sexta-feira, abril 16, 2004 |
SEXTA-FEIRA...
Hoje arrefeceu. Tive frio quando voltava do almoço. E lembrei-me de músicas que me arrefeciam e assustavam, antigamente. Havia o Rebel Waltz, dos Clash; o All Roads Lead to Rome, dos Stranglers; o Down in the Park, do Gary Numan... E havia uma, por excelência. A música mais fria e mais bonita do álbum mais gélido de todos os tempos: o Metamatic, do John Foxx, o seu primeiro álbum a solo, em 1980, depois dos Ultravox. Uma dieta de sintetizadores analógicos, caixas de ritmos e um baixo que só se ouve quando é preciso. E a voz, distante e monocórdica, longe do fascínio "bowie-esco" dos primeiros álbuns dos Ultravox.
A primeira cópia em vinil que comprei do Metamatic teve um triste fim: nunca a cheguei a ouvir. Comprei-a em Lisboa e levei-a para Tomar no comboio, num saco que decidi pôr no chão, ao lado do aquecimento... que ia ligado. Resultado: o disco deformou-se com o calor... Mas pouco tempo depois consegui comprar outra, que ainda tenho e ainda ouço.
Neste início de fim-de-semana que se anuncia pouco radioso, dou-vos a ler, na língua de Gervásio Lobato e Sampaio Bruno, não uma pérola mas um iceberg da lírica pop contemporânea. Chama-se "A Blurred Girl" e é linda naquela forma tortuosa em que os dias mais desoladores do Inverno também conseguem ser lindos.
A Blurred Girl
I'm taking nothing
Não levo nada que não eu
It's not my way
Não me construo de coisas palpáveis
It's almost summer now
Já há mais luz nestes dias
This bed's been made
E quero que a luz incida sobre uma espécie de ordem
Some time ago a figure strolled
Há tempos uma figura percorria
Along the esplanade
Um caminho onde me sentava
Changing in the mist and light
Os contornos esfumavam-se na névoa e na pouca luz
Underneath the green arcades
Na sombra verde dos néons das arcadas
A blurred girl
Uma mancha perfeita
A blurred girl
Difusa e perfeita
Are we running still?
Ainda corremos atrás de nós?
Or are we standing still?
Ou nunca nos chegámos a mover?
Are we running still?
Houve pressa em nos cumprirmos?
Or are we standing still?
Ou houve passos a menos?
Standing so close
Encontrámo-nos
Never quite touching
Mas não fomos um do outro
Standing so close
Mesmo com corpos por cima dos corpos
Never quite touching
As duas peles eram sacos de memórias diferentes
Wounded in sleep again
O sono salga-me as feridas
The sequences move by me
Não faço parte do que vivo
A million miles across the room
Vindo do longe onde tu estás
A tearing sound of smiling
Rasga-me os ouvidos o som de um sorriso
We're fixing distances on maps
Cartografei os dias da ausência
And echo paths in crowds
Há gente a passar por onde ainda ecoam outros passos
The light from other windows
Já há mais luz nestes dias - e mesmo de noite
Falls across me now
Há janelas que entornam luz sobre a ordem de mim que construo
Standing so close
Mesmo com corpos por cima dos corpos
Never quite touching
Não somos um do outro
John Foxx, Metamatic
E pronto. Mais do que pela "poesia", as letras de John Foxx - e de outros, poucos, valores da cold wave - distinguiam-se por este imaginário do isolamento, do frio, da imprecisão humana... Em 77, o moço tinha escrito uma canção chamada "I Want To Be A Machine". Em 79, o Gary Numan perguntava "Are 'Friends' Electric?". Hoje em dia, só o extraordinário Contos do Assento da Sanita parece lembrar-se do que era sonhar com amantes andróides... ou ovelhas eléctricas. Bom fim-de-semana.
Hoje arrefeceu. Tive frio quando voltava do almoço. E lembrei-me de músicas que me arrefeciam e assustavam, antigamente. Havia o Rebel Waltz, dos Clash; o All Roads Lead to Rome, dos Stranglers; o Down in the Park, do Gary Numan... E havia uma, por excelência. A música mais fria e mais bonita do álbum mais gélido de todos os tempos: o Metamatic, do John Foxx, o seu primeiro álbum a solo, em 1980, depois dos Ultravox. Uma dieta de sintetizadores analógicos, caixas de ritmos e um baixo que só se ouve quando é preciso. E a voz, distante e monocórdica, longe do fascínio "bowie-esco" dos primeiros álbuns dos Ultravox.
A primeira cópia em vinil que comprei do Metamatic teve um triste fim: nunca a cheguei a ouvir. Comprei-a em Lisboa e levei-a para Tomar no comboio, num saco que decidi pôr no chão, ao lado do aquecimento... que ia ligado. Resultado: o disco deformou-se com o calor... Mas pouco tempo depois consegui comprar outra, que ainda tenho e ainda ouço.
Neste início de fim-de-semana que se anuncia pouco radioso, dou-vos a ler, na língua de Gervásio Lobato e Sampaio Bruno, não uma pérola mas um iceberg da lírica pop contemporânea. Chama-se "A Blurred Girl" e é linda naquela forma tortuosa em que os dias mais desoladores do Inverno também conseguem ser lindos.
A Blurred Girl
I'm taking nothing
Não levo nada que não eu
It's not my way
Não me construo de coisas palpáveis
It's almost summer now
Já há mais luz nestes dias
This bed's been made
E quero que a luz incida sobre uma espécie de ordem
Some time ago a figure strolled
Há tempos uma figura percorria
Along the esplanade
Um caminho onde me sentava
Changing in the mist and light
Os contornos esfumavam-se na névoa e na pouca luz
Underneath the green arcades
Na sombra verde dos néons das arcadas
A blurred girl
Uma mancha perfeita
A blurred girl
Difusa e perfeita
Are we running still?
Ainda corremos atrás de nós?
Or are we standing still?
Ou nunca nos chegámos a mover?
Are we running still?
Houve pressa em nos cumprirmos?
Or are we standing still?
Ou houve passos a menos?
Standing so close
Encontrámo-nos
Never quite touching
Mas não fomos um do outro
Standing so close
Mesmo com corpos por cima dos corpos
Never quite touching
As duas peles eram sacos de memórias diferentes
Wounded in sleep again
O sono salga-me as feridas
The sequences move by me
Não faço parte do que vivo
A million miles across the room
Vindo do longe onde tu estás
A tearing sound of smiling
Rasga-me os ouvidos o som de um sorriso
We're fixing distances on maps
Cartografei os dias da ausência
And echo paths in crowds
Há gente a passar por onde ainda ecoam outros passos
The light from other windows
Já há mais luz nestes dias - e mesmo de noite
Falls across me now
Há janelas que entornam luz sobre a ordem de mim que construo
Standing so close
Mesmo com corpos por cima dos corpos
Never quite touching
Não somos um do outro
John Foxx, Metamatic
E pronto. Mais do que pela "poesia", as letras de John Foxx - e de outros, poucos, valores da cold wave - distinguiam-se por este imaginário do isolamento, do frio, da imprecisão humana... Em 77, o moço tinha escrito uma canção chamada "I Want To Be A Machine". Em 79, o Gary Numan perguntava "Are 'Friends' Electric?". Hoje em dia, só o extraordinário Contos do Assento da Sanita parece lembrar-se do que era sonhar com amantes andróides... ou ovelhas eléctricas. Bom fim-de-semana.
Arrotos do Porco: