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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


sexta-feira, setembro 17, 2004

Americanos

Todos os anos somos brindados com aquelas deliciosas notícias que têm como protagonistas "os americanos". Os safardanas arranjam maneira de nos molhar o Verão, subir o preço ao petróleo, descobrir que o jogging, afinal, aumenta o risco de ACV's, etc., etc. Sendo indubitavelmente matérias de gravidade real, importante seria saber de onde emana tal conhecimento e que rigor esteve na base da sua determinação. Ora, isso não é do interesse de quem propaga estas pérolas, e a razão é simples: "os americanos" já deixaram, há muito, de ser os habitantes dos EEUU e passaram a ser uma raça de criaturas poderosas e reservadas, oráculos modernos escondidos em confortáveis cavernas de onde regularmente deixam verter sobre o "seu" mundo um pouco da sua sabedoria. "Os americanos" disseram, está dito. E é, com certeza, verdade.

Há "americanos" destes por toda a parte, em escalas e registos diversos. Em Portugal temos os politicamente correctos alentejanos e os menos públicos pretos, que funcionam como o objecto de escárnio comum de uma sociedade com pouco à-vontade para se rir de si própria. Gostamos imenso de ter a quem apontar o dedo, e praticamo-lo desde pequenos: o bucha, o caixa-de-óculos, o dentes-de-coelho, o coxo, o marreco, etc., que todos tivemos como colegas na escola (e alguns tiveram a infelicidade de sê-lo...), são as primeiras manifestações desse desporto. Não é que haja algo realmente notável nestas pessoas, mas dá jeito forjar uma "razão" para diminuir alguém. Mais tarde progredimos e aprendemos que não é correcto apontar o dedo; é o momento em que aparecem os "americanos".

Os pretos calões, os ciganos ladrões ou os alentejanos preguiçosos resultam de um processo complicado e perigoso, porque emana de uma espécie de xenofobia mal escondida e potencialmente criminosa - vou deixar para outra altura. Os advogados aldrabões, os polícias corruptos, os funcionários incompetentes, etc., etc., são "americanos" de outra espécie. São, maioritariamente, o resultado de uma má aceitação da democracia: as regras são boas e devem ser impostas e respeitadas até ao momento em que deixem de servir os nossos mui compreensivelmente egoístas propósitos. Mas também não são estes os "americanos" que mais me interessam.

O que me fascina são aquelas figuras que trazem um sorriso aos lábios de todos quando são referidas. Os "saloios", "o povo da bola", "a malta do fatinho de treino" ou, como fala a rititi no seu último poste, os gajos da "posição do missionário e do sexo ao sábado depois da bola" (leiam, que vale a pena). Tal como os autênticos "americanos", estes tipos folclóricos podem até ser encontrados, se procurarmos com maior ou menor afinco, mas estão muito longe de representar a realidade de Portugal em 2004. São espécies em extinção que nós, se calhar sem querer, preservamos tenazmente porque nos servem para apontar o dedo e afastar a atenção de nós próprios, dos nossos fatinhos de treino escondidos com vergonha ao lado do soquete branco, da nossa casa de família em Mafra ou em Torres Vedras ou da monotonia em que caiu a nossa vida sexual porque não soubemos cuidar dela e do/a nosso/a parceiro/a a seu tempo. Estes nossos "americanos" existem, sim, e podem ser identificados. Mas existem em muito maior quantidade no nosso imaginário culposo e aí hão-de perdurar ainda muitos séculos, porque hábitos que cultivamos desde pequenos custam muito a desaparecer e é mais fácil ver o cisco no olho do parceiro do que a trave que temos no nosso.

Arrotos do Porco:

Muito bem observado, Menir Calém.
Mas que os americanos, de uma maneira geral, são manhosos, são. Os cursos superiores deles são manhosos, o ensino médio é manhoso.





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