos e Vítor ficaram a olhar para a porta da rua alguns segundos, até o primeiro voltar à carga.
- Você está a querer dizer que eu o matei?
- Eu?!? Longe de mim! Mas a polícia vai fazer perguntas, ai isso é que vai.
- Você também aqui estava. Também o viu.
- Mas eu cheguei depois.
- Ai sim? E quem é que disse isso?
- Bem! Querem ver que a gente se vai chatear?
- Se me vierem chatear eu não vou levar com eles sozinho. Além do mais, se ele foi morto, eu não fui de certeza o primeiro a chegar aqui, foi o assassino. Eu tenho a certeza que não o matei, mas de si já não digo nada...
- Mas você está parvo? Não viu que eu cheguei depois de si?
- Ora, podia ter ido lá acima e esperado que aparecesse alguém...
PLAF!, fez a mão do Vítor na cara do Carlos. Os dois enrolaram-se, urrando, até se agarrarem e caírem por cima do meu cadáver. O barulho atraiu a D. Ana Paula, administradora do condomínio, que morava no 1º andar. Solicitadora de profissão e tortuosa de processos, era impossível manter uma conversa durante mais de 30 segundos com ela sem sermos presenteados com uma qualquer explicação bizarra para as coisas mais corriqueiras do dia-a-dia. Normalmente relacionavam-se com os imensos perigos que espreitavam a cada esquina da vida, de onde magotes de criminosos de diversa índole espreitavam uma oportunidade para arruinar a vida ao cidadão mais temente a Deus e cumpridor das suas obrigações fiscais.
- Que é que se passa aqui?, disse hesitante. Que é que fizeram ao vizinho?
- Nós? Nada!, disseram os dois em coro desafinado.
- Como, nada? O homem tá aí caído, até parece morto!
Carlos levantou-se de repente e limpou as mãos às calças de ganga.
- Bem, vou chamar a polícia. Isto assim não pode ser.
- Vai chamar quem?
- A polícia. Alguém tem que tomar conta da ocorrência.
- Eu se fosse a si, não fazia isso...
- Então porquê?
- Bem... não se sabe de que é que ele morreu. E a polícia vai fazer perguntas, afinal foi você que o "descobriu".
- Ei! Que é que você quer dizer com isso?
Nesse momento, abriu-se a porta do rés-do-chão B e saíu o sr. Jorge. Amestiçado, pai de um rancho de filhos já crescidos (cujo número total nunca consegui determinar, mesmo ao fim de seis anos), agarrado a uma bengala por força de uma qualquer incapacidade nas pernas, libertava o típico fedor a tinto de má qualidade que sempre o seguia. Sorriu o seu habitual sorriso de menino traquinas, disse um "bom dia" meio cantado no seu sotaque angolano, evitou as minhas pernas com alguma dificuldade e desapareceu na madrugada ainda escura. Carlos e Vítor ficaram a olhar para a porta da rua alguns segundos, até o primeiro voltar à carga.
- Você está a querer dizer que eu o matei?
- Eu?!? Longe de mim! Mas a polícia vai fazer perguntas, ai isso é que vai.
- Você também aqui estava. Também o viu.
- Mas eu cheguei depois.
- Ai sim? E quem é que disse isso?
- Bem! Querem ver que a gente se vai chatear?
- Se me vierem chatear eu não vou levar com eles sozinho. Além do mais, se ele foi morto, eu não fui de certeza o primeiro a chegar aqui, foi o assassino. Eu tenho a certeza que não o matei, mas de si já não digo nada...
- Mas você está parvo? Não viu que eu cheguei depois de si?
- Ora, podia ter ido lá acima e esperado que aparecesse alguém...
PLAF!, fez a mão do Vítor na cara do Carlos. Os dois enrolaram-se, urrando, até se agarrarem e caírem por cima do meu cadáver. O barulho atraiu a D. Ana Paula, administradora do condomínio, que morava no 1º andar. Solicitadora de profissão e tortuosa de processos, era impossível manter uma conversa durante mais de 30 segundos com ela sem sermos presenteados com uma qualquer explicação bizarra para as coisas mais corriqueiras do dia-a-dia. Normalmente relacionavam-se com os imensos perigos que espreitavam a cada esquina da vida, de onde magotes de criminosos de diversa índole espreitavam uma oportunidade para arruinar a vida ao cidadão mais temente a Deus e cumpridor das suas obrigações fiscais.
- Que é que se passa aqui?, disse hesitante. Que é que fizeram ao vizinho?
- Nós? Nada!, disseram os dois em coro desafinado.
- Como, nada? O homem tá aí caído, até parece morto!
Arrotos do Porco:
"O homem tá aí caído, até parece morto!"... Sábias palavras, senhor. Por todos os motivos: esta noite tive uma paragem de digestão e senti-me meio morto, depois de verificar que o meu estômago tem a capacidade de um jerrycan de 20 litros. Para além destas matérias comezinhas de medicina interna, pergunto-me se a frase não faria mais sentido ainda se homem estivesse com "agá" grande (ou "ó", fazendo a vontade ao João Pinto, lateral direito do Porto de fama imorredoira...). Não estará a Humanidade caída e quase morta? ESTÁ! Está sempre: a Humanidade como a conhecemos muda diariamente e nós, toscos, usamos sempre o mesmo termo para descrever um contínuo de mudança - ía escrever "evolução" mas arrependi-me a tempo. Deste fabuloso folhetim Meniresco, retenho ainda uma lição - que se liga muito bem ao texto do Mimalho sobre a Arquitectura - preciosa: devemos sempre "agarrar" a escala de espaço e de tempo em que nos sentimos felizes, seja um prédio, um bairro, uma cidade ou uma casa, seja aproveitando as manhãs ou contrariando as manhãs negando-lhes a existência... Digo eu, que hoje estou à berminha da congestão cerebral. |