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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


terça-feira, março 16, 2004

HE AIN'T HEAVY, HE'S MY BROTHER



O meu irmão mais velho tinha 14 anos quando eu nasci. 14 anos! Já era muito grande. Era uma espécie de entidade intermédia entre o meu outro irmão e os meus pais. Deu para perceber desde pequeno que era "naquilo" que as crianças se tornavam quando cresciam: pessoas com uma vontade própria que lutavam para conseguir o que queriam.

Enquanto eu ía crescendo, ele ía estando obrigatoriamente menos presente. Mas estava lá. E era muito importante tê-lo lá. Lembro-me de algumas coisas. Melhor: lembro-me de muitas, mas só vou falar de algumas.

Lembro-me do fascínio pelos discos dele. Por causa disso, aos 4 anos eu era o fã mais empedernido dos Kiss. A minha aspiração era ser o baterista dos Kiss e sarrazinava a paciência da minha mãe improvisando baterias com talheres e tampas de Tofina. Por causa disso, quando o meu pai um dia, aí pelos meus 6 anos, me perguntou se eu queria ouvir algum disco, eu fui logo escolher o "New Golddream" dos Simple Minds, deixando para trás os singles da Amália com que o meu pai me acenava.

Lembro-me de algumas namoradas dele. A Lena, que uma vez foi lá a casa. A Teresa, que estava uma vez na esplanada d'A Severa - creio que foi a primeira vez que me sentei num café. A Geni, que foi comigo e com ele comprar livros escolares à Raíz. E a mulher dele. A minha cunhada. A minha "irmã-de-lei", traduzindo o estrangeirismo, que é muito mais do que de lei. Lembro-me da primeira vez que ela foi lá a casa. Foi em Maio e chuviscava. A minha mãe disse-lhe que "a chuva de Maio faz as raparigas bonitas" e eu retorqui "então esperemos que não haja seca". E ela riu-se. Eu era muito novo, ainda. 10, 11 anos, se não me engano. E ela riu-se. Fiquei feliz por isso, por conseguir fazer rir os adultos (e se calhar a culpa é dela, de eu achar que tenho piada...).

Lembro-me dos postais de aniversário delirantes que ele me escrevia. Lembro-me que me ofereceu os Diários de Adrian Mole. Lembro-me que me oferceu o "Secrets of the Beehive" do David Sylvian - conseguem imaginar a importância disto? Aí pelos meus 13 anos eu ficava proprietário de um disco magnífico, que me terá marcado mais que nenhum outro. Lembro-me que me ofereceu o meu primeiro perfume.

Ajudou-me com um projecto de "jornal de turma", no meu 7º ano, que nunca chegou a surgir. Escreve como pouca gente que eu conheça. Mostrava-lhe alguns dos meus contos e ele fazia notas à margem. Tinha paciência para isso. E tinha e tem paciência para me ouvir falar de discos - é um daqueles temas em que, admito, consigo ser muito maçador.

Como se tudo isto não bastasse, ele é o pai dos meus sobrinhos. Ser tio foi das coisas mais preciosas que me aconteceu. Fez-me perceber que o tempo não acabava em mim (é uma tentação, quando se é o mais novo da família) e que todos os sacrifícios valem a pena quando são em favor daqueles que vivem a seguir e que são "nossos".

O meu irmão faz hoje anos. Não quero tornar este blog num placard de mensagens de aniversário, mas esta é uma dívida que há muito clamava por promissória - uma promissória que só poderá dizer que esta dívida não há como pagar (e nem isso é requerido). Enquanto criança, eu pude ver de perto como se passava da adolescência à idade adulta, como se ganhavam e honravam as responsabilidades. Sem ter deixado de ser uma criança (quase) normal e feliz, sempre tive um bocado da idade dos meus irmãos. Estes vislumbres do futuro não tinham preço. Obrigado. Parabéns.

Arrotos do Porco:


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