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Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


domingo, maio 14, 2006






FÁTIMA

Faltavam ainda umas quatro horas para o Papa chegar e presidir à missa e depois à Procissão das Velas. Muita gente já se acotovelava junto à Capelinha das Aparições. Na fila da frente estava um gajo com uma enorme cruz de madeira que dizia “INRI” e “Jesus Salva” – “Baixa cruz, ó camelo! Que não vemos nada!” – Diziam uns cá atrás, entre duas goladas de tinto dum garrafão de palhinha. Estava calor e para não perder o lugar, uma mulher abriu as pernas, levantou ligeiramente a saia e mijou em pé mesmo ali. A poça de mijo correu num fio sobre o macadame do Santuário até que uma freira reparou no que estava a pisar. Presciniu-se e disse alguns impropérios para dentro, olhando em volta com raiva, para ver se percebia quem tinha feito uma coisa daquelas. É certo que já cheirava bastante a urina e a suor velho. Uns padres andavam atarefados num palco provisório, onde surgiria mais tarde o Santo Padre. De cada vez que alguém de sotaina surgia, a multidão inquieta ululava visivelmente e havia um zum-zum que subia de tom. – “O gajo só vem às nove, pá. Estes são os ajudantes. Tenham calma...” – Dizia um para a geral. Cá atrás não se via bem por causa da cruz e continuavam os protestos: “Baixa a cruz, cabrão que não vemos o Papa, carago!...” E desataram a atirar objectos à cruz. Primeiro foram umas embalagens de iogurte vazias, umas velas, depois meia sandes de túbaros em pão regional e finalmente uma algália cheia, subtraída a uma doentinha que ali estava para Benção. – “Olha, vão para o caralho, cabrões!” –Dizia o da cruz, virando-se para trás e fazendo um gesto fálico com uma das mãos e agarrando os tomates com a outra, abanando-os na direcção dos outros. – “Isto foi uma promessa, caralho! E vim com a puta da cruz às costas desde Penajoia! De joelhos, ò filhos da puta! Qual é a vossa fé, foda-se, ó cabrões? É uma pôrra duma cruz! Haja respeito, pá!.. Francamente.” “Um, dois, ahhhh...experiência” – Dizia um padre ao microfone. Uma mulher teve um chilique com o calor e começou a revirar os olhos. – “Façam espaço, façam espaço, deixem entrar o ar” – Mas ninguém se moveu um milímetro para não perder o lugar. – “Chamem a GNR!” – “Mas a GNR para quê? Ela precisa é dos bombeiros ou do médico!” – “Eu vou chamar um padre, esperem aí” – “O médico da cabeça já lhe tinha dito que não se podia irritar, caralho! A culpa é daqueles cabrões que a irritaram! Deviam era ser todos enforcados no alto daquela árvore!” – Disse o marido aos gritos, referindo-se às azinheira das aparições. – “Ela está é com uma ganda bebedeira pelos queixos!” – Gritou o da cruz lá da frente. O marido transido de fúria, com a face rubra e a espumar, desatou ao soco e ao pontapé a toda a gente abrindo caminho por entre a densa multidão, em direcção ao da cruz. Uma freira pontapeada pelo furibundo marido gritava agarrada a uma canela: - Ai, ai, ai! Acudam, senhores, acudam!” – “Pôrra, nem as freiras escapam, mas o gajo ofendeu-lhe a mulher, não é? Nota-se que é uma pessoa nervosa. Se fosse comigo fazia o mesmo.” – “Eu fodo-os, eu fodo-os!...” - Dizia, fora de si, o homem que estrebuchava e empurrava toda a gente violentamente para se aproximar da frente. O da cruz vendo que o outro se aproximava, teve medo e subiu a custo para o palco, com a cruz às costas. Veio logo um padre dizendo que tinha de sair dali, mas ele ignorou-o e fugiu em direcção à capelinha. Dois GNRs seguiram-no de pistola em punho. O marido da outra estava quase a alcançá-lo, mas o padre e os GNRs agarraram-no. O outro tinha trepado azinheira acima. Nisto alguém gritou do meio da multidão, a uns cento e cinquenta metros dali: - “É a Virgem! Ali na azinheira...Não! É Jesus! É Jesus que está na azinheira! Uns ajoelhavam-se e rezavam. Outros lançavam os braços ao céu num estertor de comoção; doentes tetraplégicos arremessavam as muletas e começavam a andar. A multidão forçou as guardas do palco em torno da capela e dirigiu-se extática para a azinheira, onde foram repelidos pela GNR com tiros para o ar e pelos padres armados com os suportes dos microfones e com a cruz do outro. Chegaram reforços e em vinte minutos estava tudo mais calmo. O passa-palavra entre a multidão foi suficiente para inteirar a maioria das pessoas do que tinha acontecido: - Jesus tinha aparecido na azinheira, em vez da Mãe, para a defender dos comunistas, mas como a GNR o tinha tranquilizado “que em Fátima, não lá havia nenhum comunista”, ele voltou para o Céu.”

Á noite, luziam milhares de velas e a multidão unida em cânticos de oração, expiava os seus pecados.

FIM

Arrotos do Porco:

Quebro os votos de silêncio, que as agruras da vida me pespegaram, para protestar veementemente pela publicação deste nefasto e concupiscente, apesar de bem inspirado e belíssimo texto. A prosa deste azougado e estrepitoso autor, fez com que eu sentisse um lampejo de Fé a borbotar da minha alma.
E a Fé é fodida!



Tu, sim, tu, AdaS, és o caminho, a verdade e a vida!!!


G-E-N-I-A-L!




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