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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


terça-feira, março 23, 2004

O ENTERTAINER, parte II



- Bom. Vamos lá continuar com isto.

Uma das bailarinas limpa-me o rosto com uma pequena toalha de algodão turco. Dou-lhe uma sonora palmada no traseiro e agradeço-lhe:

- Obrigado, minha linda. Devias aproveitar para limpar a baba aos gajos da audiência... Ao menos com estes estás a vontade, que já sabes que aquilo não dá nada. Por falar nisso, deixem-me contar-vos uma piada muita gira. Sabem o que é pode acontecer de mais parecido com uma erecção a um tipo com mais de sessenta anos? Não? Uma cãibra! E sabem porquê? É a única hipótese que têm de um músculo ficar duro!! Ah ah ah ah! Obrigado, obrigado... Eu sabia que iam gostar. Também há quem faça a mesma piada com trombose, mas acho que é de mau gosto, não é? Bom... O espectáculo não pode parar porque isto é ALTA DESBUNDA COM VARETA FUNDA!!

Toco uma série de acordes dissonantes e gemo e grunho por cima.

- UAU! Ray Charles on acid!! O Ray Charles já era ceguinho quando eu nasci. Sim, vou-vos falar da minha infância. Vocês já não se lembram da vossa, pois não? Pode ser que as memórias da minha vos enterneçam. Eu podia ser cínico e dizer que nasci numa família muito pobre, que ia descalço para a escola, que dividia uma sardinha ao almoço com a minha irmã e que os pais me obrigaram a deixar de estudar para os ajudar no campo. Era fácil, não era? Copiava umas coisas do Soeiro Pereira Gomes e punha-vos a chorar e a atirar moedas para o palco. MAS NÃO! Vou-vos falar da minha infância próspera e estragada com mimo. Ouçam bem esta canção, que compus para vocês e a que chamei “Aprende comigo, ó pobrezinho”.

“Usas as roupas que eram do teu irmão
Não tens brinquedos, só jogas ao pião
Não tens conduto p’ra acompanhar o pão
Tu és pobre e eu não

Que queres que te diga o mundo é mesmo assim
Por mais que tu faças tens inveja de mim
Tu não tomas banho eu lavo-me em jasmim
Tu és pobre até ao fim

Meto-te nojo e achas injusto
Consigo tudo sem qualquer custo
Alimento-me bem, sou forte e robusto
Tu és seco como um arbuuuuuu-sto

Aprende comigo, ó pobrezinho
Se queres uma gaja no teu ninho
Tens que ter no bolso o dinheiriiiiiiii-nhooooo

Aprende comigo, ó pobrezinho
Enquanto fores pobre estás sozinho
Eu fico com a rosa e tu com o espiiiiii-nhoooo

Saíste da escola e não tens instrução
És assalariado, eu nasci p’ra patrão
Eu bebo champanhe, tu bebes carrascão
Tu és pobre e eu não

Eu tenho o dinheiro que tu querias ter
Tu matas o corpo eu acumulo poder
No fim do mês há juros a vencer
Tu és pobre até morrer

Aprende comigo, ó pobrezinho
Se queres uma gaja no teu ninho
Não basta ofereceres muito cariiiiii-nhoooooo

(Desvario instrumental. Aparece uma bailarina vestida de “pobrezinho” e as outras escarnecem dela enquanto gritam “Adeus pobrezinho/Segue o teu caminho/P’ra sempre sozinho/Adeus pobrezinho” até que voltamos ao refrão)

Aprende comigo, ó pobrezinho
Enquanto fores pobre estás sozinho
Só tens uma mão por buraquiiiiiiii-nhoooo

Aprende comigo, ó pobrezinho
Não há volta a dar neste caminho
Eu fico com a rosa e tu com o espiiiiiiii-nhoooooo

- Então?! Altamente, não? O que eu atazanava a cabeça aos filhos da criadagem com esta canção... Bons tempos! Mas mesmo sendo rico e bem nascido, eu carregava em mim uma semente de revolta. Uma revolta cuidadosamente medida: apenas o suficiente para poder viver dos rendimentos, por um lado, e cultivar um ar gauché e artístico, por outro. Essa revolta eclodiu aos meus 12 anos, num chá que a mãe tinha organizado lá em casa para as amigas. Pediram-me para cantar e eu apresentei o meu número: “Queridas senhoras”, sim, porque eram senhoras, não eram umas pelintrosas como vocês; “Queridas senhoras, vou interpretar uma canção da minha autoria a que chamei O Glorioso Mundo Animal”. Era assim, a canção...

(as bailarinas sentam-se à minha volta, no chão, preparando-se para esta balada psicadélica)

“Os meus cãezinhos ternurentos
Fazem muita companhia
Nos bons e nos maus momentos
Quer de noite quer de dia

O meu cão é o Tobias
A cadela é a Béquinhas
Sempre em grandes tropelias
E eu a fazer-lhes festinhas

Estes meus dois amiguinhos
Nem precisam de falar
Basta ver os seus olhinhos
Sempre por mim a chamar

Eles brincam os dois juntos
Brincam comigo também
Eu desfio-lhes os presuntos
Das galinhas da minha mãe

(começo a atacar uns acordes menores, mais negros e mais tensos)

Mas nem tudo vai bem neste mundo animal
Eles querem fazer o que faz um casal
O Tobias exibe o órgão sexual
E a Béquinhas vai ficar prenhe com o líquido seminaaaaaaaa-aaaaal

(e ataco o refrão doce e retemperador..)
Tal como o meu pai e a minha mãe
Os cães querem brincar e foder também
O glorioso mundo animal
Também é regido pela pulsão sexual
Nada nos meus cães é inocente
Só querem foder, como toda a gente
Nunca pensei que isto fosse assim
Tenho que ter uma cadela para mim

Muito me perturba esta descoberta
Anda cá Béquinhas não armes em esperta
Assim como assim até já estás aberta

(levanto-me do piano, entra um playback instrumental, e começo a perseguir uma das bailarinas que vai fugindo de mim, de gatas, ganindo. Apanho-a, simulo que a tomo por trás, ela uiva e eu arfo. As outras bailarinas vão-se envolvendo em carícias e cantando “Também no glorioso mundo animal/O orgasmo é o momento fundamental”. E é isso mesmo, o orgasmo, que eu e a bailarina fingimos, gritando assustadoramente. As luzes apagam-se. Silêncio, por uns momentos. As luzes acendem-se e eu tenho uma cadelinha de peluche amarrada à cintura.)

- FODA-SE! Vocês são um público difícil, caralho! Parece que não acham piada a nada...

(continua)


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