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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


quinta-feira, maio 20, 2004

Treatra 1

Mega-store de produtos para casa. Balcão de atendimento ao cliente. Uma rapariga, de madeixas loiras apanhadas em rabo-de-cavalo e pele impecavelmente lisa (à força de maquilhagem), afadiga-se com uns papéis. Aproxima-se um casal, na casa dos 30 anos, de ar vagamente distraído. Caminham próximos, mas não juntos.

Ela: Boa tardes.
Recepcionista: Boas tardes. Em que posso ajudá-los (disparando um sorriso imaculadamente branco e radioso)?
Ela: Venho fazer uma devolução.
R: (endurecendo as feições) Ah. E que vem a senhora devolver?
Ela: (com um ligeiro aceno de cabeça) O meu companheiro.
R: Então? Tem algum problema?
Ela: Não… nada de especial. Só que… não dá, pronto. Não consigo.
R: Muito bem. Vamos já tratar disso, então. Trouxe a factura?
Ela: Claro, tenho-a aqui comigo. Se bem me lembro, a vossa loja garantia satisfação, certo?
R: Sim, claro. Se não ficou satisfeita procederemos ao reembolso..
Ela: (sorrindo triunfante) Óptimo.
R: (voltando-se para ele) E o senhor, também quer fazer a devolução?
Ele: Não, eu não adquiri a minha companheira. Saiu-me numa promoção. Duas embalagens de 24 latas de cerveja Pelintra dava direito a 6 canecas com os emblemas de clubes da Liga Excelsa ou uma companheira. Eu já tinha as canecas, por isso…
R: Ah, muito bem. Senão, processávamos o pedido de reembolso em conjunto. (durante uns minutos introduz dados no computador que tem habilmente escondido atrás do balcão). Prontinho. Já está tratado. Quanto é que tinha gasto?
Ela: Dois anos da minha vida.
R: Certo. (teclando algo) Ser-lhe-ão creditados dois anos no fim da sua vida.
Ela: Ah, não está certo!
R: Como não?
Ela: Ora, eu perdi dois anos agora. Quero recuperá-los é agora, não quando for velha!
R: (sorrindo) Não se preocupe, que isso não vai acontecer.
Ela: Não?
R: Não. A senhora já não tem muito tempo de vida.
Ela: Não? Que maçada…
R: Não fique aborrecida! Agora, além do pouco que tinha, tem mais dois anos.
Ela: É… visto assim, até que nem está mal. Mas afinal, quanto mais é que eu tenho?
R: Deixe ver… (consultando o computador)
Ela: Posso ver também?
R: Bem… não devia, mas…
(vira o monitor para que ambas o vejam)
Ela: Só?!? Que chatice…
R: Pois… olhe, paciência.
Ela: O que é esta barra vermelha?
R: É o acidente de viação em que vai perder o baço.
Ela: Que raio de sorte me calhou. E logo eu, que conduzo com tanta cautela.
R: Não vai ser culpa sua, parece-me. De qualquer forma, é neste acidente que vai contrair a lesão renal que acaba por matá-la.
Ela: Enfim… se tem que ser…
R: (voltando-se para o homem) Eu lamento, mas não lhe posso mostrar a sua ficha. Bem vê, o senhor não é cliente…
Ele: Oh, não se preocupe. A gente já sabe como são estas coisas das promoções, eles nunca ficam a perder, né?
Ela: Deixa lá, que mesmo sem ser em promoção…
Ele: Lá estás tu. Não és capaz de ser objectiva com porra nenhuma. Vais ter os teus dois anos de volta, não vais? Eu, se quiser, vou-me queixar ao Totta.
Ela: Pffff… só por te ter aturado, devia até receber mais seis meses! Sempre a choramingar, que não tens sorte nenhuma…
Ele: Bem, eu não tenho que aturar esta merda, pois não? Está resolvido, quero que te lixes e que sofras muito nos dois anos e mais-não-sei-quê que te resta. Ciao!
(sai furioso, sob os olhares delas…)
Ela: Ai, que raiva! E pensar que este cabrão tem a vida toda pela frente!
R: Eu se fosse a si, não me preocupava muito com isso…
Ela: Como não? Eu tenho pouco tempo de vida e este esterco vai continuar por aí! Não é justo!
R: (sorrindo) Eu não lhe devia dizer isto, mas… se tivesse esperado até à semana que vem, já não poderia devolvê-lo…

Arrotos do Porco:


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