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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


quinta-feira, novembro 06, 2003

ESCOLHER




Cruzei-me há uns tempos com mais uma informação absolutamente inútil: um sociólogo inglês estaria a preparar uma tese de doutoramento com base em 500 - quinhentas - 500 cassetes que reuniam escolhas de 500 pessoas que as haviam oferecido a outras 500. Este dado é importante: as cassetes não foram gravadas para o estudo, foram "recolhidas". O que é que o senhor pretenderá provar com tal estudo, não sei. E nem isso interessa.

Ainda se lembram da dose de paciência que era necessária para gravar uma cassete com músicas de diferentes origens? Era um sumarento gesto de afecto! Pensar nas escolhas - a parte mais agradável - para 60 ou 90 minutos. Tomar a difícil decisão de deixar uns minutos de silêncio antes do fim de cada lado ou deixar músicas cortadas. Usar o botão "pause" até que este ficasse com mais folgas que um funcionário público luxemburguês. E tudo isto para que tanto trabalho e tanto carinho acabassem trilhados por um auto-rádio mais manhoso...

Gravar e oferecer uma cassete nestes moldes era como que fazer um menu dos discos que queríamos partilhar. Permito-me dizer que era uma modesta forma de arte, a qual, uma vez experimentada, fazia com que se torcesse o nariz à ideia simples e vil de gravar um álbum inteiro. Esta fórmula é, aliás, muito familiar a quem escreve artigos de opinião: para quê plagiar apenas um autor se podemos estruturar um discurso com as ideias de muitos?

Gravar um cd com os mesmos preceitos pode ter igual valor de partilha, mas não tem a carga visceral, o esforço físico, a entrega que a fita magnética exigia. Não é o mesmo "naperon" de retalhos sonoros ligados a renda de bilros... Uma cassete era uma declaração fugaz, com curto prazo de validade, pouco dada a novas releituras que modificassem uma primeira impressão. E era um verdadeiro milagre de comunhão quando quem as ouvia as "lia" da mesma maneira que quem as gravava.

Por vezes acontece-me ser confrontado com essa estranha situação: ouvir num leitor alheio uma gravação antiga. Sabem tão bem ou melhor do que eu quão doce ou desconfortável pode ser esse exercício de nos esfregarem na cara a prova de algo que já sentimos.


Arrotos do Porco:


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