sexta-feira, outubro 10, 2003 |
A festa dos belogas
Roído por um indomitável desejo de ver a tromba aos belogueiros nacionais, rumei ontem à noite ao "Madres de Goa", esperando introduzir-me discretamente no meio dos convivas a coberto do nevoeiro etílico que, suspeitava, reinasse no espaço. Enganei-me. Aquilo era uma coisa bem organizada, com segurança à porta, detectores de metais, assinatura de declarações de non-disclosure e o Diabo a sete. À porta, um beloga corpulento barrou-me a passagem:
- Hoje é só para belogas!
- Eu sei - disse eu com o meu ar mais blasé.
- E qual é o teu belogue?
- Eu sou o Pipi.
- Não és nada!
- Pois não. Sou muito mentiroso.
- És o MuitoMentiroso?!?!
- Estava a brincar! Sou do Desejo Casar.
- Ah, bom... espera lá! Do Desejo Casar sou eu e não te conheço!
Como aquilo ameaçava eternizar-se, espreitei por cima do ombro dele e disse, em voz alta:
- Olha, a Fernanda Serrano!
Aproveitei a confusão que se gerou de seguida para entrar e sentar-me numa mesa mal iluminada dum canto. Um passar de olhos rápido pela sala revelou um problema: os belogas correspondem rigorosamente ao retrato-robot que alguém fez deles, e no meio dos belogas eu sou tão chamativo quanto uma mosca num prato de merengue. Já desesperado com os olhares desconfiados que me lançavam, avistei, num outro canto, um velho que fumava cachimbo com ar alucinado. Ia-lhe pedir uma passa quando me ocorreu que aquela visão era estranhamente familiar...
- Ouve lá, tu não és o Bom Selvagem?
- E seremos nós aquilo que pensamos? Ou as nossas vidas serão apenas um sonho de alguém?
- ...e esse cachimbo não cheira a tabaco...
- Conheces o meu gato? Deve andar por aí... (disse ele, disfarçando mal o incómodo)
- Deixa-te de tretas e dá cá uma passa disso.
Ficámos uns minutos a fumar calmamente e a observar. Eu confesso que tive algum receio inicial; pensava que os belogas nacionais seriam todos uma cambada de rejeitados ou feios ou gordos. Enganei-me redondamente. São, isso sim, uma cambada de rejeitados, feios e gordos. As belogas, por outro lado, são muito jeitosas. Há-as altas, baixas, magritas, gorduchas, mas a maioria é muito apreciável. E, no meio de tanto estafermo masculino, o Belo Menir tornou-se rapidamente o centro das atenções.
Quando se acabou o gás do isqueiro, de tanto lume dar a gaijas que mo vieram pedir, e se finou também a imaginação para inventar belogues onde eu escreveria - vocês acreditam que até pelo Abrupto passei? - comecei a ficar inquieto. O Bom Selvagem ressonava alarvemente ao meu lado, os belogas olhavam-me com inveja e elas começaram a cercar-nos. Era a altura de começar a pensar em retirar, mas como? Levantei-me, encarei a assistência e disse, apaziguadoramente, de mãos no ar...
- OK, OK, eu confesso: eu sou o Zé Nabo.
Ainda me dói o corpo de tanta porrada que levei até à rua.
Roído por um indomitável desejo de ver a tromba aos belogueiros nacionais, rumei ontem à noite ao "Madres de Goa", esperando introduzir-me discretamente no meio dos convivas a coberto do nevoeiro etílico que, suspeitava, reinasse no espaço. Enganei-me. Aquilo era uma coisa bem organizada, com segurança à porta, detectores de metais, assinatura de declarações de non-disclosure e o Diabo a sete. À porta, um beloga corpulento barrou-me a passagem:
- Hoje é só para belogas!
- Eu sei - disse eu com o meu ar mais blasé.
- E qual é o teu belogue?
- Eu sou o Pipi.
- Não és nada!
- Pois não. Sou muito mentiroso.
- És o MuitoMentiroso?!?!
- Estava a brincar! Sou do Desejo Casar.
- Ah, bom... espera lá! Do Desejo Casar sou eu e não te conheço!
Como aquilo ameaçava eternizar-se, espreitei por cima do ombro dele e disse, em voz alta:
- Olha, a Fernanda Serrano!
Aproveitei a confusão que se gerou de seguida para entrar e sentar-me numa mesa mal iluminada dum canto. Um passar de olhos rápido pela sala revelou um problema: os belogas correspondem rigorosamente ao retrato-robot que alguém fez deles, e no meio dos belogas eu sou tão chamativo quanto uma mosca num prato de merengue. Já desesperado com os olhares desconfiados que me lançavam, avistei, num outro canto, um velho que fumava cachimbo com ar alucinado. Ia-lhe pedir uma passa quando me ocorreu que aquela visão era estranhamente familiar...
- Ouve lá, tu não és o Bom Selvagem?
- E seremos nós aquilo que pensamos? Ou as nossas vidas serão apenas um sonho de alguém?
- ...e esse cachimbo não cheira a tabaco...
- Conheces o meu gato? Deve andar por aí... (disse ele, disfarçando mal o incómodo)
- Deixa-te de tretas e dá cá uma passa disso.
Ficámos uns minutos a fumar calmamente e a observar. Eu confesso que tive algum receio inicial; pensava que os belogas nacionais seriam todos uma cambada de rejeitados ou feios ou gordos. Enganei-me redondamente. São, isso sim, uma cambada de rejeitados, feios e gordos. As belogas, por outro lado, são muito jeitosas. Há-as altas, baixas, magritas, gorduchas, mas a maioria é muito apreciável. E, no meio de tanto estafermo masculino, o Belo Menir tornou-se rapidamente o centro das atenções.
Quando se acabou o gás do isqueiro, de tanto lume dar a gaijas que mo vieram pedir, e se finou também a imaginação para inventar belogues onde eu escreveria - vocês acreditam que até pelo Abrupto passei? - comecei a ficar inquieto. O Bom Selvagem ressonava alarvemente ao meu lado, os belogas olhavam-me com inveja e elas começaram a cercar-nos. Era a altura de começar a pensar em retirar, mas como? Levantei-me, encarei a assistência e disse, apaziguadoramente, de mãos no ar...
- OK, OK, eu confesso: eu sou o Zé Nabo.
Ainda me dói o corpo de tanta porrada que levei até à rua.
Arrotos do Porco: