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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


segunda-feira, maio 10, 2004

REALIDADES PARALELAS

Era Queima das Fitas mas não vi grelos queimados. Nem vi rasganços das capas. Nem ouvi gritos académicos - graças a Deus! Há já cinco anos e meio que me apercebo da tolice que é festejar o fim dos anos de estudo... Que fizessem uma cerimónia fúnebre, ainda era como o outro. Mas celebrar? Enfim...

Era Queima das Fitas mas isso não interessava. A única coisa que se poderia queimar eram alguns neurónios que padecessem às mãos do volume alcóolico. Terei queimado alguns, parece-me provável. Mas quando cheguei a Coimbra estava sóbrio. Eu conto...

Fui apanhar o comboio à estação do Entroncamento. O Entroncamento é a prova provada de que, se Deus existe, não é arquitecto nem urbanista. Mas adiante. Chego à bilheteira quando faltavam dez minutos para a chegada do comboio que precisava de apanhar. À minha frente estava um senhor cuja provecta idade lhe permitia pagar só meio bilhete - nada de mal, desde que o senhor soubesse para onde queria ir...

- E esse comboio vai para Lisboa?
- Vai.
- E tem ar condicionado?
- Tem.
- E os lugares são marcados?
- São.
- Então queria um bilhete.
- Ora então são...
- NÃO! Espere! Quanto é que é um bilhete até Santana-Cartaxo? É que me lembrei agora que tenho passe entre o Cartaxo e Lisboa...

Bom. Quando o senhor se despachou, chegou a minha vez. "Boa tarde. Queria um bilhete no comboio das 19h para Coimbra B." Esta frase parece simples. Menciono a hora do comboio. Menciono o destino. Presumo que tem todos os ingredientes para ser entendida por um "bilheteiro" com uma barriga que era testemunho de muitos anos de experiência profissional. Mentira. A minha frase era opaca para o seu entendimento... "Mas no Pendular?". Sei lá eu. Sei que há um comboio às 19h e já é muito... "Sim, no das 19h", arrisco. A resposta é críptica: "São nove érios e cinquenta e o comboio sai às 21h20." Seguro, mesmo na fronteira, o "Foda-se" que ameaçava fugir dos confins da minha cavidade bocal. "Não... Ó meu amigo, eu preciso de ir no comboio das 19h." Isto foi dito no tom de voz mais calmo que pude conseguir, enquanto o relógio me mostrava que eram 18h56. "Então deixe cá ver...", diz-me o bilheteiro enquanto desdobra um horário... "Ora... às 19h... às 19h há um mas é Intercidades! O senhor tinha-me dito Pendular!". "Olhe, peço desculpa. Eu quero mesmo é ir neste das 19h.", disse eu, esperando que não fosse preciso imolar-me para arrancar o perdão de tão zeloso funcionário. "Então são sete érios e meio. O comboio pára na linha 5."

Olhei para o relógio. Corri para a linha 5, feliz por ter conseguido o bilhete que queria. O comboio chega à hora. Entro na carruagem indicada pelo bilhete, vejo que o lugar que me correspondia estava ocupado e sento-me num outro, ao lado de uma pacata senhora. Depois da estação de Fátima (vulgo Chão de Maçãs, oficialmente Vale dos Ovos - é sempre bom mostrar que se conhece, ainda que modestamente, este nosso cantinho...) chega ao pé de mim o Senhor Revisor. Como cidadão exemplar que sou, estendo-lhe o bilhete. O Senhor Revisor olha para mim. Olha para o bilhete. Olha para mim. A mão direita está suspensa no ar com o pica-pica a postos para perfurar o título de transporte. A imagem parece parada artificialmente. Até que o Senhor Revisor abre a boca e diz: "Este bilhete não é para este comboio." Só isto. Mais nada. Cessaram as conversas. Fez-se silêncio. Só se ouvia o barulho ténue de cabeças a voltarem-se na minha direcção. "Como assim? Este não é o Intercidades para Coimbra?". Confesso-vos que duvidei da minha sanidade mental... "Vareta, moço, mas tu já nem sabes apanhar um comboio?..." Felizmente não era tanto assim. O Senhor Revisor explicou: "Este bilhete é para o Intercidades que sai do Entroncamento às 20h56." Só isto. Mais nada. A populaça à volta sorri à espera de sangue, à espera que o revisor me expulse a pontapé e me atire para a via férrea a alta velocidade. "Mas eu pedi ao seu colega da bilheteira um bilhete para este das 19h." Suspense. Toda a gente aguarda a última palavra do Senhor Revisor. "Não há problema. Ainda há alguns lugares." O meu suspiro de alívio foi apagado pelas expressões de desilusão dos outros passageiros que se viram forçados a regressar ao desalento da paisagem e das reprimendas da mãe da criança que ameaçava vomitar se não lhe comprassem batatas fritas.

Cheguei a Coimbra à hora a que tinha dito que chegaria a Coimbra. Sou um homem de palavra. As pragas que roguei ao senhor da bilheteira do Entroncamento não foram sérias. Retiro-as. Chegara a tempo ao meu destino e isso é que importava. A minha humilhação pública numa carruagem de comboio é uma coisa de somenos para quem tem a minha estatura moral.

O milagre tecnológico da telefonia móvel permitiu-me saber onde era o Restaurante em que me iria encontrar com gente de tão duvidosa reputação. Chegado às imediações do Restaurante Alfredo (homenagem clara a esse belíssimo programa de entretenimento que os Estúdios do Monte da Virgem pariram há muitos anos, chamado "Canto Alegre", em que uma das personagens repetia ad nauseum "Ó Alfredo! Intéi parece bruxedo!"), vejo o Menir, o nosso Valderrama com a sua frondosa cabeleira afro, acompanhado de uma misteriosa figura. "É um gajo? É um ecoponto? É um Fiat Multipla?"... a dúvida - a que a minha miopia talvez não seja alheia - dissipou-se quando o Menir me anuncia: "Este é o Feio, Porco e Mau." Olhando para o indivíduo em questão, aquela frase parecia uma verdade lapidar. Mas, afinal, o moço não é mau. Ainda assim, 66,6% de verdade num nick já é apreciável.

E jántamos. As descrições abaixo postadas são suficientemente aldrabadas para terem ideia do que não se passou. Jantámos, alguns partiram nessa altura, alguns resistiram e foram às Noites do Parque, cortesia da sociedade Mimosa&Irmão, Lda. Fomos com amigos do Mimosa que merecem uma palavra de apreço: serem amigos daquele gajo é um exemplo como poucos de caridade cristã. Eu sei e vocês sabem que ele não vos merece, mas o Senhor é bom e levará isso em conta.

No recinto à beira-Mondego plantado, o cenário foi de miséria. Aquecidos por Alabastro, Monte Velho, Onix-Fónix, Sagres, Jameson, Johnnie Walker, Espetadas de Morangos em Granizado de Qualquer Coisa Alcoólica e tudo o mais que viesse, os convivas resistentes (os outros que não eu, claro) caíram direitinhos no estereótipo do "gajo maduro que ainda pensa que é novo". Eu mantinha a minha pose serena e impassível. Se alguém me perguntava de que curso era ou o que fazia ali, respondia que estava só a queimar tempo até à hora do meu electro-cardiograma. Mas os outros? Senhores! Os outros estavam loucos! Falavam de música, falavam deles próprios, contavam histórias, lembravam-se dos ausentes, riam-se, bebiam, fumavam... Uma miséria! Depressa percebi porquê. Era a música. Eles agora querem é rock... Depois dá nisto!

E pronto. Na manhã seguinte, enquanto os outros ainda dormiriam tranquilos, eu penava para chegar a tempo ao comboio que me levaria à terra natal e à normalidade reencontrada. Se ouvirem histórias malévolas sobre pessoas que encostam as costas do telemóvel ao ouvido e dizem "não ouço nada" ou sobre despertares com distúrbios gástricos será tudo mentira. Tudo!!

Ficaram mais esclarecidos sobre o que se passou? Claro que não. O "nham" já não é um encontro de pessoas que "se conhecem da internet"; é um grupo de amigos que se junta menos vezes do que queria. Por mais caras novas que vão aparecendo, por mais ausências que se verifiquem, já não há gelo para quebrar. Ainda me fascina este processo: em vez de ter sido um grupo de amigos que se juntou para criar um blog, criou-se um blog que acabou por juntar um grupo de amigos - e um grupo em expansão.

A mim, quem me tira os clássicos... E à vinda, na manhã seguinte, lembrei-me desse clássico: "Coimbra é uma lição..." Foi mesmo uma lição. Aprendi algumas coisas. A arte beirã de bem receber. A generosidade singular de um gajo do Porto. E, acima de tudo, isto: um pão com chouriço, às 5h da manhã, não é necessariamente o melhor ingrediente para "ensopar" o álcoól ingerido.

O meu obrigado ao Mimosa, à "sua", aos seus amigos, à VD, à tt e ao "seu", ao Zeca e à "sua", ao Papa, ao aRMAS, ao FPM e ao Menir. E aos que não foram mas queriam ter ido. E aos que não foram e não sabiam bem se queriam ou não. O som daquela noite faz parte do meu "the sound that makes the world go round", como diriam os Lamb.

Arrotos do Porco:


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