sexta-feira, abril 30, 2004 |
COMUM SEXTA-FEIRA...
Cá estamos, numa nova sexta-feira. Sexta-feira pré-fim-de-semana, sexta-feira pré-férias para mim. Uma sexta-feira estranha e um bocadinho aziaga, que me empurrou para as obras dos grandes mestres.
Entre os grandes mestres e as grandes obras, há uma que entesouro e da qual já falei por muitas vezes e longamente: "Secrets of the Beehive", do David Sylvian. É daqueles discos a que vou precisando de voltar, é a banda sonora de muitos dias passados, um reencontro com partes de mim que ficaram a viver noutro tempo. Não eram tempos melhores nem piores, eram só outros.
É um bocado estranho: conheço poucos discos mais melancólicos (ninguém canta "let the hapinness in" com o mesmo ar de desespero contido...) mas talvez nenhum outro me anime tanto. Não é uma questão de me comprazer com o sofrimento alheio, longe disso. É uma questão de "respiração", de tempo, de economia de meios, da gestão do silêncio. É um disco que me retempera - e é disso que eu preciso, nesta semana que se avizinha, preciso de me retemperar.
É uma responsabilidade do caraças, portanto, dar-vos a ler, na língua de Maria Teresa Horta e Orlando Ribeiro, uma pérola, uma preciosíssima pérola da lírica pop contemporânea chamada "Waterfront" - a música que encerra o álbum e nos deixa sem vontade de ouvir outra coisa.
Waterfront
On the banks of a sunset beach
qual foi o mais bonito? Tavira? Carvalhal? Barcelona? Dili?
Messages scratched in sand
devia escrever a classificação de cada pôr-do-sol na areia
Beneath a roaming home of stars
numa memória tão fugaz como o momento em que as estrelas fazem sentido
Young boys try their hand
meio-dia de validade até ser esmagada pelos pés de crianças a quem os pais prometem tareia
A spanish harbouring of sorts
ao pé do mar há sítios onde aportam almas do mesmo calibre
In Catalonian bars
não importa qual o mar, importa a reverência
They were pulled from a sinking ship
qualquer vastidão é propícia a uma ou outra forma de naufrágio
And saved for last
em qualquer espaço, mesmo acanhado, queremos ser salvos
On the waterfront the rain
cala-nos o mar - como nos cala a cidade
Is pouring in my heart
mas o que calamos ao pé do mar ganha humidade e verdete
Here the memories come in waves
até que cada onda venha por dizer
Raking in the lost and found of years
e o passado se encripte em água e sal
And though I'd like to laugh
depois rimos - do código, mais que do conteúdo
At all the things that led me on
os motivos, quaisquer motivos, fazem-se areia
Somehow the stigma still remains
mas os seus espectros têm peso de âncoras
Watch the train steam full ahead
pode-se escolher a partida na mais veloz das vertigens
As it takes the bend
sem pensar se o caminho é limpo ou tem escolhos
Empty carriages lose their tracks
é legítima a vontade de largar o peso e subir
And tumble to their end
subir ou partir ou fugir mas sem o passado nos olhos
So the world shrinks drop by drop
só que o mundo apouca-se e encolhe a cada passo
As the wine goes to your head
sem olhar ao teor de açúcar dos anseios
Swollen angels point and laugh
há um dia, tarde ou cedo, que relembra todos os outros dias
"This time your god is dead"
os dias todos, os mais belos e os mais feios
On the waterfront the rain
ao pé do mar não há lugar para vidas estanques
Is pouring in my heart
nem para ilusões de impermeabilidade
Here the memories come in waves
há um exacto livro de razão
Raking in the lost and found of years
com uma coluna facultativa para o que "devia ter havido"
And though I'd like to laugh
há risos, sim, mas nem sempre despreocupados
At all the things that led me on
algumas gargalhadas têm sal à mistura
Somehow the stigma still remains
ao pé do mar há o peso todo de uma fronteira entre nós e a grandeza
Is our love strong enough?
nunca algo é suficiente se não soubermos para que o queremos
David Sylvian, Secrets of the Beehive
Percebem? Esta tradução é um exercício de coerência. Compreendem a mossa na minha auto-estima: um gajo anuncia o Verão e apanha com uma soturna sexta-feira nas trombas... O que é que eu ia fazer? Pedir desculpa? Dizer que me enganei? NÃO! Exorto-vos a rumarem à praia, ainda com roupa de meia-estação mas com o Verão no espírito.
Bom fim-de-semana. Boa semana. Vou de férias. Para o interior.
Cá estamos, numa nova sexta-feira. Sexta-feira pré-fim-de-semana, sexta-feira pré-férias para mim. Uma sexta-feira estranha e um bocadinho aziaga, que me empurrou para as obras dos grandes mestres.
Entre os grandes mestres e as grandes obras, há uma que entesouro e da qual já falei por muitas vezes e longamente: "Secrets of the Beehive", do David Sylvian. É daqueles discos a que vou precisando de voltar, é a banda sonora de muitos dias passados, um reencontro com partes de mim que ficaram a viver noutro tempo. Não eram tempos melhores nem piores, eram só outros.
É um bocado estranho: conheço poucos discos mais melancólicos (ninguém canta "let the hapinness in" com o mesmo ar de desespero contido...) mas talvez nenhum outro me anime tanto. Não é uma questão de me comprazer com o sofrimento alheio, longe disso. É uma questão de "respiração", de tempo, de economia de meios, da gestão do silêncio. É um disco que me retempera - e é disso que eu preciso, nesta semana que se avizinha, preciso de me retemperar.
É uma responsabilidade do caraças, portanto, dar-vos a ler, na língua de Maria Teresa Horta e Orlando Ribeiro, uma pérola, uma preciosíssima pérola da lírica pop contemporânea chamada "Waterfront" - a música que encerra o álbum e nos deixa sem vontade de ouvir outra coisa.
Waterfront
On the banks of a sunset beach
qual foi o mais bonito? Tavira? Carvalhal? Barcelona? Dili?
Messages scratched in sand
devia escrever a classificação de cada pôr-do-sol na areia
Beneath a roaming home of stars
numa memória tão fugaz como o momento em que as estrelas fazem sentido
Young boys try their hand
meio-dia de validade até ser esmagada pelos pés de crianças a quem os pais prometem tareia
A spanish harbouring of sorts
ao pé do mar há sítios onde aportam almas do mesmo calibre
In Catalonian bars
não importa qual o mar, importa a reverência
They were pulled from a sinking ship
qualquer vastidão é propícia a uma ou outra forma de naufrágio
And saved for last
em qualquer espaço, mesmo acanhado, queremos ser salvos
On the waterfront the rain
cala-nos o mar - como nos cala a cidade
Is pouring in my heart
mas o que calamos ao pé do mar ganha humidade e verdete
Here the memories come in waves
até que cada onda venha por dizer
Raking in the lost and found of years
e o passado se encripte em água e sal
And though I'd like to laugh
depois rimos - do código, mais que do conteúdo
At all the things that led me on
os motivos, quaisquer motivos, fazem-se areia
Somehow the stigma still remains
mas os seus espectros têm peso de âncoras
Watch the train steam full ahead
pode-se escolher a partida na mais veloz das vertigens
As it takes the bend
sem pensar se o caminho é limpo ou tem escolhos
Empty carriages lose their tracks
é legítima a vontade de largar o peso e subir
And tumble to their end
subir ou partir ou fugir mas sem o passado nos olhos
So the world shrinks drop by drop
só que o mundo apouca-se e encolhe a cada passo
As the wine goes to your head
sem olhar ao teor de açúcar dos anseios
Swollen angels point and laugh
há um dia, tarde ou cedo, que relembra todos os outros dias
"This time your god is dead"
os dias todos, os mais belos e os mais feios
On the waterfront the rain
ao pé do mar não há lugar para vidas estanques
Is pouring in my heart
nem para ilusões de impermeabilidade
Here the memories come in waves
há um exacto livro de razão
Raking in the lost and found of years
com uma coluna facultativa para o que "devia ter havido"
And though I'd like to laugh
há risos, sim, mas nem sempre despreocupados
At all the things that led me on
algumas gargalhadas têm sal à mistura
Somehow the stigma still remains
ao pé do mar há o peso todo de uma fronteira entre nós e a grandeza
Is our love strong enough?
nunca algo é suficiente se não soubermos para que o queremos
David Sylvian, Secrets of the Beehive
Percebem? Esta tradução é um exercício de coerência. Compreendem a mossa na minha auto-estima: um gajo anuncia o Verão e apanha com uma soturna sexta-feira nas trombas... O que é que eu ia fazer? Pedir desculpa? Dizer que me enganei? NÃO! Exorto-vos a rumarem à praia, ainda com roupa de meia-estação mas com o Verão no espírito.
Bom fim-de-semana. Boa semana. Vou de férias. Para o interior.
Arrotos do Porco: