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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


segunda-feira, novembro 03, 2003


Testemunho para memória futura

Ontem à noite, quando saí para passear a cadela, deparou-se-me uma imagem angustiante. Espalhadas pelo parque de estacionamento, imóveis por força da ausência de vento, umas dúzias de folhas. À medida que me aproximava constatei que se tratava de folhas arrancadas a um dossier. A caligrafia rechonchuda e cuidada, o respeito das linhas ou da quadrícula e o aspecto geral arrumadinho indiciavam o caderno de uma menina de escola.

Assaltou-me logo a mágoa que transporto por ter perdido os meus próprios cadernos escolares. É um pedaço importante da minha vida que o tempo tratou de nublar na minha memória e cujos traços podiam ser avivados pelo recurso a este diário forçado. As matérias assombrosas que nos faziam “empinar” nos tempos da Outra Senhora, a evolução da caligrafia, as anotações, o desleixo, as abreviaturas e tantas outras coisas que me podiam devolver parte de mim, quiçá até fazer luz sobre coisas que não consigo explicar.

Lamentei que os pais desta jovem não cuidassem por ela destas coisas. Imaginei que pouco se importassem com o que considerariam ser uma perda de tempo, tirocínio inútil para a vida a sério. Nunca mais a criança chegava à idade de deixar a escola e iniciar a sua vida adulta, ao balcão de uma loja num shopping ou, quem sabe, que a fé nos filhos é sempre grande, como administrativa numa empresa de representações, sediada num armazém empoeirado de uma zona industrial de um subúrbio anónimo. Universidade nunca, que quem assim desleixa a memória futura dos filhos não concebe estender a sua vida de estudante para além do legalmente necessário.

Enquanto me acabrunhava nestas reflexões, detive-me sobre uma folha quadriculada, uma qualquer aula de Matemática. No topo da folha a palavra “Sumário:” e, por baixo, a sua substância, que assim rezava:

“Esprecções Noméricas”

Chamei a cadela em tom alarmado e regressei a casa rapidamente. Nunca mais desconfio da intuição e cuidados paternais quando toca a acautelar o futuro dos filhos.

Arrotos do Porco:


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