sexta-feira, fevereiro 27, 2004 |
De orelhas em pé - XI
Esperneou a oposição quando soube que o admirável Santana Lopes beneficiava de uma mordomia reservada às grandes figuras de Estado - a protecção policial a expensas do erário público. Esperneou, não porque se sinta ofendida com a aparente ilegitimidade da medida, mas porque é adepta da táctica da rasteira, do empurrão pelas costas, da cotovelada na costela, muito à imagem do futebol que temos (já vão ver porque falo de futebol...). À falta de argumentos que mobilizem o povo num projecto de união nacional que arranque o país dos braços da depressão medicada em que está enterrado, atacam-se as figuras, procuram-se os podres, diz-se, no fundo, "olhai, eles ainda são piores que nós".
O improvável edil declara gravemente que há coisas com que não se brinca, que há ameaças à integridade física, filhos que convém defender. E, pasme-se, evoca a memória. A memória de um Primeiro-Ministro morto num acidente de aviação com causas ainda não definitivamente explicadas, no que constitui uma das maiores vergonhas da República Portuguesa.
Dando de barato a insinuação imprudente de uma figura política num campo que não lhe diz respeito - o da Justiça - gostaria de, aqui, complementar a memória que agora evoca o rapaz, acrescentando-lhe uns episódios. Gostava de lhe lembrar as duas vezes que prometeu deixar a política e não cumpriu. E gostava, sobretudo, de lembrar-lhe que quando foi presidente do meu clube usou o mesmo expediente das ameaças de morte. Chegou até a convocar uma conferência de imprensa para exibir as provas de tais ameaças - que mais não eram do que a publicidade a um livro ("Cuidado com os Rapazes", Alface) que lhe foi colocada na caixa de correio. A memória é uma coisa lixada.
Tem toda a razão Santana Lopes quando diz que há coisas demasiado sérias para que se brinque com elas. Mas, a menos que ele seja um caso singular no meio das figuras públicas portuguesas, sendo o único ameaçado de morte, podia começar por guardar algum recato quanto às matérias que lhe não parecem adequadas a brincadeiras. Isto, claro, supondo que quem tenha alguma memória ainda o leve a sério.
Arrotos do Porco: