quinta-feira, outubro 30, 2003 |
PESSOAS E EDIFÍCIOS
Uma das muitas vezes em que se riram de mim foi quando eu disse a quem estava comigo, aqui há uns anos, enquanto esperava pelo autocarro 42 ali ao pé da Travessa das Florindas, que me enchia de curiosidade ao cair da noite, quando se sente que há vida por detrás das portas e das janelas. Lembro-me perfeitamente de ter dito: "Tantas vidas a desenrolarem-se do lado de lá e eu sem saber nada delas". E riram-se. E chamaram-me tontinho, e "vizinho" e cuscuvilheiro e tudo o que bem lhes aprouve. Não guardo ressentimento contra eles. Afinal, todas as contas serão acertadas no juízo final...
A razão do que disse na altura é simples: gosto de pessoas. Ainda não terei chegado à fase "Brigitte Bardot" de preferir os animais, mas gosto mesmo de pessoas. Quantas mais conheço, mais rico me sinto, mais aprendo - e, claro, maiores são as probabilidades de não ter os pés frios no Inverno.
AS ESCADAS
Conhecer alguém é um bocado como subir uma escada pela primeira vez. Nunca se sabe bem o que se vai encontrar quando chegarmos ao fim. E, terminado esse processo, a analogia mantém-se: há escadas que voltamos a subir, há outras que descemos a correr sem vontade de regressar... e também há aquelas em que nos espalhamos ao comprido e esfolamos as mãos e os joelhos.
AS JANELAS
As janelas não servem só para arejar uma casa, deixar a luz entrar e os germes sair. Das janelas podemos olhar para fora - excepto as que dão para saguões infectos. E podemos ver os outros e aprender com eles. Podemos ficar a saber que há uma pedra solta em que alguém tropeçou, um buraco na estrada em que alguém partiu a direcção, que ainda há famílias, que ainda há pais e filhos e que estes hoje em dia ou se chamam Fábios, Igores, Renatas e Sorayas ou se chamam Fredericos, Bernardos, Caetanas e Franciscas (parece-me efeito da República: a distinção social passou dos apelidos para os nomes próprios...). A vida dos outros fascina-me enquanto fonte de aprendizagem e, confesso, enquanto manancial de histórias que podemos amalgamar, despersonalizar e lembrar ou contar.
AS PORTAS
Tenho sempre a esperança de ser positivamente surpreendido de cada vez que abro uma porta. Já tomo uns comprimidos para atenuar isto, mas ainda não resultaram. É-me impossível não fazer um quadro mental do que vou encontrar, conheça ou não o cenário que está do outro lado. Por vezes basta encontrar "tudo na mesma" para ficar satisfeito. Por outras vezes não. Há poucas sensações mais agradáveis - que não envolvam a genitália, pelo menos - do que abrir uma porta e sermos surpreendidos por alguém que nos espera. Esse alguém até nos pode esperar todos os dias, mas a surpresa é sempre renovada (digo eu, que sou um rapazola; quem já tiver muitos anos de surpresa que se manifeste...).
A minha paixão pelos edifícios justifica-se por isto: é lá que as pessoas vivem. E a vida, a minha e a dos outros, é a coisa mais improvável e fascinante que conheço. As escadas, as janelas, as portas, tudo isso são acessos aos outros ("pontres", diria mesmo...). Não levem a mal este deslumbramento infantil por descobrir a cada dia que o mundo não acaba em mim.
Uma das muitas vezes em que se riram de mim foi quando eu disse a quem estava comigo, aqui há uns anos, enquanto esperava pelo autocarro 42 ali ao pé da Travessa das Florindas, que me enchia de curiosidade ao cair da noite, quando se sente que há vida por detrás das portas e das janelas. Lembro-me perfeitamente de ter dito: "Tantas vidas a desenrolarem-se do lado de lá e eu sem saber nada delas". E riram-se. E chamaram-me tontinho, e "vizinho" e cuscuvilheiro e tudo o que bem lhes aprouve. Não guardo ressentimento contra eles. Afinal, todas as contas serão acertadas no juízo final...
A razão do que disse na altura é simples: gosto de pessoas. Ainda não terei chegado à fase "Brigitte Bardot" de preferir os animais, mas gosto mesmo de pessoas. Quantas mais conheço, mais rico me sinto, mais aprendo - e, claro, maiores são as probabilidades de não ter os pés frios no Inverno.
AS ESCADAS
Conhecer alguém é um bocado como subir uma escada pela primeira vez. Nunca se sabe bem o que se vai encontrar quando chegarmos ao fim. E, terminado esse processo, a analogia mantém-se: há escadas que voltamos a subir, há outras que descemos a correr sem vontade de regressar... e também há aquelas em que nos espalhamos ao comprido e esfolamos as mãos e os joelhos.
AS JANELAS
As janelas não servem só para arejar uma casa, deixar a luz entrar e os germes sair. Das janelas podemos olhar para fora - excepto as que dão para saguões infectos. E podemos ver os outros e aprender com eles. Podemos ficar a saber que há uma pedra solta em que alguém tropeçou, um buraco na estrada em que alguém partiu a direcção, que ainda há famílias, que ainda há pais e filhos e que estes hoje em dia ou se chamam Fábios, Igores, Renatas e Sorayas ou se chamam Fredericos, Bernardos, Caetanas e Franciscas (parece-me efeito da República: a distinção social passou dos apelidos para os nomes próprios...). A vida dos outros fascina-me enquanto fonte de aprendizagem e, confesso, enquanto manancial de histórias que podemos amalgamar, despersonalizar e lembrar ou contar.
AS PORTAS
Tenho sempre a esperança de ser positivamente surpreendido de cada vez que abro uma porta. Já tomo uns comprimidos para atenuar isto, mas ainda não resultaram. É-me impossível não fazer um quadro mental do que vou encontrar, conheça ou não o cenário que está do outro lado. Por vezes basta encontrar "tudo na mesma" para ficar satisfeito. Por outras vezes não. Há poucas sensações mais agradáveis - que não envolvam a genitália, pelo menos - do que abrir uma porta e sermos surpreendidos por alguém que nos espera. Esse alguém até nos pode esperar todos os dias, mas a surpresa é sempre renovada (digo eu, que sou um rapazola; quem já tiver muitos anos de surpresa que se manifeste...).
A minha paixão pelos edifícios justifica-se por isto: é lá que as pessoas vivem. E a vida, a minha e a dos outros, é a coisa mais improvável e fascinante que conheço. As escadas, as janelas, as portas, tudo isso são acessos aos outros ("pontres", diria mesmo...). Não levem a mal este deslumbramento infantil por descobrir a cada dia que o mundo não acaba em mim.
Arrotos do Porco: