quarta-feira, março 24, 2004 |
O ENTERTAINER, parte III
Uma produção modesta... à imagem do autor.
- FODA-SE! Vocês são um público difícil, caralho! Parece que não acham piada a nada...
Solto a cadelinha de peluche da cintura e lanço-a para a audiência. As velhinhas esgadanham-se a ver quem a agarra. Mal elas sabem que a produção teve o cuidado de espalhar mayonnaise pela zona do baixo ventre da bicha...
- Bom. Estimado público, espero que isto não esteja a ser demasiado intenso para vocês. Acedi a este convite do INATEL com o maior prazer. Sempre achei que a velhice não tem que ser sinónimo de tristeza. Claro que vocês sofrem na pele e sabem que existem todas as razões do mundo para se sentirem tristes. Mas se conseguirem conformar-se com esse cenário negro, podem abraçar uma semi-existência de felicidade medíocre. Foi isso que tentei explicar à minha avó, para a qual compus esta canção, com a qual sei que muitos de vós se vão identificar. Chama-se “Incontinência” e estou a contar com as vossas palminhas no refrão!
“Rir
Rir! (gritam as bailarinas em coro, vestidas com o mesmo body e fraldões)
Tossir
Cof Cof (coro)
Espirrar
Atchum (coro)
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping (coro, vivace, o último ping coincide com a primeira nota do próximo verso)
Se o mau cheiro queres evitar
Então o fraldão tu vais ter que usar
A Ausonia pode ajudar
E uma amostra grátis te enviaaaar
Ping Ping Ping Ping
Se com os teus netos queres brincar
Pegar-lhes ao colo sem urinar
Se queres dormir sem a cama molhar
Ou pões o fraldão ou vais-te operaaaaaaar
Ping Ping Ping Ping
Rir
Rir!
Tossir
Cof Cof
Espirrar
Atchum
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping
Vamos lá outra vez!!
Rir
Rir!
Tossir
Cof Cof
Espirrar
Atchum
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping
(ponte calma e melódica)
Longe vão os tempos em que te sabias controla-aar
O fluxo urinário é algo que não consegues domina-aaaar
São tantos os problemas que já tens que enfrenta-aaar
E a incontinência é só mais um p’ra atrapalha-aaaar
Rir
Rir!
Tossir
Cof Cof
Espirrar
Atchum
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping
(falso refrão do coro)
Tens problemas na coronária
E incontinência urinária
Tens as mãos com urticária
E incontinência urinária
Rir
Rir!
Tossir
Cof Cof
Espirrar
Atchum
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Fschhhhhhhh!!!!!!!
- Então, gostaram? Já vos vejo mais animaditos... Aquela senhora ali ao fundo é que está muito corada! Não me diga que de tanto bater palminhas não se conseguiu segurar, ih ih ih ih! Bom. Mas por mais que queiram mijar, isto não pode parar! Isto é ALTA DESBUNDA COM VARETA FUNDA!!! Agora um momento romântico. Os senhores podem dançar com as senhoras, mas poupem-me àquele espectáculo deprimente de duas senhoras a dançar juntas. Este é um slow, bem bonito, bem terno, bem carinhoso. Escrevi-o para vocês e chama-se “Amor no Outono da Vida”. E tenho uma surpresa na manga!!! Uma convidada muito especial! Vamos lá a isto, então...
“Foi no Centro de Dia que te conheci
Vias a reposição do Levanta-te e Ri
Esqueci o galão e o pão com manteiga
Só queria olhar a tua face tão meiga
Perguntei aos outros se sabiam quem eras
Só sabiam que tinhas oitenta primaveras
E lá estavas sentada co’as mãos no regaço
Pus um copo nas calças a fingir um chumaço
(refrão)
Dirigi-me a ti, não sei o que me deu
Sem sangue no membro que há muito morreu
Vem sentar-te à lareira, disse eu
(entra Cristina Caras Lindas, que entoa a última frase do refrão)
“Só se empurrares a cadeira, Romeu”
(parte de spoken word, cortesia Cristina...)
O Outono da Vida. Os anos do fim de pessoas que deram tudo pelos outros. Pessoas. Velhinhos. Reformados do Regime Geral. Lares. Centros de Dia. Depósitos de pessoas. Pessoas que têm muito para dar. Sonhos. Esperanças. Uma vida inteira para contar. O momento bonito em que duas solidões... er... solidãos?... er... O momento bonito em que duas pessoas sozinhas se encontram. Se juntam. Se gostam. Duas histórias de vida que se entroncam. Num só caminho. Numa só vida. A dois. Um sentimento sem idade. Duas pessoas. Juntas. Felizes. Apesar de tudo. Apesar dos anos. Pessoas. Gente bonita e interessante. Como vocês...
Foi ao pé da lareira que eu te beijei
Não foi fácil, eu sei, e até corei
A trombose deixou-me com a boca franzida
Mas encontrei o amor no Outono da vidaaa...
Dirigi-me a ti, não sei o que me deu
Sem sangue no membro que há muito morreu
Empurrar a cadeira não é dificuldade
Estás a mexer num copo, essa é que é a verdade
Dirigi-me a ti, não sei o que me deu
Sem sangue no membro que há muito morreu
(e entra a Cristina)
“Ainda bem que tens força p’ra empurrar a cadeira
Mas o teste final é o da arrastadeira”
(a duas vozes, para o final glorioso)
Boca franzida
Perna tolhida
Centro de dia
Paraplegia
Incontinência
Triste impotência
A saúde fodida
No Outono da Viiiiiiiiidaaaaaaaa
Dirigi-me a ti, não sei o que me deu
Sem sangue no membro que há muito morreu
Mas não vale chorar pela força perdida
Encontrámos amor no Outono da Viiiiii-i-daaa”
- Obrigado! Obrigado! O vosso aplauso para Cristina Caras Lindas... Já chega, pronto! O espectáculo é meu! Vai-te lá embora, ó vaca leiteira!
As bailarinas agarram na Cristina Caras Lindas de cera – sim, ou pensavam que era verdadeira? Eu é que fazia a voz dela, em falsete. – e levam-na para fora do palco.
- Então? Gostaram? Parece-me que vejo uma senhora a chorar, ali ao fundo... Diga lá, minha senhora. Isso são lágrimas? Ou cataratas? Ou rinite?
(continua)
Uma produção modesta... à imagem do autor.
- FODA-SE! Vocês são um público difícil, caralho! Parece que não acham piada a nada...
Solto a cadelinha de peluche da cintura e lanço-a para a audiência. As velhinhas esgadanham-se a ver quem a agarra. Mal elas sabem que a produção teve o cuidado de espalhar mayonnaise pela zona do baixo ventre da bicha...
- Bom. Estimado público, espero que isto não esteja a ser demasiado intenso para vocês. Acedi a este convite do INATEL com o maior prazer. Sempre achei que a velhice não tem que ser sinónimo de tristeza. Claro que vocês sofrem na pele e sabem que existem todas as razões do mundo para se sentirem tristes. Mas se conseguirem conformar-se com esse cenário negro, podem abraçar uma semi-existência de felicidade medíocre. Foi isso que tentei explicar à minha avó, para a qual compus esta canção, com a qual sei que muitos de vós se vão identificar. Chama-se “Incontinência” e estou a contar com as vossas palminhas no refrão!
“Rir
Rir! (gritam as bailarinas em coro, vestidas com o mesmo body e fraldões)
Tossir
Cof Cof (coro)
Espirrar
Atchum (coro)
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping (coro, vivace, o último ping coincide com a primeira nota do próximo verso)
Se o mau cheiro queres evitar
Então o fraldão tu vais ter que usar
A Ausonia pode ajudar
E uma amostra grátis te enviaaaar
Ping Ping Ping Ping
Se com os teus netos queres brincar
Pegar-lhes ao colo sem urinar
Se queres dormir sem a cama molhar
Ou pões o fraldão ou vais-te operaaaaaaar
Ping Ping Ping Ping
Rir
Rir!
Tossir
Cof Cof
Espirrar
Atchum
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping
Vamos lá outra vez!!
Rir
Rir!
Tossir
Cof Cof
Espirrar
Atchum
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping
(ponte calma e melódica)
Longe vão os tempos em que te sabias controla-aar
O fluxo urinário é algo que não consegues domina-aaaar
São tantos os problemas que já tens que enfrenta-aaar
E a incontinência é só mais um p’ra atrapalha-aaaar
Rir
Rir!
Tossir
Cof Cof
Espirrar
Atchum
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping Ping
(falso refrão do coro)
Tens problemas na coronária
E incontinência urinária
Tens as mãos com urticária
E incontinência urinária
Rir
Rir!
Tossir
Cof Cof
Espirrar
Atchum
Brincaaaaaaaaar
Tudo isto é motivo p’rá urina se entornar
Fschhhhhhhh!!!!!!!
- Então, gostaram? Já vos vejo mais animaditos... Aquela senhora ali ao fundo é que está muito corada! Não me diga que de tanto bater palminhas não se conseguiu segurar, ih ih ih ih! Bom. Mas por mais que queiram mijar, isto não pode parar! Isto é ALTA DESBUNDA COM VARETA FUNDA!!! Agora um momento romântico. Os senhores podem dançar com as senhoras, mas poupem-me àquele espectáculo deprimente de duas senhoras a dançar juntas. Este é um slow, bem bonito, bem terno, bem carinhoso. Escrevi-o para vocês e chama-se “Amor no Outono da Vida”. E tenho uma surpresa na manga!!! Uma convidada muito especial! Vamos lá a isto, então...
“Foi no Centro de Dia que te conheci
Vias a reposição do Levanta-te e Ri
Esqueci o galão e o pão com manteiga
Só queria olhar a tua face tão meiga
Perguntei aos outros se sabiam quem eras
Só sabiam que tinhas oitenta primaveras
E lá estavas sentada co’as mãos no regaço
Pus um copo nas calças a fingir um chumaço
(refrão)
Dirigi-me a ti, não sei o que me deu
Sem sangue no membro que há muito morreu
Vem sentar-te à lareira, disse eu
(entra Cristina Caras Lindas, que entoa a última frase do refrão)
“Só se empurrares a cadeira, Romeu”
(parte de spoken word, cortesia Cristina...)
O Outono da Vida. Os anos do fim de pessoas que deram tudo pelos outros. Pessoas. Velhinhos. Reformados do Regime Geral. Lares. Centros de Dia. Depósitos de pessoas. Pessoas que têm muito para dar. Sonhos. Esperanças. Uma vida inteira para contar. O momento bonito em que duas solidões... er... solidãos?... er... O momento bonito em que duas pessoas sozinhas se encontram. Se juntam. Se gostam. Duas histórias de vida que se entroncam. Num só caminho. Numa só vida. A dois. Um sentimento sem idade. Duas pessoas. Juntas. Felizes. Apesar de tudo. Apesar dos anos. Pessoas. Gente bonita e interessante. Como vocês...
Foi ao pé da lareira que eu te beijei
Não foi fácil, eu sei, e até corei
A trombose deixou-me com a boca franzida
Mas encontrei o amor no Outono da vidaaa...
Dirigi-me a ti, não sei o que me deu
Sem sangue no membro que há muito morreu
Empurrar a cadeira não é dificuldade
Estás a mexer num copo, essa é que é a verdade
Dirigi-me a ti, não sei o que me deu
Sem sangue no membro que há muito morreu
(e entra a Cristina)
“Ainda bem que tens força p’ra empurrar a cadeira
Mas o teste final é o da arrastadeira”
(a duas vozes, para o final glorioso)
Boca franzida
Perna tolhida
Centro de dia
Paraplegia
Incontinência
Triste impotência
A saúde fodida
No Outono da Viiiiiiiiidaaaaaaaa
Dirigi-me a ti, não sei o que me deu
Sem sangue no membro que há muito morreu
Mas não vale chorar pela força perdida
Encontrámos amor no Outono da Viiiiii-i-daaa”
- Obrigado! Obrigado! O vosso aplauso para Cristina Caras Lindas... Já chega, pronto! O espectáculo é meu! Vai-te lá embora, ó vaca leiteira!
As bailarinas agarram na Cristina Caras Lindas de cera – sim, ou pensavam que era verdadeira? Eu é que fazia a voz dela, em falsete. – e levam-na para fora do palco.
- Então? Gostaram? Parece-me que vejo uma senhora a chorar, ali ao fundo... Diga lá, minha senhora. Isso são lágrimas? Ou cataratas? Ou rinite?
(continua)
Arrotos do Porco: