quinta-feira, janeiro 15, 2004 |
VAMOS JOGAR AO SCRAPIE?
Um texto dramático em um acto para três ovelhas e um carneiro, de Vareta Funda
CENA 1
Três ovelhas em descanso, num pasto, conversam enquanto debicam uma ervita ou outra
Clara – Mééeee?
Cynthia – Mééeee.
Suzele – ‘Bora lá!
CENA 2
Três ovelhas em descanso, num outro local do mesmo pasto mas com mais sombra, conversam enquanto debicam uma ervita ou outra
Cynthia - ...só vos digo que já me passou pela cabeça. É qu’isto tam’ém não é vida. Andar para aqui e para ali, ordenha, ordenha, ordenha, cresce lã, corta lã, lá vamos ao carneiro uma vez por outra... Não, eu não nasci p’ra isto. Lembro-me como se fosse hoje da minha mãezinha me dizer: “Cynthia, filha, tu és do Sr. Alberto, mas se isto der uma volta o teu futuro ainda poderá vir a estar nas tuas patas.”
Suzele – Eu cá num sei. Eu cá descunfio sempre. Mais bale...
Clara e Cynthia – Mééeee.... Hi hi hi!
Suzele – E lá estão bocês a guzarem cumigo! E pronto! Já num digo mai nada!
Clara – Também dizes sempre o mesmo... “Eu cá num me meto nissu! Eu cá prefiro estar do meu cãotinho!”. Que diabo, Suzele! Tens cinco anos, já não estás na flor da idade! Nem todas temos a sorte de ser como a Dolly e ficarmos famosas à nascença. Se não arriscarmos agora...
Suzele – Quem bos oubisse!... Bejam lá as senhoras dâutoras, parece que já são algúeim! Nunca biram mais nada senão esta quinta! Eu ó menos bim...
Cynthia – Sim, já sabemos, foste comprada na Ovibeja. E depois?... Vais ficar eternamente à sombra desse momento de glória? Lembras-te da Marisa? A tia dela também teve os seus quinze minutos de fama quando apareceu no autocolante da Ovibeja de 97. E onde é que elas estão agora, uma e outra?
Clara (cantarolando) – “No bandulho do Alberto/É o que tens de mais certo/Em costeleta ou ensopado/O teu futuro é cozinhado”...
Cynthia – Disfarça que vem aí o Orlando... Mééeee.
Clara e Suzele – Mééeee.
CENA 3
Três ovelhas em descanso, no mesmo local, conversam enquanto debicam uma ervita ou outra. Entretanto aproxima-se Orlando, o carneiro. As ovelhinhas ajeitam-se e exibem o ventre. A cada fala, o actor chega-se à boca do palco e depois recua, na melhor tradição do Parque Mayer. Se for fisicamente possível às ovelhas, sugere-se que façam manguitos.
Orlando – E então, people? Vai uma?
Clara – Deves estar, deves...
Orlando – ‘Tar até ‘tou. Cheio de tesão, ó, queres ver?
Cynthia – Deves de ‘tar é chei’da sorte, se pensas que levas daqui alguma coisa.
Orlando – Iá. Não levo nem trago, môr. Já sabes que p’ra ti é sempre à borliú, eh eh eh! (se o povo ainda é povo, deve rir aqui:____)
Suzele – Ó filhas, bamos-lhe cantar a canção da minha terra?!
(As luzes incidem apenas sobre as ovelhas e segue-se um bonito quadro musical...)
Clara, Cynthia e Suzele (cantando) –
Ó carneiro arremelgado
Tu aqui não te governas
Queres-nos ver de ventre inchado?
Vai c’o Portas p’rás casernas! (que diabo, é revista! tem que ter uma boca política, básica, de preferência)
Tu tens fraco material
E o mais certo é qualquer dia
Apareceres no jornal
A falar da Casa Pia (também se percebe, ou não?... hum? uma piada circunstancial?...)
Lá por te chamares Orlando
E cheirares a coentro
Achas que é só ir entrando
Pelas ovelhas adentro (e a carga lúbrica, senhores? que seria da revista sem a carga lúbrica?)
Vê se te pões nas canetas
Nem te queremos ver por perto
Guardamos as nossas tetas
P’rás maõzinhas do Alberto
Orlando – Iá, people. É como quiserem. Mais tarde ou mais cedo hão-de cá vir parar, eh eh eh. (Orlando fica cinco segundos com um sorriso estúpido no focinho, faz “eh eh eh” outra vez, vê que não tem resposta e sai de cena).
CENA 4
Três ovelhas em descanso, no mesmo local, conversam enquanto debicam uma ervita ou outra
Cynthia – Estou farta disto. Já é altura das ovelhas combaterem os estereótipos de animal pacato e estúpido, que dá leite e lã e carne... E o espírito? Quem é que nos aprecia pelo espírito?
Suzele – Olhó Orlando, esse é que num nus aprecia por o espírito! Fuôsga-se! Quando me lembro da primeira bez... Chiça! Mas no fim até gustei...
Clara – Olham para nós e só vêem camisolas, cachecóis, queijo da serra... E ainda fazem anúncios a gozar connosco, como se ficássemos umas loucas quando chupamos rebuçados de mentol... Eu cá bem sei o que é que lhes chupava!
Cynthia – Ó Clara, que horror! Não me digas que és dessas?!
Clara – Era o tutano dos ossos, minha desavergonhada.
Suzele – Eu ó Orlando estibe quase capaz... Ele bem mo pediu, mas tibe bergonha...
Clara – O ideal era uma fibromialgia... Aparecíamos nos jornais, íamos para Londres, viagens, repórteres, festas...
Cynthia – E quem é o veterinário que te diagnostica uma fibromialgia? Já sabes como é que é essa corja... Queres baixa? Paga! (o povo, o verdadeiro povo, também se deve sentir identificado com esta piada e dar umas gargalhaditas... uma palminha ou outra não ficaria mal)
Suzele – Eu cu Orlando é que quaise ficaba de baixa. Aquilo foi uma tarde inteira... Sacana do carneiro num se cansaba... E nim eu, eh eh eh... (reparem... é revista, isto no fundo é revista... tem que haver uma figura assim, que fale de forma engraçada, que tenha comentários despropositados... enfim, há que estabelecer empatia com o povo)
(Orlando reentra pela esquerda baixa)
Orlando – People, não dêem nas vistas, pá. Cheguem-se aqui.
(as ovelhas aproximam-se)
Orlando – Um primo meu que está em Amsterdão arranjou-me uma cena altamente, pá. Isto dá uma moca!...
Cynthia – Se for como a outra merda que arranjaste... Não dava pica nenhuma e até o leite me saía verde...
Orlando – Nã nã nã nã nã. Isto é mesmo altamente. Chama-se scrapie...
Clara – Fixe, pá. Orienta aí.
(Orlando mija na erva e as ovelhinhas comem sofregamente, dando origem a um novo quadro musical)
Clara, Cynthia, Orlando e Suzele (cantando) –
(refrão – sim, o refrão está em estrangeiro porque esta merda vai ser um hit, pá!)
London, Paris, Rome, New York or New Delhi
Nothing is impossible for a sheep with scrapie
x2
(solo da Cynthia)
Sou uma ovelha algo inconformada
Adeus aos pastos eu quero ir ver o mundo (coro: io! io! io!)
Com uma doença um bocado marada (esta rima é de uma fineza...)
Falam de mim até no país profundo
(refrão x2)
(solo da Clara)
Nós as ovelhas merecemos respeito
Não queremos mais estar junto à carneirada (coro: io! io! io!)
Já chega de nos espremerem o peito
Eu tenho scrapie eu sou sofisticada
(refrão x2)
(solo do Orlando)
Nunca pensei em armar tal confusão
Eu só queria passar um bom bocado (coro: io! io! io!)
Mas esta merda lá de Amsterdão
Deixou o ‘tuga algo preocupado ( eh pá! até eu me espanto comigo! esta do ‘tuga para encaixar na métrica...)
(refrão x2)
(solo da Suzele)
Eu sou uma obelha algo acarneirada (é a terceira vez que uso “algo”, mas estou-me a cagar)
Não me chateiem qu’eu estâou no meu cãotinho (coro: io! io! io!)
Mas c’o Orlando eu fico meio aluada
O que eu não faço pelo meu carneirinho
(coro final, glorioso, alegre, vivo, muita cor, muita dança, muita palma)
London, Paris, Rome, New York or New Delhi
Nothing is impossible for a sheep with scrapie
(repetir até a paciência do público se esgotar)
FIM
(E pronto. Não me ocorreu nada melhor como fim. Foi por isso que lhe chamei texto dramático e não revista ou comédia. É que o fim é triste, perceberam? Scrapie é a doença, uma variante espongiforme... Eh pá, pronto... Uns dias corre melhor, outros pior.)
Um texto dramático em um acto para três ovelhas e um carneiro, de Vareta Funda
CENA 1
Três ovelhas em descanso, num pasto, conversam enquanto debicam uma ervita ou outra
Clara – Mééeee?
Cynthia – Mééeee.
Suzele – ‘Bora lá!
CENA 2
Três ovelhas em descanso, num outro local do mesmo pasto mas com mais sombra, conversam enquanto debicam uma ervita ou outra
Cynthia - ...só vos digo que já me passou pela cabeça. É qu’isto tam’ém não é vida. Andar para aqui e para ali, ordenha, ordenha, ordenha, cresce lã, corta lã, lá vamos ao carneiro uma vez por outra... Não, eu não nasci p’ra isto. Lembro-me como se fosse hoje da minha mãezinha me dizer: “Cynthia, filha, tu és do Sr. Alberto, mas se isto der uma volta o teu futuro ainda poderá vir a estar nas tuas patas.”
Suzele – Eu cá num sei. Eu cá descunfio sempre. Mais bale...
Clara e Cynthia – Mééeee.... Hi hi hi!
Suzele – E lá estão bocês a guzarem cumigo! E pronto! Já num digo mai nada!
Clara – Também dizes sempre o mesmo... “Eu cá num me meto nissu! Eu cá prefiro estar do meu cãotinho!”. Que diabo, Suzele! Tens cinco anos, já não estás na flor da idade! Nem todas temos a sorte de ser como a Dolly e ficarmos famosas à nascença. Se não arriscarmos agora...
Suzele – Quem bos oubisse!... Bejam lá as senhoras dâutoras, parece que já são algúeim! Nunca biram mais nada senão esta quinta! Eu ó menos bim...
Cynthia – Sim, já sabemos, foste comprada na Ovibeja. E depois?... Vais ficar eternamente à sombra desse momento de glória? Lembras-te da Marisa? A tia dela também teve os seus quinze minutos de fama quando apareceu no autocolante da Ovibeja de 97. E onde é que elas estão agora, uma e outra?
Clara (cantarolando) – “No bandulho do Alberto/É o que tens de mais certo/Em costeleta ou ensopado/O teu futuro é cozinhado”...
Cynthia – Disfarça que vem aí o Orlando... Mééeee.
Clara e Suzele – Mééeee.
CENA 3
Três ovelhas em descanso, no mesmo local, conversam enquanto debicam uma ervita ou outra. Entretanto aproxima-se Orlando, o carneiro. As ovelhinhas ajeitam-se e exibem o ventre. A cada fala, o actor chega-se à boca do palco e depois recua, na melhor tradição do Parque Mayer. Se for fisicamente possível às ovelhas, sugere-se que façam manguitos.
Orlando – E então, people? Vai uma?
Clara – Deves estar, deves...
Orlando – ‘Tar até ‘tou. Cheio de tesão, ó, queres ver?
Cynthia – Deves de ‘tar é chei’da sorte, se pensas que levas daqui alguma coisa.
Orlando – Iá. Não levo nem trago, môr. Já sabes que p’ra ti é sempre à borliú, eh eh eh! (se o povo ainda é povo, deve rir aqui:____)
Suzele – Ó filhas, bamos-lhe cantar a canção da minha terra?!
(As luzes incidem apenas sobre as ovelhas e segue-se um bonito quadro musical...)
Clara, Cynthia e Suzele (cantando) –
Ó carneiro arremelgado
Tu aqui não te governas
Queres-nos ver de ventre inchado?
Vai c’o Portas p’rás casernas! (que diabo, é revista! tem que ter uma boca política, básica, de preferência)
Tu tens fraco material
E o mais certo é qualquer dia
Apareceres no jornal
A falar da Casa Pia (também se percebe, ou não?... hum? uma piada circunstancial?...)
Lá por te chamares Orlando
E cheirares a coentro
Achas que é só ir entrando
Pelas ovelhas adentro (e a carga lúbrica, senhores? que seria da revista sem a carga lúbrica?)
Vê se te pões nas canetas
Nem te queremos ver por perto
Guardamos as nossas tetas
P’rás maõzinhas do Alberto
Orlando – Iá, people. É como quiserem. Mais tarde ou mais cedo hão-de cá vir parar, eh eh eh. (Orlando fica cinco segundos com um sorriso estúpido no focinho, faz “eh eh eh” outra vez, vê que não tem resposta e sai de cena).
CENA 4
Três ovelhas em descanso, no mesmo local, conversam enquanto debicam uma ervita ou outra
Cynthia – Estou farta disto. Já é altura das ovelhas combaterem os estereótipos de animal pacato e estúpido, que dá leite e lã e carne... E o espírito? Quem é que nos aprecia pelo espírito?
Suzele – Olhó Orlando, esse é que num nus aprecia por o espírito! Fuôsga-se! Quando me lembro da primeira bez... Chiça! Mas no fim até gustei...
Clara – Olham para nós e só vêem camisolas, cachecóis, queijo da serra... E ainda fazem anúncios a gozar connosco, como se ficássemos umas loucas quando chupamos rebuçados de mentol... Eu cá bem sei o que é que lhes chupava!
Cynthia – Ó Clara, que horror! Não me digas que és dessas?!
Clara – Era o tutano dos ossos, minha desavergonhada.
Suzele – Eu ó Orlando estibe quase capaz... Ele bem mo pediu, mas tibe bergonha...
Clara – O ideal era uma fibromialgia... Aparecíamos nos jornais, íamos para Londres, viagens, repórteres, festas...
Cynthia – E quem é o veterinário que te diagnostica uma fibromialgia? Já sabes como é que é essa corja... Queres baixa? Paga! (o povo, o verdadeiro povo, também se deve sentir identificado com esta piada e dar umas gargalhaditas... uma palminha ou outra não ficaria mal)
Suzele – Eu cu Orlando é que quaise ficaba de baixa. Aquilo foi uma tarde inteira... Sacana do carneiro num se cansaba... E nim eu, eh eh eh... (reparem... é revista, isto no fundo é revista... tem que haver uma figura assim, que fale de forma engraçada, que tenha comentários despropositados... enfim, há que estabelecer empatia com o povo)
(Orlando reentra pela esquerda baixa)
Orlando – People, não dêem nas vistas, pá. Cheguem-se aqui.
(as ovelhas aproximam-se)
Orlando – Um primo meu que está em Amsterdão arranjou-me uma cena altamente, pá. Isto dá uma moca!...
Cynthia – Se for como a outra merda que arranjaste... Não dava pica nenhuma e até o leite me saía verde...
Orlando – Nã nã nã nã nã. Isto é mesmo altamente. Chama-se scrapie...
Clara – Fixe, pá. Orienta aí.
(Orlando mija na erva e as ovelhinhas comem sofregamente, dando origem a um novo quadro musical)
Clara, Cynthia, Orlando e Suzele (cantando) –
(refrão – sim, o refrão está em estrangeiro porque esta merda vai ser um hit, pá!)
London, Paris, Rome, New York or New Delhi
Nothing is impossible for a sheep with scrapie
x2
(solo da Cynthia)
Sou uma ovelha algo inconformada
Adeus aos pastos eu quero ir ver o mundo (coro: io! io! io!)
Com uma doença um bocado marada (esta rima é de uma fineza...)
Falam de mim até no país profundo
(refrão x2)
(solo da Clara)
Nós as ovelhas merecemos respeito
Não queremos mais estar junto à carneirada (coro: io! io! io!)
Já chega de nos espremerem o peito
Eu tenho scrapie eu sou sofisticada
(refrão x2)
(solo do Orlando)
Nunca pensei em armar tal confusão
Eu só queria passar um bom bocado (coro: io! io! io!)
Mas esta merda lá de Amsterdão
Deixou o ‘tuga algo preocupado ( eh pá! até eu me espanto comigo! esta do ‘tuga para encaixar na métrica...)
(refrão x2)
(solo da Suzele)
Eu sou uma obelha algo acarneirada (é a terceira vez que uso “algo”, mas estou-me a cagar)
Não me chateiem qu’eu estâou no meu cãotinho (coro: io! io! io!)
Mas c’o Orlando eu fico meio aluada
O que eu não faço pelo meu carneirinho
(coro final, glorioso, alegre, vivo, muita cor, muita dança, muita palma)
London, Paris, Rome, New York or New Delhi
Nothing is impossible for a sheep with scrapie
(repetir até a paciência do público se esgotar)
FIM
(E pronto. Não me ocorreu nada melhor como fim. Foi por isso que lhe chamei texto dramático e não revista ou comédia. É que o fim é triste, perceberam? Scrapie é a doença, uma variante espongiforme... Eh pá, pronto... Uns dias corre melhor, outros pior.)
Arrotos do Porco: