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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


sexta-feira, abril 23, 2004

SEXTA-FEIRA COM SOL E POP...



Laivos de autismo? Talvez. Medo do mundo não devia ser, já que escolhi algo que é quase o oposto. A verdade é que sempre sonhei ser faroleiro. Nem mais. Faroleiro. Podia ser no Farol do Penedo da Saudade, em São Pedro de Moel. Ou no Cabo Sardão. Ou no Finisterra. A minha vida ficava "fechada" ao pé do mar. O meu cuidado evitaria que outros se perdessem. E o tempo e o espaço seriam imensos.

Não sei nadar. Nunca aprendi. Sou do interior. Sou um bocado tanso, porventura. E, ouso afirmá-lo, terei pouca coordenação motora. Não sei nadar mas isso não interessaria nada, num farol. Um faroleiro não é um nadador-salvador, um faroleiro ajuda a que quem anda no mar só regresse a terra quando quiser. Seria faroleiro e o caminho dos outros seria mais fácil, seria o deles, o que quisessem. E o meu seria o meu, uma quase imobilidade encantatória, chapadas de beleza a cada instante e uma liberdade enorme.

Pois. Mas não sou faroleiro. Nunca o serei, certamente. Escolhi outra coisa, de que também gosto muito, e que despeja pessoas e pessoas na minha vida, me obriga a uma mobilidade constante e me deve condenar a qualquer coisa próxima do desenraízamento. Em vez de mostrar caminhos, tenho que os procurar ou, às vezes, tornar-me um caminho. Sou feliz assim, com esta escolha cheia de outros, porque também seria feliz como faroleiro, comigo.

Será talvez por ser feliz que gosto de pop. E de dias de sol. E de dias sem trabalhar. E das pessoas. E de mim - ainda que modestamente.

E, claro, gosto de partilhar com vocês, na língua de António Quadros e Almada Negreiros, algumas pérolas da lírica pop contemporânea. A escolha de hoje não podia ser outra: os Saint Etienne. A Sarah Cracknell é linda. Canta o que é preciso, sem exageros, sem pretensões. Tem uma voz doce e feliz. Escreve bem. A dupla Stanley e Wiggs faz música pop como ninguém - ou melhor, como todos os grandes autores pop fizeram na segunda metade do século XX. E fizeram este monumento de "spoken word" a que chamaram "Finisterre" - canções destas são faróis, para mim.

Finisterre

I loved to draw when I was a little girl
É uma capacidade única da infância
It helped me see the world as I wanted it to be
A de moldarmos o mundo como queremos que ele seja
Sometimes I walk home through a network of car parks
Garante o fascínio de descobrir, quando o percorremos,
Just because i can
Que ele não é como o víamos
I love the feeling of being slightly lost
A surpresa de um espaço novo, sem referências
To find new spaces, new routes, new areas
Outro território organizado por outras vidas
I love the lack of logic
A vitória da organicidade sobre a lógica
I love the feeling of being slightly lost
O frémito de sermos estranhos a um lugar

I believe that music in the long run can straighten out most things
Às vezes falta-nos grandeza de espírito na forma como fazemos as pequenas coisas
There are too many bands that act lame
Os grandes nomes nem sempre valem mais
Sound tame
Que uma mediocridade apaixonada
I believe In Electrelane
Eu acredito na procura pelo novo
Over here it's new, it's now, it's you, it's clean
Em cada dia, em cada coisa, em cada espaço, em cada um
The beard and lipstick scene
Sem necessidade de estéreis movimentos estéticos
So look beyond reality shows, gossip culture,
O espaço grande de uma cidade não se pode submeter a uma sala com televisor
So bored of stupidity
Cansa-me a ideia de "gosto dominante"
The myth of common sense
O senso comum não pode corroer o senso de cada um
I believe in Donovan over Dylan
Acredito que a ligeireza pode tocar mais que uma seriedade depressiva
In love over cynicism
Não é preciso perceber de engenharia para gostar de arquitectura...


Finisterre, to tear it down and start again
Fazer e desfazer, tentativa e erro, acabar e recomeçar
Think about the love back in Finisterre
Quando chegamos a Finisterra a terra não acaba: ela está só atrás de nós outra vez

Five miles north there's a town
Há sempre outros lugares, a Norte ou a Sul
of silver birches
Onde se criaram espaços diferentes dos nossos
Twenty-seven churches
Com mais ou menos passado
A look of horror if you drop a H
A eterna possibilidade de ser estrangeiro
Around here its hoods up and heads down
Haverá menos humanidade numa torre que numa casa térrea?
Got it the wrong way around
Perder-se-á "poesia" quando se condensa em altura o espírito de um burgo medieval?
When things get turned around
Na arte como na função pública: acho que às vezes se confunde mérito com perenidade...
I slow down
Queria ter tempo para voltar a passear devagar
Dream about the notion of the perfect city
Sonhar com a possibilidade de ver nascer uma Milton Keynes
Imagine the 19th century never happened
Eliminar os vestígios de alguns períodos
Just a straight run from Beau Brummell to Bauhaus
Traçar contínuos de modernidade
Dreams never end
Posso sonhar com isso, não posso?
This house believes in skyscrapers
Afinal, o Farol de Alexandria era um arranha-céus...

Finisterre, to tear it down and start again
Em Finisterra não há um fim, há caminhos por refazer
Think about the love back in Finisterre
Gostar do que se tem é o fermento para se gostar da ideia do que se pode fazer

Saint Etienne, Finisterre

E cá está a sugestão para o fim-de-semana. Façam o que gostam de fazer, pensem em maneiras melhores para o fazer, façam-no de novo.


Arrotos do Porco:


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