Folhetim - dia 2
Estava o Carlos nesta iminência de desespero quando apareceu o Vítor no seu típico caminhar bamboleante. Gajo acanhado por natureza, disfarçava a timidez com uma cara de quem traz uma borbulha assanhada na virilha, mesmo onde o elástico do slip roça, mas bastava falar uns segundos com ele para que se desfizesse em sorrisos e amabilidades. Ganhava a vida com instalações de águas e gás, entre as quais passeava a discreta (quase receosa) esposa e o filho pequeno. Por sorte, eles não o acompanhavam hoje quando deu de caras com o improvisado velório que se montara à porta de minha casa.
- Então... que é que aconteceu?, perguntou com ar desconfiado.
- Não sei, vizinho. Cheguei aqui há bocado e dei com isto...
- Mas ele está doente? - quando a situação exigia, vinha ao cimo um traço de gaguez bem dominada.
- Qual!... Está morto!
- Morto?!? T-Tem a c-c-certeza?
O Carlos não disse nada, mas os ombros descaíram imperceptivelmente.
- Já chamou alguém?
- Não... não sei se chame uma ambulância já ou fale primeiro com a mulher dele.
- Eh, pá... isso é capaz de ser chato.
- Tá bem, mas ela vai ter que saber.
- Mas os tipos do INEM sabem falar com as pessoas e dar-lhes essas noticias. Estão sempre a fazer isso, é a vida deles.
- Acha? Não são os da polícia que fazem isso?
- Ora, tanto faz. Polícia, bombeiros, INEM...
- Mas olhe que se fosse eu preferia que a minha mulher soubesse por pessoas conhecidas.
- Oh, depois de morto deve fazer muita diferença...
O Carlos levantou devagar os olhos (que ainda não tinha tirado de mim) para o outro.
- Eh, pá... mesmo morto o homem merece respeito...
- Bah... era um cagão. Sempre muito simpático e educado, mas tenho a certeza que se julgava melhor que nós todos. Nunca se misturava c'a gente, nem vinha às sardinhadas no pátio...
"Se te entrasse pela casa o pivete que entrava pela minha também não ias às sardinhadas, cabrão...", pensei eu.
- Olhe que não, vizinho. O tipo era mesmo simpático.
- Sim, sim... lá porque a mulher é professora... olhe, nem me admirava nada que ela ficasse satisfeita com a notícia. Essa malta sente as coisas de maneira diferente, não julgue...
- Agora está a ser mauzinho. Eles davam-se bem, nunca ouvi uma discussão ou um berro que fosse em casa deles.
- Davam-se bem... há quem as faça pela calada, sabe?
- Credo, pá! Não tarda ainda me vai dizer que foi ela que o matou!
- Olha!... agora que fala nisso... de que é que ele morreu?
- Sei lá! Eu não sou médico!
Calaram-se os dois, mas os seus olhos fixaram-se com um misto de receio e suspeita na minha porta...
Que cena mais marada. Não perecebi nada. Os teus posts andam muito esotéricos.
ResponderEliminarA coisa promete, Sr. Menir Christie Calém. Podemos tentar adivinhar quem te matou? Temos prémios?
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