quinta-feira, junho 17, 2004 |
DESOBEDIÊNCIA
Fui uma criança desobediente. Bem comportada mas desobediente. Para desespero da minha mãe, o meu pai considerava a desobediência sinónimo de inteligência. Nunca acatei ordens com facilidade, acho mesmo que nunca ultrapassei a idade dos porquês. Felizmente para mim, infelizmente para quem me atura.
Isto para dizer que sou apologista da desobediência inteligente e até a incentivo. O mesmo se passa com muito boa gente, e por falar de muito boa gente, faz hoje sessenta e seis anos que, por não querer participar em chacinas, Aristides Sousa Mendes desobedeceu a Salazar – palavras dele.
Estava-se em 1940, as tropas nazis tinham iniciado a invasão da Europa.
Milhões de refugiados e evacuados chegavam a Bordéus - onde ele era Cônsul de Portugal - na esperança de conseguirem chegar a Portugal, via Espanha, e de cá embarcarem para a América.
No consulado de Espanha só passavam vistos se os refugiados já os tivessem do consulado Português, Franco não queria lá ninguém fugido dos nazis que o tinham ajudado durante a Guerra Civil Espanhola.
Portugal era governado por Salazar, que se fingia neutro mas simpatizava e temia, digo eu, Hitler e por isso deu ordens para que não se passassem vistos aos refugiados.
Aristides Sousa Mendes desobedeceu. Mais de 30 mil vistos foram passados por ele e pelos seus dois filhos mais velhos, nos dias 17, 18 e 19.
A seguir, desloca-se a Bayonne – junto à fronteira com Espanha – onde o respectivo Cônsul, obediente, se recusa a passar vistos, mas como Aristides Sousa Mendes era seu superior hierárquico, passa ele mesmo mais uns milhares.
Idem no Consulado de Hendaye.
E quando as autoridades espanholas deixaram de aceitar vistos passados por ele, começou a acompanhar pessoalmente os refugiados para lhes assegurar a passagem da fronteira.
Deve ter ajudado mais de 10.000 refugiados a fugir de França.
Claro que o Salazar não gostava de desobedientes e dia 24 Aristides Sousa Mendes recebe dois telegramas a chamá-lo para Lisboa, processo disciplinar – à porta fechada – caso encerrado, Cônsul colocado “na disponibilidade, aguardando aposentação”.
Morreu 13 anos depois.
Várias diligências, homenagens estrangeiras e dois artigos de jornal depois, em 1976 o Presidente Mário Soares concede-lhe a Ordem da Liberdade, a título póstumo, evidentemente.
Várias pressões estrangeiras e dos filhos de Aristides Sousa Mendes depois, em 1988 a Assembleia da República e o Governo Português procedem, finalmente, à reabilitação do Cônsul.
Não é que o meu pai tinha razão!
Arrotos do Porco: