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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


sexta-feira, janeiro 30, 2004

ORA DEIXA CÁ VER...



Penitencio-me. Arrojo-me aos pés de todos quantos tenho deixado à espera e rogo-lhes pela graça do perdão. É um facto triste, mas é a mais pura verdade: não consigo ser pontual.

Acho que a raíz desta patologia virá das minhas origens campesinas. Sim: corre nas minhas veias o sangue de quem trabalhava a terra sem outras formas de medir o tempo que não a posição do sol ou os toques do sino da capela. Naquele tempo e naquelas vidas, os minutos eram uma ideia difusa, qualquer coisa que se apreciava em casa com aqueles relógios de parede que tocavam o "Avé Maria" de quarto em quarto de hora. Pudesse eu viver também tão despreocupado...

O pior é que não posso. Não posso ficar despreocupado com as horas e não consigo submeter-me à sua cruel ditadura. Resultado: fico com os nervos num frangalho, corro pelas ruas como um louco e sou dos melhores clientes da RETALIS... Tudo isto para ganhar tempo junto dos outros, ou seja, chegar apenas com meia-hora de atraso.

Tomemos o caso de ontem: tinha uma reunião às 10h30, cheguei às 11h05. Tinha outra reunião às 21h30, cheguei às 22h00. Fazendo uma avaliação sincera, foi um dia de grande sucesso! Mantive os meus atrasos dentro de uma margem de 32,5 minutos! O peso pela culpa nestes lapsos temporais martiriza-me, mas não o exteriorizo. Quem me conhece sabe que chego com a maior naturalidade a qualquer compromisso ainda que o faça duas horas depois do prazo marcado. Ficou célebre, num anterior local de trabalho, o dia em que eu cheguei às 10h45 quando tinha uma reunião marcada para as 9h00. O chefe chamou-me e disse-me: "Ó Shô Vareta, a senhora da reunião esteve cá. Tive que ser eu a atendê-la." Eu, enquanto tentava enxugar os últimos pingos de água do cabelo, lá respondi com o ar mais casual que consegui: "Pois... Desculpe lá. Entretanto tenho aqui estes ofícios para assinar..." e lá continuei o dia como se nada fosse. É um bom truque, deixar trabalho pronto de véspera.

Mas com os atrasos profissionais posso eu bem... Lá ouço um ou outro responso: "Tem que chegar mais cedo" ou mesmo "Veja se consegue ter isto pronto hoje que amanhã tenho uma reunião às 10h30 e a essa hora ainda não está cá, não é?", mas não é à conta destas bocas que ganho úlceras no duodeno. O que me incomoda é fazer esperar as pessoas de quem gosto. Só que este incómodo não consegue rebater o meu optimismo horário. Se me propõem: vamos ao cinema mas jantamos primeiro, eu aceito logo. E até avanço a hora! "Oito e meia, aqui ou ali". Do outro lado, se me conhecem, já dão o devido desconto e chegam às 20h45. Pois mesmo assim é certo e sabido que eu chegarei dois minutos depois da hora de início do filme, afogueado, tartamudeando qualquer desculpa imberbe e perdendo tempo útil de "fruição do encontro" - esta expressão é linda, não é? fui eu que inventei! - tentando aplacar a ira alheia.

Eu tento tudo. O meu relógio de pulso está dez minutos adiantado. O relógio do telemóvel está UMA HORA adiantado para ver se eu me assusto quando toca o despertador e salto da cama. Tanto vale isto como nada. É mais forte que eu... As manhãs são um conceito que já não entra no meu campo lexical. E pensar que passei 12 anos da minha vida a ter aulas às 8h30 - e chegava a horas!

Já estive mais longe de me considerar narcoléptico... Mesmo se me vão buscar a casa de manhã, as coisas não correm melhor. Telefonam-me dez minutos antes da hora marcada, altura em que acordo em verdadeiro pânico e lá consigo condensar em 15 minutos os rituais matinais que nos outros dias me consomem pelo menos 40 minutos. Ainda assim, lá chego ao carro ainda a abotoar a camisa - e desenganem-se se pensam que é fácil fazer o nó da gravata pelos minúsculos espelhos dos carros. As consequências disto são tramadas: os meus sapatos nunca sabem o que é graxa, a pressa faz-me confundir camisas imprestáveis com camisas engomadas, o cinto é um acessório de que nem sempre me lembro... O que me vale é a minha lendária beleza, a compensar o invólucro descuidado.

Sou irremediável. Felizmente, quem me conhece mesmo bem já tolera esse facto. Ou melhor, já me pune por esse facto. Dizem-me "não é preciso teres pressa" e deixam-me à espera por larguíssimos minutos. Acreditem que me sabe bem esperar pelos outros: são tempos que tenho para mim, sem ter que correr, sem culpa nos ombros.

Arrotos do Porco:


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