sábado, setembro 18, 2004 |
SEXTA-FEIRA, UM DIA DEPOIS.
Antes de mais, os Feromona. Abençoada quinta-feira aquela que levou algumas dezenas de espíritos esclarecidos ao Santiago Alquimista. Fiquei com aquela sensação gratificante de ter assistido ao nascimento de alguma coisa. Reparem que isso não tem relação com o facto de ter sido um dos primeiros concertos da banda, não. O que eu senti foi que estava a assistir ao nascimento de uma linguagem própria e nova e que, sendo naturalmente devedora a algumas influencias, consegue descolar-se sem dificuldade e ser só o que é. E o que é? É rock, mas é o rock dos Feromona e é um rock diferente dos outros. Não sei se eles vão ser grandes – nunca é muito avisado fazer apostas dessas em Portugal – mas sei que eles vão ser muito bons. Já o são. E mostraram-no naquele concerto, sem deixar espaço para dúvidas. Que se arrependa quem não foi, que arrepele os cabelos quem queria ir mas não pôde.
Hoje passei a manhã a ouvir os XTC. Por causa disso, decidi voltar às costumeiras traduções de sexta-feira – transplantadas hoje, por força das circunstâncias, para o Sábado – e decidi traduzir... outra coisa que não os XTC. Os XTC são brilhantes e frequentemente irritam-me por serem tão brilhantes e tão claramente inteligentes e por fazerem canções como lhes dá na real gana. E depois há aquele estranho binómio Andy Partridge – Colin Moulding. Toda a gente sabe que o Partridge é o génio mas o Moulding lá vai tendo o seu espaço a cada disco e lá vai escrevendo uma ou outra canção. Passei a manhã a ouvir o “Rag and Bone Buffet”, uma compilação de raridades e lados B, onde se pode ouvir uma das melhores canções que o Colin Moulding já escreveu. Chama-se “The World is Full of Angry Young Men” e está ao nível do “Wonderland”, momento histórico do mítico “Mummer” – sim, eu sei que me dá um certo ar de cagão este vomitar de referências, mas vocês só lêem porque querem – e fiquei mais uma vez convencido de que os XTC são um espartilho para o Colin Moulding, que se deve sentir sempre ensombrado pelo génio esmagador – e se é esmagador, o cabrão – do Andy Partridge.
Só para vos explicar a lógica fabulosa de um cérebro tão fascinante como o meu, devo dizer-vos que foi por me lembrar da aversão dos XTC aos espectáculos ao vivo – que já não fazem tournées, salvo o erro, desde o início dos anos 80 – e da sua relação esquisita com qualquer vestígio, por mais pequeno que seja, de sucesso, foi por isto, dizia, que me lembrei do artista que hoje escolhi para iluminar mais um capítulo na minha demanda pelas mais brilhantes pérolas pop.
Quantas vezes será preciso um gajo “cair” para ficar imune à ilusão do sucesso? Como é que será ser apontado como artista influente, voltar a ter um “hit single” mais de dez anos depois dos tempos de relativa notoriedade e voltar, de novo, à obscuridade de sempre, às vendas inexpressivas, à simpatia das críticas que nunca passa disso? Suponho que não deve ser fácil ter estômago para isto tudo – eu aposto que o meu ulcerava... – para ignorar os reveses e continuar a gravar disco atrás de disco com canções muito mas muito boas. O Edwyn Collins deve ter, portanto, um estômago notável. Depois de ter conseguido que os Orange Juice fossem reconhecidos como um marco da pop mais inteligente dos anos 80 – que saudades da Postcard Records... – foi gravando discos a solo que faziam as delícias dos poucos que os ouviam. Isto até ao dia em que, largos meses após o lançamento do álbum “Gorgeous George’, alguém reparou que o riff do single “A Girl Like You” era perfeitamente infeccioso e irresistível. Sobreexposição, sucesso, entrevistas, perguntas como “onde é que ele estava até agora”, “porque é não tínhamos reparado antes que ele tem uma voz extraordinária e um talento raro para escrever canções”? Passou o single, passou o “hype”, e lá voltou Edwyn Collins aos álbuns a solo com canções excelentes e escassa atenção. O álbum de 1990, “Hellbent on Compromise”, é um caso raro: as canções são boas como poucas mas a produção é assim para o pobrezinho, do que resulta este ser um álbum em que apetece pegar e “cobrir” as canções uma a uma – cobrir como tradução literal de fazer “covers”, claro (o próprio Edwyn, neste preciso álbum, “cobre” com graça e estilo o “Time of the Preacher” do indescritível Willie Nelson, esse mito da country com ar de safardana pouco limpo, de quem não lava os bigodes depois de fazer um minete). É, pois, com uma admiração muito sincera que vos dou a ler, na língua de Luisa Costa Gomes e Yvette K. Centeno, essa pérola amarga sobre a condição de artista pop a que o Eduíno chamou “You Poor Deluded Fool” e que é a faixa número 2 desse “depósito de talento” que é “Hellbent on Compromise”, o álbum que encarna por excelência o espirito “might have been” que eu tanto aprecio.
You Poor Deluded Fool
What in the world's it coming to?
Será que já tenho idade para perguntar “onde é que isto vai parar?!”
There was a time I felt you knew
Será que já cheguei à fase de questionar o avançar?
So in desperation I followed you
Se chegar a cantar o que sempre quis será que isso vai importar?
They said you were wise beyond your years
É injusto tomar por “Bíblia” uma canção
Not for yourself you cried those tears
O destino não pode ser determinado por um refrão
But no one asked you for your sympathy
Por triste que seja uma melodia ela não chora as tuas dores
He rides into town astride a mule
Olha-se o que se fez em ciclos de amor e desamor
Pity the poor deluded fool
Pobre de quem acha que tem o estatuto de autor
It's not that no one wants you
Não é que tenhas a certeza de ser ignorado
It's just your past that haunts you
Mas é tão raro haver justiça na forma como és lembrado
When you broke every rule
Quando o mais das vezes foste o que tinhas de ser
Ignored every cue
Ainda muitos se arrogam o direito de te conhecer
You poor deluded fool
E de te explicar porque fizeste o que acabaste por fazer
You were so headstrong and proud
O muito que de início acreditares em ti nunca será demais
How could they think that you'd cow tow?
A tua voz não te dá mais responsabilidade que ao comum dos mortais
That's the one thing you could not allow
Não há melhor antídoto para uma ideia que as condições ideais
You were the first, you'll be the last
Nada do que fizeres te irá soar perfeito
Something that's far beyond their grasp
Como te hão-de explicar outros com muito menos jeito
No matter. What's passed has passed.
Mas não ligues e aprende com os defeitos do que tiveres feito
He rides into town astride a mule
Olha-se o que se fez em ciclos de amor e desamor
Pity the poor deluded fool
Pobre de quem se congratula com o estatuto de autor
And if they should reject you
Se achares que tudo o que fizeste não serviu para nada
You know I'll still respect you
Lembra-te que há quem, como eu, admire quem fica a meio da escalada
When they're playing it cool
Este fascínio por quem persegue sem encontrar
So unspeakably cruel
Este carinho por quem anda às voltas sem lá chegar
Good luck you crazy fool
Deve ser uma defesa para quando eu me decidir a avançar...
Edwyn Collins, Hellbent on Compromise
Hoje passei a manhã a ouvir os XTC. Por causa disso, decidi voltar às costumeiras traduções de sexta-feira – transplantadas hoje, por força das circunstâncias, para o Sábado – e decidi traduzir... outra coisa que não os XTC. Os XTC são brilhantes e frequentemente irritam-me por serem tão brilhantes e tão claramente inteligentes e por fazerem canções como lhes dá na real gana. E depois há aquele estranho binómio Andy Partridge – Colin Moulding. Toda a gente sabe que o Partridge é o génio mas o Moulding lá vai tendo o seu espaço a cada disco e lá vai escrevendo uma ou outra canção. Passei a manhã a ouvir o “Rag and Bone Buffet”, uma compilação de raridades e lados B, onde se pode ouvir uma das melhores canções que o Colin Moulding já escreveu. Chama-se “The World is Full of Angry Young Men” e está ao nível do “Wonderland”, momento histórico do mítico “Mummer” – sim, eu sei que me dá um certo ar de cagão este vomitar de referências, mas vocês só lêem porque querem – e fiquei mais uma vez convencido de que os XTC são um espartilho para o Colin Moulding, que se deve sentir sempre ensombrado pelo génio esmagador – e se é esmagador, o cabrão – do Andy Partridge.
Só para vos explicar a lógica fabulosa de um cérebro tão fascinante como o meu, devo dizer-vos que foi por me lembrar da aversão dos XTC aos espectáculos ao vivo – que já não fazem tournées, salvo o erro, desde o início dos anos 80 – e da sua relação esquisita com qualquer vestígio, por mais pequeno que seja, de sucesso, foi por isto, dizia, que me lembrei do artista que hoje escolhi para iluminar mais um capítulo na minha demanda pelas mais brilhantes pérolas pop.
Quantas vezes será preciso um gajo “cair” para ficar imune à ilusão do sucesso? Como é que será ser apontado como artista influente, voltar a ter um “hit single” mais de dez anos depois dos tempos de relativa notoriedade e voltar, de novo, à obscuridade de sempre, às vendas inexpressivas, à simpatia das críticas que nunca passa disso? Suponho que não deve ser fácil ter estômago para isto tudo – eu aposto que o meu ulcerava... – para ignorar os reveses e continuar a gravar disco atrás de disco com canções muito mas muito boas. O Edwyn Collins deve ter, portanto, um estômago notável. Depois de ter conseguido que os Orange Juice fossem reconhecidos como um marco da pop mais inteligente dos anos 80 – que saudades da Postcard Records... – foi gravando discos a solo que faziam as delícias dos poucos que os ouviam. Isto até ao dia em que, largos meses após o lançamento do álbum “Gorgeous George’, alguém reparou que o riff do single “A Girl Like You” era perfeitamente infeccioso e irresistível. Sobreexposição, sucesso, entrevistas, perguntas como “onde é que ele estava até agora”, “porque é não tínhamos reparado antes que ele tem uma voz extraordinária e um talento raro para escrever canções”? Passou o single, passou o “hype”, e lá voltou Edwyn Collins aos álbuns a solo com canções excelentes e escassa atenção. O álbum de 1990, “Hellbent on Compromise”, é um caso raro: as canções são boas como poucas mas a produção é assim para o pobrezinho, do que resulta este ser um álbum em que apetece pegar e “cobrir” as canções uma a uma – cobrir como tradução literal de fazer “covers”, claro (o próprio Edwyn, neste preciso álbum, “cobre” com graça e estilo o “Time of the Preacher” do indescritível Willie Nelson, esse mito da country com ar de safardana pouco limpo, de quem não lava os bigodes depois de fazer um minete). É, pois, com uma admiração muito sincera que vos dou a ler, na língua de Luisa Costa Gomes e Yvette K. Centeno, essa pérola amarga sobre a condição de artista pop a que o Eduíno chamou “You Poor Deluded Fool” e que é a faixa número 2 desse “depósito de talento” que é “Hellbent on Compromise”, o álbum que encarna por excelência o espirito “might have been” que eu tanto aprecio.
You Poor Deluded Fool
What in the world's it coming to?
Será que já tenho idade para perguntar “onde é que isto vai parar?!”
There was a time I felt you knew
Será que já cheguei à fase de questionar o avançar?
So in desperation I followed you
Se chegar a cantar o que sempre quis será que isso vai importar?
They said you were wise beyond your years
É injusto tomar por “Bíblia” uma canção
Not for yourself you cried those tears
O destino não pode ser determinado por um refrão
But no one asked you for your sympathy
Por triste que seja uma melodia ela não chora as tuas dores
He rides into town astride a mule
Olha-se o que se fez em ciclos de amor e desamor
Pity the poor deluded fool
Pobre de quem acha que tem o estatuto de autor
It's not that no one wants you
Não é que tenhas a certeza de ser ignorado
It's just your past that haunts you
Mas é tão raro haver justiça na forma como és lembrado
When you broke every rule
Quando o mais das vezes foste o que tinhas de ser
Ignored every cue
Ainda muitos se arrogam o direito de te conhecer
You poor deluded fool
E de te explicar porque fizeste o que acabaste por fazer
You were so headstrong and proud
O muito que de início acreditares em ti nunca será demais
How could they think that you'd cow tow?
A tua voz não te dá mais responsabilidade que ao comum dos mortais
That's the one thing you could not allow
Não há melhor antídoto para uma ideia que as condições ideais
You were the first, you'll be the last
Nada do que fizeres te irá soar perfeito
Something that's far beyond their grasp
Como te hão-de explicar outros com muito menos jeito
No matter. What's passed has passed.
Mas não ligues e aprende com os defeitos do que tiveres feito
He rides into town astride a mule
Olha-se o que se fez em ciclos de amor e desamor
Pity the poor deluded fool
Pobre de quem se congratula com o estatuto de autor
And if they should reject you
Se achares que tudo o que fizeste não serviu para nada
You know I'll still respect you
Lembra-te que há quem, como eu, admire quem fica a meio da escalada
When they're playing it cool
Este fascínio por quem persegue sem encontrar
So unspeakably cruel
Este carinho por quem anda às voltas sem lá chegar
Good luck you crazy fool
Deve ser uma defesa para quando eu me decidir a avançar...
Edwyn Collins, Hellbent on Compromise